Além de buraqueiras, corte de verbas e descontinuidade de governos, as estradas brasileiras padecem de um outro mal: muitas são minadas por suspeitas de irregularidades antes, durante e após a construção. E as rodovias gaúchas são exemplo disso. O Fiscobras (sistema de fiscalização de obras) do Tribunal de Contas da União (TCU) auditou, no ano passado, 200 grandes empreendimentos de engenharia por suspeita de irregularidades na aplicação de verbas federais. Dessas, 105 (ou 52,50%) são na área de transporte, como estradas, pontes e viadutos.

— As rodovias costumam ser o mais significativo objeto de auditoria por parte do Tribunal — diz o gaúcho Augusto Nardes, presidente do TCU.

Das 200 obras auditadas no ano passado pelo TCU, 22 têm recomendação de paralisação imediata, pela gravidade de irregularidades. Duas delas estão no Rio Grande do Sul e são estradas: a duplicação da BR-116 e a construção da BR-448 (Rodovia do Parque). O caso mais grave é o da Rodovia do Parque, anel viário com 22,3 quilômetros de extensão, que deve ligar municípios da Região Metropolitana, desafogando a supercongestionada BR-116. É um superprojeto, a maior obra pública em andamento no Estado, já com 70% dos trabalhos concluídos. Esperança de alívio aos motoristas da Região Metropolitana, ela causará rombo para os cofres públicos, segundo o TCU.

Fiscalização feita pelo órgão federal indica que a estrada, que está sendo erguida em três lotes entre Porto Alegre e Sapucaia do Sul, tem indícios de sobrepreço de mais de R$ 90 milhões, cerca de 10% do seu custo estimado de R$ 918 milhões. Seria dinheiro suficiente para duplicação de 20 quilômetros.

A gênese das irregularidades estaria em supostas falhas no projeto básico. Cerca de 70% do sobrepreço estaria justificado pelo uso de técnicas defasadas, o que encarece a construção. o jornal Zero Hora comparou os valores considerados adequados pelo TCU e os praticados pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), segundo suas próprias medições, em três itens. Se fossem praticados os preços apontados pelo tribunal, somente com o corte e a dobra de fôrmas de aço, a produção de concreto e a mobilização do canteiro de obras a economia chegaria a R$ 51,6 milhões.

O Dnit e o consórcio que executa a BR-448 se defendem das suspeitas de sobrepreço na ação que tramita no TCU, pedindo a repactuação dos valores do contrato com a União. O tribunal aceitou algumas explicações e reduziu a estimativa de irregularidade, de R$ 115 milhões para R$ 92,2 milhões. Além disso, manteve a classificação dos achados como irregularidade grave com recomendação de paralisação. Uma comissão da Câmara dos Deputados e do Senado optou pela continuidade da obra.

O Dnit argumenta que a avaliação do TCU é feita comparando preços unitários. Já a análise do Dnit e do Congresso é mais ampla, pois destaca o “peso social” do empreendimento, que, no caso da BR-448, implica melhora do fluxo de veículos na Região Metropolitana e redução de custos de transporte.

— O custo de parar a construção ficaria, na pior das hipóteses, em R$ 30 milhões por ano. E se fôssemos interromper e relicitar a obra, o custo ficaria de 3% a 7% do preço atual — argumenta o coordenador-geral de Construção Rodoviária do Dnit, Eloi Palma Filho.

Critério político evita a suspensão de trabalhos

Mas o TCU mantém a posição de que a obra deveria ser parada, até para apurar e interromper gastos questionáveis.

— Mesmo sem parar, cabe ao Dnit corrigir os problemas, conforme as determinações, sendo adequado também seguir as recomendações, e apurar quem é o responsável pelas possíveis irregularidades — justifica o ministro Aroldo Cedraz, relator do Fiscobras.

Oito das 22 obras com recomendação do TCU de paralisação imediata são estradas ou obras relacionadas a elas (como pontes e viadutos) – ou seja, uma em cada três deveria ter a construção imediatamente interrompida, para impedir a continuidade de gastos equivocados, interpreta o tribunal. Não foi isso que aconteceu. O parecer dos auditores passa pelo crivo do Congresso, que decidiu embargar apenas seis obras. A maioria obteve licença de continuidade, até por serem motivo de grande expectativa por parte da população. Um critério político, mas pouco técnico, critica Nardes.

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Conforme o TCU, essas 22 obras que deveriam ser interrompidas para estancar a sangria dos cofres públicos estão orçadas em R$ 10,1 bilhões. Desse total, R$ 2,2 bilhões estariam superfaturados.

— Em 54% dos casos as obras têm sobrepreço, isso é, as empreiteiras cobram do governo um valor maior do que realmente gastaram — afirma Nardes.