Nomeado vice-chefe do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) após a faxina promovida pela presidente Dilma Rousseff, o auditor da Controladoria-Geral da União (CGU) Tarcísio Gomes de Freitas se diz à frente de uma autarquia falida, sem condições de executar suas principais funções. Espécie de interventor do órgão, no cargo há pouco mais de cinco meses, ele desabafa: O Dnit não tem condições de tocar o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). O que fazem com ele é uma covardia .

Como diretor executivo do Dnit, o auditor concluiu em dezembro estudo que evidencia a impossibilidade de atingir as pretensões de eficiência do programa na área de Transportes. Fora a cultura de corrupção, que remonta ao extinto Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER), as deficiências estruturais empacam obras e favorecem desvios. Falta quem fiscalize a execução de contratos ou pague, com a devida celeridade, pelas medições de serviços prestados por empreiteiras.

O Dnit tem hoje 2.695 servidores de carreira – menos funcionários, segundo o diretor, que o Departamento de Estradas de Rodagem de São Paulo (DER-SP), com 3,8 mil. Mais da metade do pessoal passou dos 51 anos de idade e um terço já tem ou terá, até 2016, condições de se aposentar (veja o infográfico abaixo).

Para levar adiante 1.196 contratos, o grosso integrante do PAC, seriam necessários 6.861 funcionários. Mas projeção indicada no estudo mostra que, sem concurso público, 43% do pessoal vai debandar até 2015, restando 1,5 mil em atividade num contexto em que, ano a ano, o orçamento cresce. O Ministério do Planejamento não tem previsão de abertura de vagas.

Levadas em conta somente as aposentadorias, alguns setores, como o Instituto de Pesquisas Rodoviárias (IPR), que aprimora as técnicas e procedimentos do órgão, perderão 71% da força de trabalho até 2015.

Perfil. O problema não é só a quantidade, mas o perfil do pessoal. Mais da metade é de nível intermediário e atua em funções administrativas e de apoio. Em todo o País, o Dnit tem 126 porteiros no Brasil e só 9 contadores. Em Brasília, trabalham três contadores, com 597 processos de prestação de contas atrasados.

Nos tempos em que a máquina de escrever virou peça de museu, há 131 datilógrafos no quadro do departamento, ante 10 técnicos de estrada e 8 tecnologistas, encarregados de avaliar a qualidade do material e dos serviços empregados em obras.

Este desbalanceamento dificulta o cumprimento das tarefas, prejudica o desempenho global e escraviza a autarquia, que fica dependente de terceirizações para o desempenho de suas atividades , constata o estudo, que aponta deficiências também em área crucial para o controle da corrupção.

País afora, o Dnit tem 94 motoristas e somente 7 pessoas para patrulhar a execução de um orçamento mastodôntico. Como é que eu vou ter um bom ambiente de controle num órgão que gere R$ 15 bilhões e tem uma auditoria interna com 7 auditores? , questiona o diretor executivo.

Na Corregedoria, responsável pela apuração de malfeitos dos servidores, há seis pessoas para conduzir, em média, 55 processos anuais.

O impacto dessa desordem administrativa no andamento das obras é direto. Nas palavras do estudo, o Dnit leva incríveis 300 dias para pagar a uma empreiteira pela medição de um serviço. Contribui para isso, acrescenta o diagnóstico, a falta de sistemas de informação confiáveis e integrados para o acompanhamento físico-financeiro das obras. Cada documento passa por inúmeras mesas sem um controle efetivo de prazos e ou de consistência das informações prestadas , diz o trabalho.

Relevo. Órgão com expertise em estradas, o Dnit não tem em seus quadros, segundo o estudo, topógrafos para avaliar, por exemplo, as condições do relevo nas obras rodoviárias e laboratoristas para checar a qualidade do asfalto. Nem mesmo no IPR.

São cerca de 800 engenheiros, mas, nas contas do diretor executivo, seriam necessários 3 mil. Não por acaso, nas unidades locais do Dnit, esses profissionais, não raro com mais de 30 anos de casa, atuam sozinhos, equilibrando-se entre serviços técnicos e administrativos.

Sem condições de fiscalizar as obras, resta a eles apenas ratificar os pareceres de empresas de supervisão, contratadas para acompanhar o serviço de empreiteiras e que, em muitas situações, atuam em conluio com elas para fraudar os contratos.

A gente tem situações de um camarada completamente atirado aos leões, porque não tem um mínimo de estrutura para acompanhar aqueles contratos. Além disso, não tem o suporte de laboratório. Fica à mercê, a reboque das empresas de supervisão. De certa forma, fica escravo dessas empresas , queixa-se Freitas.

Em vários Estados, obras importantes do PAC, prometidas por Dilma, permanecem no papel ou atrasadas. É o caso da duplicação da BR-381, entre Belo Horizonte e Governador Valadares, e da reforma do Anel Rodoviário da capital mineira.

Há anos, os dois empreendimentos não saem da fase de projeto . No Maranhão, conforme o Estado mostrou na terça-feira, a licitação para duplicar a BR-135 teve de ser cancelada por deficiências nos projetos. Em Pernambuco, as intervenções na BR-101 acumulam atrasos e suspeitas de corrupção investigadas na Operação Casa 101, da Polícia Federal.