Falta de investimentos, má gestão, fiscalização deficiente e corrupção contribuem para agravar o quadro

No fim de maio, a greve dos caminhoneiros, que por mais de dez dias paralisou o Brasil, expôs a dependência do país ao transporte rodoviário. Afinal, pelas estradas federais, estaduais e municipais, passam 66% de todas as cargas. Mas essa hegemonia não se traduz numa atenção maior à malha. Ao contrário. Como mostrou o primeiro episódio da série “Descaminhos do Brasil”, exibido pelo Fantástico, da Rede Globo, no último domingo, as rodovias vão de mal a pior. Pesquisa da Confederação Nacional do Trasporte (CNT) revela que o número de pontos críticos (buracos, erosão na pista etc.) aumentou 25% este ano em relação a 2017.

O abandono é tamanho que, num dos casos abordados na reportagem, cidadãos são obrigados a pagar pedágio numa estrada de terra. Na precária rodovia que liga os estados de Tocantins e Maranhão, uma corrente atravessada na pista impede que motoristas prossigam a viagem sem passar antes por uma cabine improvisada, onde é feita a cobrança. Um caminhoneiro pagou R$ 30 na ida e R$ 90 na volta. Os funcionários alegaram que não se tratava de pedágio, mas de uma taxa para “manutenção” da estrada. A prefeitura do município de Carolina (MA) informou que ninguém tem autorização para cobrar pedágio no local. Mas o fato é que a “praça” estava lá.

O descalabro não atinge apenas as rodovias administrada s pelo poder público, mas também aquelas sob gestão de concessionárias privadas. Na MT-130, em Mato Grosso, por exemplo, motoristas pagam R$ 9 em duas praças de pedágio para percorrer os 112 quilômetros de uma via malconservada e perigosa. A estrada é mantida pela concessionária Morro da Mesa, acusada pelo ex-governador Sinval Barbosa (MDB), que fez delação premiada, de ter pago R$ 7 milhões em propina para ganhar a concessão. Para o MP, não poderia haver cobrança de pedágio.

Num outro caso mostrado na reportagem, um motorista que sofreu um acidente na BR-277, altura do município de Cantagalo, no Paraná, esperou 22 minutos pela chegada do socorro da concessionária que administra a via. Foi levado para Guarapuava, a 90 quilômetros de distância, e só chegou ao hospital cerca de duas horas e meia após a colisão. O paciente acabou morrendo. Os ferimentos eram graves, mas um atendimento mais ágil talvez aumentasse as chances de sobreviver.

A situação das estradas é um roteiro que reúne falta de investimentos, inépcia, fiscalização falha e corrupção. Restando quatro meses para terminar os mandatos, não parece provável que os atuais governos possam mudar esse quadro, mesmo porque não o fizeram até agora. Mas os futuros presidente e governadores precisam reverter esse prejuízo. Se o poder público não tem condição de manter suas rodovias, deve concedê-las à iniciativa privada. Mas não pode abrir mão da fiscalização das estradas pedagiadas. Porque contratos existem para serem cumpridos.

Fonte: www.oglobo.globo.com