O som de pneus velozes cortando o asfalto nas pistas duplicadas da MG-424 causa arrepios no empresário Carlos Eduardo Costa, 34 anos. Foi nesta rodovia que a enteada, que ele chamava de filha, Bruna Danielle Correa Santos, de 18, morreu entre São José da Lapa e a casa dele, no Bairro Lagoa dos Mares, em Confins, quase na beira da estrada. “Minha mulher não quer mais saber da casa, do quarto dela. São as lembranças dessa estrada perigosa. Aqui ocorrem muitos abusos. Principalmente de jovens. E inocentes estão pagando com a vida”, lamenta. Bruna era uma das vítimas da van conduzida por um menor e que bateu numa árvore deixando dois mortos e sete feridos, na madrugado do dia 9. Sete dias antes, um ciclista e um casal morreram em dois desastres quase no mesmo ponto da estrada.

Os casos

Imprudência de volta ao Anel Rodoviário de BHda MG-424 não são isolados, mas fatos que comprovam a tendência de aumento dos acidentes na malha estadual e BRs delegadas. Só neste ano, até agosto, ocorreram 734 acidentes, nos quais 886 pessoas morreram, de acordo com dados da Polícia Militar Rodoviária de Minas Gerais (PMRv). Os dados se referem apenas aos oito primeiros meses de 2011, mas já superam em 44% o número de acidentes de todo o ano passado, com 508 batidas e atropelamentos. O índice de óbitos teve acréscimo de 55% em relação a 2010, quando foram computadas 572 mortes. O levantamento deixa as estradas estaduais e delegadas a 102 acidentes de igualar o recorde de 2009, quando houve 836 registros com vítimas, e a 159 óbitos de 2007, ano com a maior quantidade de mortos, 1.045.

A imprudência e a desatenção são apontadas pela PM como as principais causas para as ocorrências terem disparado, bem após uma redução drástica, em 2010. De acordo com análise da corporação, 95% dos acidentes são provocados por falhas humanas. “Houve aumento da frota em 119% em 10 anos. Há, com isso, aumento de habilitados. Há veículos trafegando sem condições e o aumento dos empregos e o aquecimento da economia ampliaram o volume de viagens.” Ainda de acordo com a PM, as estradas onde ocorrem mais acidentes são as partes delegadas das BRs 040, 381 e 262, que formam o Anel Rodoviário de Belo Horizonte, o trecho delegado da BR-116 e as MGs 010 e 424.

A PMRv informa que o número de autuações para inibir os abusos também tem sido grande, aumentando na mesmo proporção dos acidentes. Pelos dados apresentados pelos militares, as multas aplicadas até agosto equivalem a 64% das anotadas em 2009, ano recordista em flagrantes de alta velocidade, conversões perigosas, ultrapassagens proibidas e outros registros.

Imprudência

Exemplos de imprudência são evidentes ao longo da MG-424, usada para o tráfego metropolitano, mas também um caminho para o circuito das grutas da área cárstica de Lagoas Santa e para veículos de carga de mineradoras e cimenteiras. A pista entre Vespasiano e Sete Lagoas é duplicada e comporta tráfego pesado e rápido. Ao mesmo tempo surgiram vários bairros no seu entorno. Os moradores desses bairros fizeram das paradas de ônibus e canteiros da rodovia pontos improvisados de travessia. “Meu colega de trabalho estava indo buscar um dinheiro de um bico que fazia. Quando atravessou, a bicicleta em que estava foi atropelada e ele voou sobre o teto do veículo”, lembra José Carlos da Silva, 40 anos, que trabalhava com o caseiro Aécio Rodrigues Lima, de 41, que morreu dia 2.

Nem todos que precisam atravessar a MG-424 fazem como a estudante Ariane Matoso da Silva, de 17, que espera todos os carros passarem para cruzar o asfalto. “A gente tinha de ter uma passarela aqui. Tem gente que se arrisca e sai correndo no meio dos carros. Só que eles correm muito”, afirma. Enquanto a jovem contava sobre o que viu, uma caminhonete e uma Classic que trafegavam no sentido Belo Horizonte deram seta e reduziram enquanto encostavam na parte esquerda da pista. Uma manobra perigosa, principalmente por ser aquele trecho o destinado ao tráfego rápido. A manobra é feita corriqueiramente para que os veículos cruzem o enlameado canteiro central, passando sobre a canaleta que divide os dois sentidos da via. Se fossem usar o retorno mais próximo, precisariam rodar mais sete quilômetros.

Palavra de especialista – Nilson Tadeu Nunes, Chefe do Departamento de Transportes e Geotecnia da UFMG
No fim do ano será pior

Esse aumento de acidentes é muito preocupante. E o pior é que foi detectado a quatro meses do fim do ano, sendo que a época das chuvas ainda nem chegou, e é quando os acidentes mais graves costumam ocorrer. As vias do estado foram recentemente asfaltadas e isso explica, em parte, o problema da alta velocidade, mas não podemos deixar de levar em consideração que o uso dessas vias aumentou muito. Por isso, as estradas começam a experimentar um processo parecido com o que ocorreu no Anel Rodoviário: o aumento da população e dos pontos de ônibus, travessias e o encontro do tráfego de passagem, que é rápido, com a circulação local, que é lenta. O problema da MG-424 é também de recapeamento. Há recalques na pista e isso pode piorar com as chuvas e o trânsito intenso de caminhões.

Dor que não se esquece

Jessica e Eduarda têm dificuldades de falar do acidente em que a amiga Bruna morreu

As marcas do acidente com a van na MG-424 estão nas contusões e na fala ainda difícil de duas das vítimas. As irmãs Jessica Poliana Matoso dos Santos, de 19 anos, e Eduarda Aparecida Matoso Carvalho, de 13. Além das dores que lhes trazem dificuldades para tarefas simples como tomar banho, as duas carregam a amargura de terem perdido a vizinha Bruna Danielle Correa Santos, de 18. “O motorista estava fazendo zigue-zague na pista. Falando bobagens e rindo enquanto fazia loucuras na direção, para aparecer para a namorada dele. Parecia completamente bêbado”, recorda Jessica.

O desespero no momento do acidente foi muito grande e, ainda em choque, Jessica lembrou os momentos em que ainda tentou ajudar a amiga de todas as maneiras, com o corpo dela em suas mãos, já sem vida. Para ela, a irresponsabilidade e a imprudência dos motoristas só podem ser combatidas com policiamento. “Se tivéssemos mais radares nesse trecho, ele não ia correr como um louco. Se houvesse mais policiamento, duvido que iria se arriscar a pegar uma van para dirigir sendo menor e sem carteira”, afirma a jovem.