O Estradas.com.br inicia uma série de matérias e entrevistas sobre a Década de Ação Pela Segurança no Trânsito de 2011-2020  da ONU. Abrindo esse novo espaço uma entrevista exclusiva com o Dr. Etienne Krug, Diretor da Organização Mundial da Saúde, que coordena esse projeto. Ele fala sobre essa iniciativa mundial que está salvando milhares de vidas.

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De forma objetiva, Etienne Krug fala sobre suas expectativas com a  II Conferência Ministerial Global sobre Segurança Viária, que será realizada em Brasília, em novembro deste ano. Relata os progressos obtidos com a grande mobilização mundial pela redução da violência no trânsito, denominada Década de Ação Pela Segurança no Trânsito 2011 – 2020. Alerta sobre a importância dos países signatários do pacto de definirem uma entidade que responda pela coordenação nacional das ações de prevenção e segurança no trânsito no país. Enfatiza a importância do combate ao uso de drogas por motoristas profissionais e elogia a iniciativa do teste toxicológico que será obrigatório a partir de março no Brasil. Destaca também a contribuição brasileira no campo legislativo de garantir o merecido descanso para os motoristas de transporte de carga e passageiros e considera imprescindível a participação da sociedade organizada nos temas que envolvam a prevenção da violência e da segurança no trânsito, em particular das entidades de vítimas de trânsito.

Entenda melhor: DÉCADA DE AÇÃO PELA SEGURANÇA NO TRÂNSITO 2011 – 2020

– A Comissão Global para a Segurança no Trânsito da ONU lançou em maio de 2009 um plano de ação para a década 2011/2020, recomendando aos países membros medidas imediatas de atenção e prevenção contra a violência no trânsito que se revela como a principal causa de morte prematura e de ferimentos incapacitantes na população de jovens do mundo.

– Em Novembro de 2009 foi realizada em Moscou (Russia) a I Conferência Ministerial Global sobre Segurança Viária, reunindo representantes de cerca de 150 países que apresentaram suas experiências no âmbito da segurança viária para a redução de acidentes. Contando com o apoio do Banco Mundial, da Organização Mundial da Saúde (OMS), das Comissões Regionais das Nações Unidas e da Fundação FIA (Federação Internacional de Automobilismo), o encontro produziu um documento estabelecendo a Década de Ação pela Segurança no Trânsito de 2011 a 2020, com a meta de reduzir e estabilizar os acidentes de trânsito em todo o mundo.

O desafio é grande (reduzir em 50% os índices de mortalidade), mas absolutamente possível, desde que haja comprometimento das autoridades de todas as esferas de poder e efetiva participação da sociedade, não só colaborando com atitudes preventivas, mas, principalmente, no acompanhamento das ações.

Veja a entrevista do Diretor da OMS, Etienne Krug:

Estradas.com.br O Brasil é um dos países signatários da Década e vai sediar a II Conferência Ministerial Global sobre Segurança Viária em novembro deste ano. O que a Organização Mundial da Saúde, que coordena as ações da Década no mundo, espera deste evento?

Dr. Etienne – Estamos muito animados pelo fato do Brasil sediar a Conferência. A primeira foi em 2009 na Rússia, o que gerou a declaração da DÉCADA de Ação Pela Segurança no Transito. Este evento no Brasil provavelmente será maior ainda do que foi na Rússia e será a oportunidade de analisar o quanto progredimos e fazer planos para a segunda metade da DECADA. Muita coisa já aconteceu nesses primeiros anos.  Já temos vários exemplos de países que desenvolveram seus planos de ação; aprimoraram suas leis e a sua aplicação; desenvolveram uma politica de comunicação permanente em redes sociais e outros meios, e investiram pesado no trabalho de melhoria da qualidade da infraestrutura viária. Muito mais ainda tem que ser feito, então esta conferencia será um grande impulso para a DÉCADA.

Estradas.com.brNa maioria dos países há muita dificuldade de ter acesso a dados confiáveis quanto ao número de acidentes, mortos e feridos no trânsito. Até que ponto essa carência de estatísticas pode comprometer as metas da Década?

Dr. Etienne – As estatísticas de acidentes de trânsito são muito importantes. Precisamos saber quantas pessoas estão morrendo, quantas sofrem ferimentos, que tipo de lesão e porque. Isso ajuda a planejar e focar uma estratégia efetiva de prevenção destes acontecimentos. Precisamos de muita iniciativa e trabalho para fortalecer os sistemas de coleta de dados confiáveis no mundo. São poucos os países que tem estatísticas com esse nível de qualidade. Porém, não acho que por não ter um quadro perfeito, deveríamos apenas focar as ações em estatísticas melhores. Com números precisos ou não, sabemos exatamente o que deve ser feito. Precisamos melhorar nossa infraestrutura, aprimorar a qualidade de nossos veículos e mudar o comportamento das pessoas no trânsito para reduzir o excesso de velocidade, combater o consumo de álcool ao volante, aumentar a consciência da importância do uso de capacetes, cintos de segurança, uso adequado do assento infantil…. Mas é verdade que em paralelo precisamos melhorar nossa coleta de dados e estatísticas.

Estradas.com.brApesar de ser uma das cinco recomendações da Organização Mundial da Saúde muitos países não criaram uma agência central para adotar todas as ações de prevenção e segurança.  Até que ponto a ausência de uma coordenação central com poder de decisão pode afetar o desempenho de um país para alcançar a meta de redução em 50% as mortes e lesões no trânsito?

Dr. Etienne – É muito importante que em cada país tenhamos uma indicação bem clara de quem está liderando as iniciativas de prevenção e segurança no trânsito. Acredito que a segurança no trânsito sofreu uma perda em muitos países porque não está claro quem é responsável. É o Ministério de Transportes? São as pessoas que estão cuidando da infraestrutura? É o Ministério da Saúde? O tema é realmente um problema que envolve múltiplos setores. E, portanto, há necessidade de perfeita articulação entre vários Ministérios envolvidos. Assim é indispensável haver uma entidade responsável por coordenar e facilitar as inúmeras iniciativas e prestar contas, se algo acontecer. Isso tem sido um grande problema em vários países. Se ninguém está no comando, ninguém é responsável e no fim, ninguém faz absolutamente nada.

Estradas.com.br Um dos maiores problemas da sociedade atual é o uso de drogas. No caso dos motoristas profissionais, países como o Brasil, onde condutores de ônibus e caminhão são submetidos a longas jornadas, o uso de drogas para se manter acordado se tornou comum. Em operações de fiscalização foi detectado o uso de drogas por até 50% dos motoristas examinados. Recentemente as autoridades brasileiras determinaram que motoristas profissionais sejam obrigados a fazer o chamado exame toxicológico de larga janela de detecção, popularmente conhecido como “teste de cabelo”, para a renovação da carteira de habilitação. O teste permite identificar o uso de drogas até 90 dias antes da coleta. Qual sua opinião sobre essa medida do governo brasileiro e qual o impacto que poderá produzir na redução de acidentes com caminhões e ônibus?

Dr. Etienne – Não sou um expert na situação no Brasil. É verdade que em muitos países o uso de drogas por quem dirije é um problema grave e difícil de controlar, já que existem muitas drogas diferentes que são usadas e a detecção destas nem sempre é fácil e muitas vezes de custos elevados. Na verdade, essa é uma questão que estamos estudando mais profundamente na OMS. No dia 15 de Dezembro de 2014 tivemos uma reunião na Letônia para discutir quais recomendações devíamos ter neste assunto. Então, fico feliz em saber que o Brasil está atento a este problema e quem sabe este esforço brasileiro possa nos ajudar a entender melhor como atacar essa questão globalmente. (Veja o estudo do SOS Estradas sobre As Drogas e os Motoristas Profissionais)

Estradas.com.br Em 2012 entrou em vigor no Brasil a chamada “Lei do Descanso dos Motoristas Profissionais” (Lei 12.619/12) que estabelece limites de jornada e determina paradas obrigatórias. Em menos de um ano, segundo dados da Polícia Rodoviária Federal e outras fontes, mais de 1.500 vidas foram salvas pela redução de acidentes com veículos pesados. A falta de controle de jornada dos motoristas profissionais ocorre em muitos países. Qual a importância de legislações que limitem a jornada dos motoristas profissionais para a redução de acidentes?

Dr. Etienne – Essa é outra questão importante que não é enfrentada como se deveria em muitos países. Muitas transportadoras  e também companhias de ônibus com frequência pensam que vão aumentar seus lucros e renda ao levar seus motoristas ao limite do esgotamento físico. Por isso, é importante que a lei proteja os motoristas profissionais assim como o público em geral que circula nas estradas, limitando o número de horas e estabelecendo um tempo de descanso em locais adequados. É um bom desenvolvimento que estamos vendo em alguns países e que devia estar acontecendo em todos os demais porque acidentes com caminhões e ônibus são de grande escala de gravidade.

Estradas.com.br  De que maneira as organizações não governamentais podem colaborar com a Década?

Dr- Etienne – Organizações não governamentais são muito importantes na segurança no trânsito porque podem falar com mais legitimidade do que qualquer outra sobre os impactos dramáticos dos acidentes numa família, na comunidade, e na sociedade. Então, acredito que são importantes participantes neste cenário e que podem falar com mais liberdade que as organizações governamentais ou intergovernamentais sobre estes problemas e exigir que ações sejam tomadas. Nós vemos em outras áreas, como HIV e cigarro, por exemplo, a importância e a força das ONGs. E elas contam com o apoio da Organização Mundial da Saúde para ajudar a construir sua capacidade e comunicação.

Estradas.com.brQuantas vidas a Década já pode ter salvo no mundo?

Dr- Etienne – É muito difícil saber pois, como disse anteriormente, as estatísticas não são muito confiáveis. Então, é difícil ter noção de tudo o que está acontecendo no mundo no contexto da DÉCADA, porque são muitos e diferentes os paises envolvidos. O que sei é que a DÉCADA tem contribuído e intensificado um movimento global  com o passar dos anos.  Neste contexto da DÉCADA, leis foram fortalecidas e aprimoradas em vários países, iniciativas globais foram feitas, o que é um início fantástico. Por exemplo, a ONU criou a Semana Global de Segurança Viária, a próxima começa em Maio, será realizada em mais de 100 países e terá como foco a segurança no trânsito para as crianças. São muitas ações que tem sido realizadas no mundo inteiro, e muitas vidas estão sendo salvas.

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