Em mais uma tentativa desastrada de conter o movimento dos caminhoneiros, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, disse nesta quinta-feira (26) que a partir de agora,  os caminhoneiros que continuarem obstruindo as estradas serão multados com valores entre R$ 5 mil e R$ 10 mil por hora. Segundo Cardozo, os líderes do movimento dos caminhoneiros que vieram conversar com o governo aceitaram as propostas do Executivo. Apenas não informa quem são os líderes.

Os próprios supostos líderes com quem o Governo diz ter feito acordo assumem publicamente que o movimento é espontâneo e que não tem como garantir que parem. São líderes que assumem que não lideram.

Os caminhões parados na pista serão identificados pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) e, com base nos dados obtidos pelos policiais, as multas serão emitidas. “A decisão do valor da multa não é do governo, é da Justiça, e a punição não está sendo imposta por mim, e sim por magistrados. Eu tenho o dever de fazer cumprir a lei”, disse o ministro. Entretanto, foi o Governo que pediu a liberação das estradas para a Justiça.

Até a madrugada desta sexta-feira tinham mais de 100 pontos de obstrução em rodovias de sete estados, a maioria deles no Sul do país. Numa demonstração de que só com a força o Governo conseguirá liberar as estradas.

Cardozo explicou que houve dificuldade para identificar os líderes do movimento. Aqueles que se apresentaram como líderes, de acordo com ele, saíram satisfeitos das negociações. “Não é simples identificar lideranças. Conversamos com todos os que se dispuseram a dialogar. Representantes de trabalhadores e de empresas compareceram”, acrescentou.

Os principais interlocutors do Governo foram identificados pelos Estradas.com.br e são personagens conhecidos na política do setor.

São eles: 1)Carlos Roesel, Presidente do Sindicato dos Cegonheiros de Minas Gerais, considerado habilidoso e discreto. Ligado ao ex- Senador e ex- Presidente da Confederação Nacional dos Transportes, Clésio Andrade.  A paralisação em Minas Gerais tinha faixas pedindo a sanção da nova lei do motorista , sem veto, o que é um indício de manipulação política do movimento. Roesel foi um dos principais articuladores na Comissão Especial da Câmara, empenhado na revogação da Lei do Descanso. Para isso trabalhava em sintonia com os deputados da batizada “Bancada da Morte”, que representam os interesses dos grandes embarcadores. Na região de Minas, tão logo o Governo demonstrou que cederia e assumiu a sanção sem veto da nova lei do Motorista, as paralisações sumiram das estradas.

2) Neori Tigrão, empresário dono de postos de combustível no Paraná, radialista, político, nunca foi caminhoneiro. Entretanto preside várias entidades, dentre elas o Movimento União Brasil Caminhoneiro do Paraná. É ligado a Nélio Botelho, que aparecia como líder da paralisão de 2013. É considerado um lobista sempre presente em Brasília mas não é visto como liderança forte no setor. Além disso, teve atuação suspeita na última paralisação em 2013, junto com o polêmico Nélio Botelho.

3) Diumar Bueno, transportador, conseguiu criar a Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos. Considerado muito habilidoso, já teve mais representatividade. Apareceu mais na mídia como piloto de Fórmula Truck e embora ainda seja forte no Paraná, controlando bem as entidades, vem perdendo credibilidade entre os autônomos. A continuação de dezenas de pontos de bloqueio dos caminhoneiros nas rodovias do Paraná mostram que ou Diumar perdeu o controle da pista ou estaria mantendo o movimento para forçar outros benefícios. Mas tudo indica que, como outras entidades e lideranças, vem sofrendo de descrédito.

No www.facebook.com/Estradascombr colocamos um post com a foto dos três líderes e perguntamos quem reconhecia nesses homens liderança para assinar acordo com o Governo. De mais de 10 mil caminhoneiros que viram a notícia ninguém disse conhecê-los ou reconhecê-los como líder. Curiosamente, mais de 100 pessoas fizeram questão de dizer que não reconheciam e apresentar suas justificativas, na maioria nada elogiosas: https://www.facebook.com/Estradascombr/posts/860340994021419

Para complicar, apareceu um novo suposto líder que diz controlar mais de 120 pontos de bloqueio através do Comando Nacional do Transporte, cujo o número de seguidores no Facebook eram menos de 800 na quarta-feira a noite mas pulou para quase 10 mil na noite desta quinta-feira. Ivar Schimidt, originalmente de Santa Catarina agora é dono de uma pequena transportadora no Rio Grande do Norte, disse que não aceitava o acordo do Governo e ganhou notoriedade porque foi retirado de uma reunião e depois da veiculação do acordo disse que não concordava e mandou parar tudo.

Curiosamente, no Rio Grande do Norte, Ivar não parece ter conseguido  mobilização. Além disso, chegou no Congresso de braços dados com Jerônimo Goergen, autor do texto base da nova lei, divulga elogios ao Deputado Valdir Colatto, de Santa Catarina, relator da nova lei e agora aparece com intimidade com o Deputado Covatti, filho do ex-deputado Valdir Covatti que fez parte da tropa de choque montada na comissão especial para derrubar a Lei do Descanso. Schimidt não apresenta na sua pauta nada de significativo para os motoristas empregados e parece que originalmente era uma liderança inexpressiva alçada a celebridade temporária pela incapacidade do Governo de lidar com a situação.

Já os motoristas empregados não tem sido representados nas reuniões ou seus líderes não tem nenhum tipo de repercussão. Em nenhum momento o Governo recebeu como pauta aumento de salários dos motoristas, das diárias, melhores condições de trabalho e redução de jornada. Pelo contrário, a lei que o Governo promete sancionar sem veto vai aumentar a jornada e abrir um perigoso precedente pois aumenta de 2h para 4h as horas extras, contrariando a CLT.

Os sindicatos dos empregados estão completamente desmoralizados depois que aceitaram sem grande resistência a revogação da Lei do Descanso, a Lei 12.619/12, em troca de uma nova legislação que retira direitos, aumenta a jornAda, diminui o tempo de descanso e ainda aumenta o tempo de direção contínua. A frente da CNTTT – CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES EM TRANSPORTES TERRESTRES está um octagenário presidente que parece ter um cargo vitalício. As demais entidades não conseguem mobilizar os trabalhadores, nem mesmo nesse momento em que já estão muitos parados na pista.

A revogação da Lei 12.619/12 sempre foi pauta dos representates do agronegócio, inclusive da Confederação Nacional da Agricultura, cuja presidente é agora ministra da Agricultura do Governo Dilma. Para justificar a mudança da lei que tramitou 16 anos no Congresso, os embarcadores usaram deputados conhecidos por sua flexibilidade e simpatia as causas do grupos poderosos. Como cortina de fumaça para os interesses dos embarcadores foram utilizados os caminhoneiros e algumas lideranças facilmente manipuláveis. O discurso fácil criou na opinião pública e algumas cabeças do Governo a ilusão de que seria de grande interesse dos caminhoneiros. A resistência dos caminhoneiros na estrada indica que não era bem assim. Afinal, os autônomos , na maioria dos casos, não vinham respeitando a Lei do Descanso e não estavam sendo fiscalizados. Para eles a nova lei traz poucos benefícios, querem reduzir valor do diesel e do pedágio.

A Lei dos Caminhoneiros aguarda sanção da presidenta Dilma Rousseff. O texto, aprovado há duas semanas pelo Congresso Nacional, altera a regulamentação da profissão. “Um dos temas importantes que está na lei”, de acordo com o secretário-geral da Presidência da República, Miguel Rossetto, “é que os caminhões que trafegam vazios estarão suspensos do pagamento de pedágio por eixo suspenso”. É uma das poucas pautas vistas com simpatia mas que poderá cair na prática pois afeta os contratos das concessionárias que vão recorrer a justiça. Além disso, os caminhões serão parados nas estradas para verificar se estão vazios, causando tumulto e atrasando as viagens.

Sem contar que a nova lei não será aplicada no controle das jornadas e tempo de direção porque somente poderá ser fiscalizada onde houver paradas homologadas e o Governo não tem a menor ideia de como fazê-lo, nem muito interesse. Além disso, proprietários de postos de rodovia não demonstram ter interesse em ser homologados e criar uma obrigação de atender caminhoneiros, com carretas com 30 metros, 40 toneladas, que não geram receita.

Do ponto de vista jurídico o Ministério Público do Trabalho, sindicatos, e até deputados da base do Governo, ameaçam entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, por uma série de tropeços jurídicos do novo texto, inclusive legislar por exceção ao admitir a punição em apenas alguns trechos de rodovias.

Os motoristas empregados, que foram beneficiados com a Lei do Descanso, já demonstram sinais evidentes de que não vão aceitar perder direitos impunemente. Não querem trabalhar mais e praticamente ganhar a mesma coisa. Isso deverá criar outras paralisações caso surjam lideranças fora dos sindicatos, já que estes não tem mais força e parecem estar acomodados nos benefícios decorrentes da vida sindical.

Da parte do Governo, Tanto Rossetto quanto Cardozo enfatizaram, porém, que as propostas só serão mantidas e postas em prática após a suspensão do bloqueio nas estradas. O certo é que o Governo Federal criou um desgaste político enorme com essa paralisação por todo país, devido a capilaridade do transporte rodoviário. Na região Sul o estrago é incomensurável. E para impor sua autoridade será obrigado a usar a força sobre profissionais que estão desesperados, dispostos a tudo, num terreno que eles dominam que são as rodovias e o interior.

Como cereja do bolo funerário dessa desastrada política do Governo com relação ao transporte rodoviário, a tendência , com a revogação da Lei do Descanso, é o aumento das mortes nas estradas. Como pelos menos duas mil vidas tem sido poupadas por ano graças a ela, a expectativa é de que pelos duas mil mortes a mais ocorram por ano em decorrência da sua revogação e sanção da nova lei.

Como o Brasil sedia em novembro, em Brasília, uma conferência da ONU cujo foco é reduzir em 50% as mortes no trânsito, o Governo Dilma poderá ganhar um atestado de óbito na sua política de redução de acidentes, apesar do bom trabalho realizado pela Polícia Rodoviária Federal no Carnaval.