Veículos usados no transporte clandestino de passageiros não desafiam a fiscalização apenas nas rodovias que ligam Belo Horizonte à região metropolitana e às cidades do interior, ou entre o aeroporto de Confins e o Centro da capital. Perueiros ignoram também os agentes de trânsito na rodoviária de BH. Pessoas são abordadas na entrada do terminal por aliciadores que oferecem, aos gritos, passagens para todos os cantos do estado pela metade do preço das linhas legalizadas. Atraídos pela economia, os interessados ignoram os riscos e são levados a outros pontos para embarcar em vans, ônibus e carros de passeio não credenciados para o serviço pelo Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais(DER-MG).

Outro foco dos perueiros em BH é a Praça da Estação, também no Centro. Eles disputam passageiros com o trem Vitória/Minas e só arrancam se as vans estiverem lotadas. Caso contrário, vão para as imediações do terminal rodoviário à procura de clientes. O Estado de Minas flagrou nesta quarta-feira o aliciamento de passageiros perto da rodoviária. Duas mulheres que iam para Teófilo Otoni, no Vale do Mucuri, foram abordadas na Praça Rio Branco e convencidas a não pegar um ônibus legalizado. O agenciador usou o argumento de que a viagem em “linha alternativa” é mais barata e menos demorada.

Elas aceitaram a proposta e seguiram o homem, a pé, pelas ruas do Centro. Ele carregava a mala de uma delas. Os três desceram a Avenida Paraná até a Amazonas e foram em direção à Praça Raul Soares. No caminho, as passageiras reclamaram da distância. “Para onde está nos levando, moço? Está mais longe que Teófilo Otoni.”

Elas foram levadas ao Terminal Turístico JK, na Rua Guajajaras, Bairro Barro Preto, na Região Centro-Sul, e apresentadas a funcionários da Translin Turismo, empresa de excursões e fretamentos. Pagaram a passagem e ficaram esperando o veículo. Pouco antes das 14h, um ônibus branco, sem logomarca e com placa de Brasília, estacionou no terminal. Outros passageiros já o esperavam. “Esse ônibus passa por Governador Valadares (Vale do Rio Doce), Teófilo Otoni, Itaobim e Almenara (as duas últimas no Vale do Jequitinhonha). Sai de BH diariamente e compramos a passagem no JK mesmo. Para qualquer destino, o preço é R$ 70. No meu caso, vale a pena, pois o bilhete do ônibus que sai da rodoviária para Itaobim custa o dobro”, disse um passageiro que pediu anonimato.

No terminal rodoviário, a passagem para Itaobim custa R$ 132; para Almenara, R$ 156,40; Teófilo Otoni, R$ 98,02; Valadares, R$ 70,30. Outro diferencial citado pelo passageiro da Translin é que “qualquer tipo de carga é aceito no bagageiro do ônibus”. “Até moto, se precisar. O ruim é que temos seguro”, disse. Por telefone, o Estado de Minas fez contato com a empresa. Uma funcionária, que se identificou como Tula, disse que o diretor da Translin, cujo primeiro nome é Leandro, só poderia falar com o jornal nesta quinta-feira.

Fretamento

O DER-MG informou desconhecer o esquema de aliciamento de passageiros das linhas convencionais por empresas do Terminal JK. Segundo o órgão de trânsito, agências de turismo como a Translin não têm autorização para vender passagens de rotas regulares, ou seja, com partidas diárias de BH. Elas estão credenciadas para fazer apenas fretamentos.

Além de não serem amparados por seguro, os passageiros de linhas clandestinas correm o risco de ter a viagem interrompida pela fiscalização. O DER-MG ressalta que, nesses casos, ficam sujeitos a não receber o dinheiro de volta, uma vez que a passagem é paga à empresa, e não ao cobrador do ônibus. O presidente da Comissão de Transporte, Comunicação e Obras Públicas da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, deputado Adalclever Lopes (PMDB), aponta outro perigo para quem viaja com perueiros. “Um ônibus regular tem até cinco motoristas em uma rota. No clandestino, o mesmo motorista faz até quatro viagens seguidas, geralmente sob efeito de remédio para não dormir.”

Assembleia vai cobrar

A Comissão de Transporte, Comunicação e Obras Públicas da Assembleia Legislativa vai cobrar explicações do Detran-MG sobre o licenciamento de veículos com multas pendentes desde 2008. O presidente da comissão, deputado Adalclever Lopes (PMDB), afirmou que aprovará requerimento na semana que vem para que seja feita audiência pública sobre o tema. Os parlamentares vão cobrar também dos órgãos de trânsito o cumprimento da Lei 19.445, em vigor desde janeiro, que coíbe o transporte clandestino em Minas. Além do Detran, serão convidados para a audiência representantes da Secretaria de Estado de Defesa Social e da seção mineira da OAB-MG, que pediu investigação da denúncia.