Com cilindradas, cores e modelos diferentes, as ruas normalmente calmas da pequena cidade de Santana do Matos – a 125 km de Natal – são invadidas por centenas de motos que cruzam as vias principais. São homens, mulheres, casais, crianças, famílias inteiras se equilibrando perigosamente sobre duas rodas. Com um detalhe: ninguém (e isso quer dizer ninguém mesmo) usa capacetes, como determina o Código Brasileiro de Trânsito e aquele outro código do bom senso e da prudência.

Santana do Matos não é a única cidade a exibir um total descaso com as leis de trânsito, quanto ao uso de equipamentos de segurança para quem pilota ou se utiliza do veículo de duas rodas. Junto com essa, inúmeras cidades do interior ignoram a lei que obriga o uso de capacete. Lá, a população, literalmente, consagrou a motocicleta como o sucessor dos cavalos e da bicicleta. E esses condutores ficam se locomovendo de uma cidade pra outra no interior do Estado sem qualquer equipamento de segurança e com excesso de passageiros, colocando a própria vida em risco.

Resultado: só em estradas fiscalizadas pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), passageiros e condutores de motos representam 47% dos mortos em acidentes de trânsito e o número de pacientes atendidos no Hospital Walfredo Gurgel envolvendo motocicletas aumentou 61,51% nos últimos três anos.

Terceiro maior município potiguar em extensão territorial, com 1.480 km quadrados, Santana do Matos é o espelho de praticamente todos os municípios do Rio Grande do Norte. Lá, a quantidade de motocicletas começou a crescer nos últimos anos, embalado – principalmente – pelo aumento do poder de compra da população de baixa renda e da oferta de modelos de veículos a preços mais acessíveis. Assentamentos da região, onde seus moradores se deslocavam à cavalo ou em bicicletas, estão hoje repletos de motos.

Na cidade, não usar capacete já é cultural. O próprio prefeito Francisco de Assis Silva, reconduzido para o segundo mandato nas últimas eleições municipais e que já perdeu um filho em acidente de moto, admite: “Se eu obrigasse as pessoas aqui a usarem capacete, dificilmente teria me reelegido”.

Nem mesmo para os policiais que trabalham na cidade o não uso de capacetes ou excesso de passageiros sobre as motos é problema. O próprio soldado Fagundes, do único posto da Polícia Militar localizado no centro da cidade, vê um lado bom no descarte dos capacetes. “Se as pessoas usarem (capacetes), ninguém iria mais reconhecer ninguém”, argumenta.

Excesso

Em alguns minutos em que ficou na calçada da rua principal de Santana do Matos, a equipe de reportagem da TRIBUNA DO NORTE flagrou dezenas de motos carregando três pessoas ou mais na garupa de motocicletas.

No sábado, dia da feira livre do município, o movimento da cidade cresce muito com a presença das famílias dos sítios e assentamentos da região que se deslocam – é claro – em cima de motos, sem uso de capacetes e com excesso de passageiros.

O prefeito Francisco de Assis Silva explica que tem tentado conscientizar a população para a importância do uso de equipamentos de segurança, inutilmente. “A gente tenta abrir os olhos das pessoas, mas não está dando certo”, resigna-se.

Até nas lojas que vendem peças e acessórios para motos, capacete é item que não existe. Gustavo Macedo é dono de uma das mais movimentadas lojas da cidade e diz que vendeu um único capacete no ano passado. Aberta como loja de peças para automóveis, Gustavo percebeu que o negócio não teria nenhum futuro se não revendesse também peças e pneus para motocicletas.

MP reconhece problema e pede fiscalização

Não é privilégio do município de Santana do Matos o desrespeito a legislação de trânsito. “É comum em várias cidades, como São Tomé, Barcelona, Ruy Barbosa e Lagoa de Velhos adolescentes menores de 18 anos e, conseqüentemente, sem habilitação pilotarem motocicletas”, afirma o promotor de Justiça Tiago Neves Câmara.

Ele esclarece que a legislação determina que se algum adolescente for surpreendido dirigindo veículo automotor (motos e carros) será apreendido e levado à delegacia, onde ficará aguardando os pais ou responsáveis legais, os quais deverão assinar Termo de Compromisso de se apresentarem à Promotoria de Justiça para verificar-se a liberação do adolescente, após a lavratura do Boletim Circunstanciado de Ocorrências.

Nesses casos, deverá ocorrer a apreensão do veículo até a apresentação do proprietário portando documentos que comprovem essa condição, devendo ser lavrado o Termo Circunstanciado de Ocorrência com relação ao maior de idade que entregou a moto ou veículo ao adolescente, pela prática do delito do art. 310 do Código de Trânsito. Preocupado com o risco que essa prática traz para a vida dos adolescentes e dos pedestres, o promotor de Justiça expediu a Recomendação nº 001/2011.

No documento, Tiago Neves recomenda aos pais e responsáveis que não permitam que seus filhos menores de dezoito anos dirijam carros e motos em via pública. Às autoridades policiais, a recomendação foi a seguinte: a Polícia Militar deve realizar “blitz”, pelo menos duas vezes a cada mês, para coibir as infrações de trânsito, em especial, as cometidas por criança e adolescentes; a Polícia Civil deve apurar a responsabilidade dos pais ou responsáveis e do proprietário ou possuidor do veículo, relativamente ao delito do artigo 310, da Lei nº 9.503/97, com todas as medidas aplicáveis à espécie.

O Promotor de Justiça recomenda, ainda, à sociedade em geral que auxiliem a fiscalização comunicando aos órgãos públicos competentes (Polícia, Conselho Tutelar, Ministério Público ou o Poder Judiciário) a ocorrência de crianças e adolescente conduzindo veículo automotor na cidade.

Índice de mortes aumenta em 50%

Marco Carvalho – Repórter

Entre 2008 e 2010, aumentou em quase 50% o percentual de mortes envolvendo condutores e passageiros de motocicletas nas estradas federais do Rio Grande do Norte. Há três anos, 31,4% das mortes eram dos condutores ou passageiros do veículo de duas rodas. No ano passado, o percentual atingiu os 47% já citados. O dado é ainda mais preocupante quando levamos em consideração que as motocicletas representam apenas apenas 34% da frota de veículos do Estado.