Não bastasse o caos no trânsito das grandes cidades, a falta de vagas em estacionamentos públicos, ruas estreitas e mal conservadas, além de sinalização precária, a população ainda pode ser surpreendida com uma novidade que atingirá diretamente o bolso do contribuinte: a instalação de pedágios urbanos.

No último dia 3 de janeiro, a presidente Dilma Rousseff sancionou a Lei de Diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana, que entra em vigor em abril, cem dias após a publicação. Fundamentada no artigo 21 da Constituição Federal, que atribui à União a responsabilidade de instruir as diretrizes da política de desenvolvimento e de transportes urbanos, a lei garante aos prefeitos, entre outras coisas, o direito de instalar este recurso onde bem entenderem nas cidades – e sem que haja uma consulta prévia.

A nova política prevê que União, estados e municípios poderão restringir e controlar o acesso e a circulação, mesmo temporária, de veículos motorizados em locais e horários predeterminados. As prefeituras também poderão cobrar tributos para a utilização da infraestrutura urbana – desde que os recursos obtidos sejam aplicados na melhoria da estrutura viária, na qualificação do transporte públicoou no financiamento de subsídio de tarifas nos meios de transporte nas cidades.

A lei implica em que municípios com mais de 20 mil habitantes elaborem, num prazo máximo de três anos, um plano diretor sob pena de não conseguirem outros recursos orçamentários da União. O Ministério das Cidades dará o suporte necessário neste período para ajudar as cidades a desenvolver um esquema a tempo de as intervenções acontecerem de acordo com as necessidades de cada uma.

– A característica dos pedágios hoje no nosso país é de uso de infraestrutura, já que toda a responsabilidade é transferida para as concessionárias e o pedágio, em si, acaba servindo para restringir o acesso urbano, o que pode soar antipático – diz o pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Vicente Correia.

Correia alerta que é preciso ter cuidado para que a criação de pedágios não se transforme em fins simples de arrecadação. Ele lembra da obrigatoriedade de que todo recurso arrecadado deve ser reaplicado na melhoria do sistema de mobilidade urbana das cidades e em benefício da população.

– O prefeito pode, se quiser, criar um pedágio onde achar que deve e a lei não fala nada sobre a necessidade de passar pelo crivo da população. Na verdade, a lei abre esta prerrogativa – prevê o pesquisador.

O engenheiro de Transportes e professor da UFRJ Fernando MacDowell disse achar válida a criação de pedágios urbanos.

– Desde que sejam sempre estudados e os recursos aplicados na área de transporte público – ressalta.

Ainda de acordo com MacDowell, é preciso regulamentar em que condições estes pedágios poderão ser criados, para não haver desvirtuação do objetivo.

– A regulamentação desta lei vai ser fundamental. Pode pedágios urbanos, mas quais são as regras? (A cidade) tem que apresentar projeto, saber sobre a necessidade do pedágio, quais serão as aplicações do dinheiro – afirma o engenheiro, ressaltando que a falta de regulamentação pode fazer com que a medida vire uma nova CPMF, cujos recursos deveriam ser aplicados na Saúde, mas acabaram sendo aplicados em outras áreas.

Para o presidente da Confederação Nacional dos Municípios, PauloZiulkoski, o governo é incoerente porque, ao mesmo tempo em que estimula a compra de automóveis com a redução de IPI (Imposto Sobre Produtos Industrializados), sanciona uma lei para estimular o transporte público em detrimento dos veículos particulares.

– O mais grave é a omissão da União, com incentivo à aquisição de veículos particulares. E depois, eles vêm com uma outra opção para que se reprima (o aumento do fluxo de carros) – disse Ziulkoski.

– Precisamos de investimento maciço e incentivo forte em transporte urbano, que não é a prefeitura quem vai fazer – completou.

À população resta a dor de cabeça de cobrar na Justiça ou no Ministério Público a implementação de um conselho de transporte e mobilidade que analise a necessidade ou não da criação de pedágios, o que acarretaria numa nova política de mobilidade. Tais conselhos já existem em 328 dos 5.565 municípios brasileiros.

– A implantação da lei vai ser complexa, mas cria a política de mobilidade urbana, o que por si só já é um grande avanço. Seu efeito, porém, só vai ser sentido daqui a dez anos, quando estiver sendo implementada a revisão – afirma Correia.