Entre o pedestre que aguarda na calçada e o outro lado da rua, carretas, caminhões, ônibus, carros e motos passando em alta velocidade. A simples ação de atravessar a pé as pistas do perímetro urbano da BR– 316 pode se transformar em risco de morte. A soma de imprudência de pedestres, desrespeito por parte de motoristas e falta de opções viáveis para quem precisa cruzar a rodovia resultou, apenas nos últimos 15 dias, em quatro mortes por atropelamento nos primeiros quilômetros da BR, no trecho entre Belém e Marituba. Segundo a Polícia Rodoviária Federal (PRF), o número assustador de mortes é igual ao total registrado durante todo o ano passado no mesmo perímetro. De acordo com Erlon Andrade, assessor de comunicação da PRF, nos dois primeiros meses do ano, nenhum acidente com vítima fatal foi registrado entre os quilômetros zero e vinte da BR-316. No entanto, de março até os primeiros dias de maio, cinco pessoas já morreram em decorrência de atropelamentos.

Na noite do último dia 29, no quilômetro dois, em frente à Galeria BR, Raimunda Ângela, 49 anos, morreu atropelada ao tentar atravessar a via correndo com o marido. Três dias antes, Astrogilda Almeida, 79 anos, faleceu quase no mesmo lugar, também enquanto tentava atravessar, atingida por um caminhão-baú. O local fica a alguns metros do Pórtico Metrópole, passarela feita justamente para acabar com sinais e faixas de pedestres e diminuir o número de acidentes.

Jean Silva Amorim, 17 anos, estudante, precisa trafegar a pé pela BR e considera que a preguiça é o que mata muitas pessoas que tentam atravessar a rodovia. “É muito perigoso, tem que usar a passarela. É melhor andar do que morrer”, diz o estudante. Mais distante do local das mortes, próximo a uma distribuidora, Clauber Pinheiro, 35 anos, mototaxista, diz que já testemunhou acidentes fatais na BR-316 envolvendo pedestres, mas confessa que ele mesmo já dispensou a passarela para atravessar a pista.

“Tem que saber atravessar. Eu vou estar sendo hipócrita se disser que nunca fiz isso. Colocam um sinal lá longe, a passarela do outro lado, fica mais longe ainda, o cara não vai andar tudo isso só pra chegar do outro lado”, afirma Clauber.


Imprudência é maior causa dos acidentes

Segundo José Antônio Silvério, conselheiro titular do Contran, que também esteve em Belém mês passado, a imprudência é responsável por 90% dos acidentes com vítimas fatais no trânsito. Anualmente, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o governo federal gasta cerca de R$ 33 bilhões com atendimento e pagamento de benefícios a vítimas de acidentes, transformado o trânsito, no Brasil, em assunto de saúde pública.

O conselheiro do Contran afirma que os problemas de Belém são os mesmos enfrentados no restante do Brasil. “Engarrafamento, falta de civilidade no trânsito, imprudência… No Brasil se investe muito pouco em infraestrutura, o ascendente econômico dos últimos anos possibilitou que mais gente comprasse veículos, isso contribuiu muito para aumentar o número de acidentes, principalmente envolvendo motos”, avalia Silvério, que ressalta a importância de campanhas de conscientização para minimizar o problema. “A sociedade precisa se envolver mais. O trânsito não pode ser encarado como algo individual: sou eu e o próximo.”


Faixas cidadãs não são seguras

Criadas como alternativas para evitar que pedestres tenham que andar vários metros até as passarelas, as faixas cidadãs – onde os motoristas devem parar sempre que avistarem pedestres tentando atravessar a via -dispostas em alguns trechos da BR não oferecem a segurança que deveriam. Na noite da última quarta-feira (3), a estudante de administração Shirlena Paz morreu no quilômetro sete da rodovia, em frente à faculdade em que estudava, enquanto tentava utilizar a faixa. Ela foi atropelada por um caminhão em um acidente que feriu mais duas pessoas. Na sexta-feira, as aulas da instituição foram suspensas e foi decretado luto.

“A gente está atravessando na faixa porque é o certo, mas muitos motoristas não respeitam. O certo seria ter um sinal”, afirmou Disalete Souza, 39 anos, enquanto esperava para usar a mesma faixa com tinta apagada que Shirlena utilizou no dia anterior. O movimento de pedestres no local é grande porque fica próximo a uma parada de ônibus. A passarela mais perto fica a aproximadamente 400 metros. Segundo o porteiro da faculdade, os acidentes ocasionados pela faixa, mesmo sem vítimas, acontecem diariamente.

Nos dez minutos em que ficamos no local, presenciamos motoristas ignorando pedestres que pediam passagem, condutores que paravam sem ligar o pisca-alerta do veículo, ônibus que não aguardavam junto com os demais carros e pessoas atravessando correndo, com medo de serem atropeladas.

Rebeca de Souza, 30 anos, auxiliar administrativo, apressou o passo enquanto cruzava a faixa porque um carro já avançava para cima dela. “Isso não é comum numa BR. Deveria ter fiscalização. Eu não me sinto nem um pouco segura.”, diz Rebeca.

Pedro de Souza da Silva, representante do Ministério da Justiça no Contran (Conselho Nacional de Trânsito), participou de uma reunião extraordinária com a CTBel (Companhia de Transportes do Município de Belém) no final do último mês para discutir os problemas de trânsito na cidade. Segundo ele, acidentes no perímetro urbano de rodovias federais são comuns em todo o Brasil. “Há uma série de fatores envolvidos. A velocidade alta das vias, a falta de semáforos e passarelas em algumas rodovias, aliada à imprudência dos pedestres, contribui muito para que ocorram acidentes”, afirma. Para Pedro de Souza, as faixas cidadãs, que existem em alguns trechos do perímetro urbano da BR-316, não são a melhor opção para ajudar os pedestres a chegarem do outro lado. “Essas faixas (cidadãs) são mais recomendadas para pistas com uma só faixa (de carros), até porque é uma pista de alta velocidade, um motorista pode parar, mas outro pode não ver o pedestre. Em uma BR, o ideal é que seja colocada uma faixa acompanhada de um semáforo.”, diz o representante do Ministério da Justiça.

Tentamos entrar em contato com o Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) para saber que mudanças estruturais seriam adotadas para evitar novas vítimas no local do acidente de Shirlena, mas ninguém foi encontrado para se pronunciar sobre o assunto. A Polícia Rodoviária Federal informou que irá reforçar a segurança na área e agentes fiscalizarão os motoristas.