Depois de mais de três anos de investigações, a Polícia Federal identificou o que está sendo considerado uma das maiores redes de corrupção já descobertas atuando nas estradas do Rio. O esquema envolve policiais rodoviários federais, que, com a ajuda de policiais civis e militares, cobram propinas regulares, numa espécie de mensalão, de empresários e caminhoneiros, para que possam circular livremente nas principais rodovias do estado, com qualquer tipo de carga, legal ou ilegal. O grupo também estaria envolvido em outros crimes, como contrabando, extorsão e tráfico de drogas. Ao todo, mais de cem pessoas foram identificadas e denunciadas à Justiça Federal e ao Ministério Público Federal por ligação com os crimes. Do grupo fazem parte cerca de 80 policiais rodoviários federais, o correspondente a quase um sétimo do total (cerca de 600) de agentes da corporação no Estado do Rio.

Os patrulheiros acusados são de cinco delegacias no Estado do Rio e estão lotados nos postos da Via Dutra, da Rio-Teresópolis, da Washington Luís e da Ponte Rio-Niterói. Eles são suspeitos de ter conexões com policiais e outras pessoas dos demais estados da Região Sudeste. Com a ajuda de escutas telefônicas autorizadas pela Justiça e de agentes infiltrados na quadrilha, o esquema foi descoberto por policiais federais do Rio, com apoio da Divisão de Fiscalização e Assuntos Internos da Polícia Rodoviária Federal de Brasília.

Funcionários como cúmplices
Em alguns casos, os policiais rodoviários contariam com a colaboração até de funcionários de empresas rodoviárias, que atuariam como espiões, passando informações privilegiadas sobre cargas e itinerários dos caminhões. A partir dessa rede de contatos, com a participação muitas vezes de policiais civis e PMs do Rio, os patrulheiros eram convocados até em dias de folga para participar de operações clandestinas para apreender contrabando vindo do Paraguai. O material, quase sempre produtos eletrônicos e calçados, não era apresentado nas delegacias da Polícia Civil, e sim revendido pela quadrilha.

As investigações começaram em 2009 e foram conduzidas inicialmente pelo delegado federal Fábio Galvão, que assina um relatório enviado à Justiça em que solicita a quebra de sigilo fiscal e bancário dos suspeitos, além de pedir a prisão dos acusados e a expedição de mandados de busca e apreensão de documentos. Galvão atualmente é subsecretário de Inteligência da Secretaria de Segurança do Rio.

Procurado pelo GLOBO, o policial disse que não ia comentar o assunto, já que as investigações correm em segredo de Justiça. O MP federal também não quis comentar o assunto.
O relatório da PF entregue à Justiça está repleto de transcrições de interceptações telefônicas, mostrando como os patrulheiros atuavam nas estradas, achacando não só caminhoneiros e empresários, como também motoristas de vans e ônibus piratas, normalmente transportando sacoleiros. Há também fotografias dos investigados. A gravidade do assunto levou agentes da Polícia Rodoviária Federal de Brasília a serem deslocados para o Rio em missões secretas, para ajudar na investigação.

Segundo o que foi apurado, quando uma empresa tentava furar o bloqueio e não pagar a propina exigida pela quadrilha, sofria represálias: os veículos eram parados nos postos da Polícia Rodoviária, passando por fiscalização rigorosa e demorada, mesmo com a documentação em dia. Esse tipo de ação praticamente inviabilizava o funcionamento da empresa, forçando seu dono a procurar o chefe da fiscalização e acertar o pagamento. Para isso, usava uma espécie de código: dizia que queria marcar um cafezinho ou um almoço. Depois disso, os veículos ganhavam passe livre.

Convite para café: senha da propina
Num trecho do relatório da investigação ao qual o GLOBO teve acesso, a PF diz que “empresários de diversos setores procuram pelos PRFs (policiais rodoviários federais), normalmente os chefes da delegacia, para realizar o pagamento da propina”. Ainda de acordo com o relatório, empresários, comerciantes e donos de vans procuravam “os PRFs, normalmente sob o disfarce de um convite para um café ou um almoço, para fazer o pagamento da caixinha da corrupção”.
Diariamente, segundo cálculos do Sindicato do Transporte de Carga (Sindicarga) do estado e da Federação Interestadual dos Trabalhadores em Transporte, cerca de cem mil caminhões circulam nas estradas federais do estado. O presidente do Sindicarga, Francesco Cupello, não quis comentar o caso. Já o presidente da federação, Antônio Tristão, disse que denúncias de cobrança de propina sempre existiram:
— A gente sempre ouviu falar sobre cobrança de propina nas estradas, mas são comentários sem comprovação.

O rastro da corrupção
Em 2010: A Justiça Federal afastou a cúpula da Polícia Rodoviária Federal no Rio, suspeita de envolvimento na liberação de veículos em situação irregular na Rodovia Presidente Dutra. Foi decretada a prisão de três integrantes da quadrilha, comandada pelo então chefe substituto de Policiamento de Fiscalização da corporação, terceiro da hierarquia da corporação. Na ocasião, ele estava licenciado do cargo e era candidato a deputado federal.

Foram afastados o superintendente da PRF no Rio, o chefe de Policiamento de Fiscalização, o corregedor regional da corporação e mais dois inspetores do posto da Pavuna.

A pedido da 1ª Vara Federal Criminal, foram presos o chefe do posto da Pavuna, onde veículos apreendidos eram liberados. O grupo foi acusado de formação de quadrilha, falsidade ideológica, concussão (obtenção de vantagens por funcionário público), prevaricação e corrupção.
Em 2004: 42 pessoas foram presas no Rio durante ação conjunta das polícias Federal e Rodoviária Federal contra a máfia dos combustíveis. A ação, batizada de Poeira no Asfalto, cumpriu 56 mandados de prisão contra integrantes da quadrilha, que atuava não apenas no Rio, mas em São Paulo, Espírito Santo e Paraná. Entre os integrantes, havia 21 policiais rodoviários federais, quatro fiscais de tributos estaduais, dois policiais civis e um bombeiro, além de empresários e empregados do setor de combustível.

A quadrilha foi acusada de participar de montar uma rede de propinas para dar proteção ao transporte de gasolina adulterada e ao uso de notas fiscais frias. Entre os presos, estava Francisco Carlos da Silva, conhecido como Chico Preto, que tinha sido superintendente da PRF no Rio até sete meses antes da operação. Foram descobertas ainda conexões da quadrilha na Feema e na Assembleia Legislativa do Rio.