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Jacqueline Carrijo

Auditora Fiscal do Trabalho

TEMA: CAMINHONEIROS E SUAS CONDIÇÕES DE TRABALHO

Durante mais de um ano SINAIT, MPT, ANMPT, pessoas membros do FNDL, tentaram impedir o retrocesso social no setor de transporte. Lutamos para impedir a licença para mais mortes nas estradas. Tentamos, falo como representante do SINAIT e como coordenadora do transporte de carga e passageiros do Estado de Goiás, evitar a revogação da Lei 12.619/12, impedir que maus costumes fossem elevados ao status de Lei, que más práticas trabalhistas que matam centenas de trabalhadores e usuários do sistema rodoviário nacional todos os anos fossem mantidas. Mas o poder econômico falou mais alto, pressionou mais e melhor. A classe trabalhadora está paralisada.

Para os auditores do trabalho que estão nesse setor há o sentimento de derrota da sociedade. Quem perde com a revogação da Lei 12.619 é a população, os trabalhadores, os usuários do sistema rodoviário nacional. O Congresso Nacional deu sinal que não se importa com a segurança nacional na malha rodoviária, que não se importa com a quantidade alarmante de acidentes de trânsito e do trabalho no trânsito, que não se importa com a falta de controle de jornada dos motoristas que reconhecidamente adoece e mata milhares de pessoas no Brasil. Uma vergonha nacional. Apenas alguns poucos parlamentares defenderam os trabalhadores e usuários, mas eram em número insuficiente para fazer valer a segurança nacional. A vida não tem relevância política, aliás, ouvi isso de parlamentares: “a senhora não venha me falar de defesa da vida”. Cruel, mas será que dá pra descer mais? Claro que dá, e muito mais.

Sob o pretexto de regulamentar a terceirização no Brasil, o PL 4330 acabará por legalizar a fraude e a precarização do trabalho. SINAIT é CONTRA o PL 4330 e seus substitutivos e também é CONTRA ao Projeto de Lei do Senado – PLS 87/2010, do ex-senador Eduardo Azeredo (PSDB/MG), que também abrange a terceirização a qualquer atividade da contratante. Esses projetos promovem a precarização das relações de trabalho, trabalho escravo, trabalho infantil escravo e a divisão da classe trabalhadora (acaba de vez com o sindicalismo no Brasil). Muitas decisões judiciais suspendem embargos e interdições sem correções das situações de risco grave, iminente, recorrente. Mas onde estão os trabalhadores, sindicatos, centrais que não vão para as ruas lutar contra isso tudo. Estão acabando com a fiscalização do trabalho que existe para garantir saúde e segurança para os trabalhadores, estão assaltando os direitos dos trabalhadores, e onde estão as mobilizações políticas efetivas DOS INTERESSADOS, DAS VÍTIMAS? Estão destruindo o direito do trabalho, e tudo fica assim mesmo?

O que acontece com a regulamentação da discriminação, redução, frustração de direitos dos motoristas é somente um elo da corrente da super exploração do trabalho humano que está sendo construída.

Com relação à Lei dos Motoristas, assim como em relação a todos as outras iniciativas de redução, eliminação de direitos, os sindicatos não fazem as mobilizações necessárias. no Congresso Nacional, no STF, no TST, na porta dos Ministérios.

Por ironia do destino representei SINAIT em uma reunião das 40hrs com as centrais. Mas quando eu falei da jornada dos motoristas todos ficaram calados. Para quem está na luta na defesa da cidadania, segurança e saúde públicas, em várias frentes como nós, tem a noção do todo. Havia até central defendendo publicamente a revogação da Lei 12.619/12. Revoltante. Eu falo do que vi no Congresso Nacional, nos gabinetes dos deputados e senadores, nas plenárias. Sinceramente eu não defendo esse tipo de sindicalismo.

Há poucos dias nossa equipe do transporte chegou do interior do Estado de Goiás, do planejamento de operações especiais com várias pessoas dentro de instituições diversas que verdadeiramente se preocupam com a segurança nacional. Decidimos que não abandonaremos os trabalhadores, não deixaremos os vulneráveis do trabalho desprotegidos. Mesmo diante de toda falta de estrutura dos órgãos vamos cumprir as nossas missões, trabalharemos pelo controle real da jornada de trabalho dos motoristas, vamos trabalhar pela redução de acidentes, combate ao uso e tráfico de drogas, combate ao tráfico de pessoas para fins laborais, trabalho infantil nas rodovias e também trabalhar pelos salários dignos. Estamos unindo esforços institucionais nesse sentido, e como autoridades do trabalho essa é a nossa obrigação legal.

É intolerável que mortes e drogas estejam em quantidade e intensidade elevadas no dia a dia desses trabalhadores para cumprir o contrato de trabalho. Intolerável, injusto, indigno. Decidimos que vamos continuar no trabalho de prevenção de acidentes, controle da jornada de trabalho, combate ao uso e tráfico de drogas nas estradas (auditores do trabalho, membros do mpf, mpt, juízes do trabalho, policiais). Ainda existe Estado Brasileiro e uma Constituição Federal para ser defendida.

A realidade das estradas é sangrenta, violenta. E para piorar o que já está péssimo nos deparamos com a seguinte realidade: trabalhadores exaustos de tanto trabalhar, rodar 20, 30horas (já flagramos 40hrs) usam drogas (cocaína, crack) para ficar acordados entregar carga e transportar pessoas nos prazos definidos pelos empregadores, contratantes e muitos para sustentarem os vícios acabam na mão de traficantes e passam a traficar. Triste, revoltante, chocante. Quem faz pista sabe disso. Essa realidade está longe demais dos gabinetes da Casa Civil, da Presidência da República, dos salões do Congresso Nacional. Mas a distância de políticos, governantes dos problemas de relevância nacional não justifica a indiferença, o abandono das necessidades essenciais do povo.

O Congresso Nacional cedeu às pressões de grupos, pessoas. Agora é a vez do Governo. E novamente estamos pedindo para não fecharem as portas para os defensores da vida, para os verdadeiros trabalhadores. Ouçam as vítimas sobreviventes, as suas famílias (são milhares), entrem em contato com as instituições do controle, é preciso ir atrás das informações das polícias rodoviárias, dos DETRAN, dos auditores do trabalho, do INSS,  conversem com os verdadeiros representantes dos trabalhadores. Informações precisas, certas e vindas de fontes confiáveis devem servir de base de consulta, análise para as decisões políticas importantes. Essa é a conduta correta de quem trabalha com seriedade na busca do bem comum.

Continuamos afirmando que é preciso que os sindicatos dos trabalhadores mobilizem-se de verdade para garantir direitos, promover desenvolvimento econômico justo de todos em território nacional. É dever dos sindicatos, dos sindicalistas exigir políticas públicas para exercício da cidadania, soberania de um povo, ações políticas coerentes com as necessidades da segurança nacional. Exemplo da falta de organização, investimento e fator de insegurança nacional são os nossos portos brasileiros. A estrutura dos portos prejudica demais os motoristas profissionais no Brasil. Longas filas de espera, em locais sem nenhuma condição de conforto, higiene, segurança. Trabalhadores motoristas ficam dias e mais dias, até semanas presos nos veículos esperando carregamento, descarregamento. Aliás, essa é a realidade em muitos embarcadores no Brasil.

Será que alguém do Governo já ficou em alguma daquelas filas gigantescas, preso dentro de um veículo, passando calor/frio, sem acesso a alimentação segurança, sem reposições hídricas necessárias, sem conforto, higiene, exposto a todo tipo de violência no trabalho? Obviamente conhecem as deficiências do acesso terrestre aos portos, os riscos, o congestionamento, acidentes, estragos em rodovias, os planos de movimentação ineficientes. Claro que conhecem, mas não se importam com essas pessoas que transportam a riqueza do Brasil. Conhecem a falta de pátios para estacionamento.

Isso gera atrasos na chegada dos caminhões provocando cansaço, estresse, doenças ocupacionais graves (incluindo uso de drogas para recuperar nas estradas o tempo perdido nas áreas portuárias). Longas jornadas de trabalho, excessos de velocidades praticados pelos motoristas decorrem da necessidade para recuperar o tempo perdido, o que coloca em risco a própria vida e a dos usuários do sistema. O encarecimento do preço dos produtos, do frete também é conseqüência de tudo isso, e que também aumenta a pobreza por conta nos reflexos na economia, além potencializar os riscos de acidentes fatais.

Agora vamos combinar todos esses riscos com os assaltos, a falta de segurança pública, os buracos, a falta de sinalização, fiscalização precária na malha rodoviária. Aliás, a segurança pública também está abandonada. Como defender os que precisam de nós sem auditores do trabalho, policiais, postos, carros, instrumentos/ferramentas de trabalho. Ao invés de criarem Leis para promover a estruturação dos órgãos públicos (especialmente educação, saúde e segurança pública) para fazer valer a Constituição Federal, empreendem esforços numa Lei que atropela não somente os usuários do sistema, mas também a Carta Magna.

Com a revogação da Lei 12.619 o Governo Brasileiro não honra o compromisso que firmou com a ONU para redução de acidentes de trânsito. O Brasil é signatário do esforço mundial para redução de acidentes no trânsito, instituiu o Plano Nacional de Redução de Acidentes e Segurança Viária para a Década 2011-2020, cujo texto foi produzido com a contribuição das organizações governamentais e não governamentais reunidas pelo Comitê Nacional de Mobilização pela Saúde, Segurança e Paz no Trânsito, coordenada pelo Departamento Nacional de Trânsito – DENATRAN. Pelo jeito tudo isso irá para o lixo, e mais gente para o caixão…

Diante desse cenário de abandono dos trabalhadores, destruição do direito do trabalho, fica a pergunta: Que futuro nós estamos construindo para o País? Eu só tenho uma certeza: não iremos colher o que não plantamos.

Jacqueline Carrijo

Auditora Fiscal do Trabalho

Coordenadora das Auditorias do Trabalho nos Estabelecimentos de Saúde Pública e Privada-SRTE/GO

Coordenadora das Auditorias do Trabalho no Setor de Transportes de Cargas e Passageiros-SRTE/GO