Com a maior malha rodoviária do país e servindo de corredor entre o norte e o sul, Minas sofre com intenso tráfego de caminhões e carretas (Paulo Filgueiras/EM/D.A.Press)
Com a maior malha rodoviária do país e servindo de corredor entre o norte e o sul, Minas sofre com intenso tráfego de caminhões e carretas

Praticamente um a cada dois acidentes em estradas mineiras tem o envolvimento de caminhões e carretas. A proporção alarmante é o que mostra – na última reportagem da série “Homens-bomba ao volante” – levantamento sobre dados de 2011 das polícias Militar e Rodoviária Federal. Das 40.166 batidas e atropelamentos registrados no ano passado, pelo menos 18.462 (45,96%) estavam relacionados ao transporte pesado. Os dados revelados pelo Estado de Minas foram reunidos pela primeira vez em sua totalidade, uma vez que a PM não divulgava de forma consolidada informações das 18 regiões militares nem as polícias detalham em seus números a participação de veículos de carga. A disparada nos desastres envolvendo essa categoria ocorre em uma circunstância na qual os acidentes de forma geral tiveram ligeiro aumento entre 2010 e 2011.

A violência envolvendo transporte de cargas não recuou nas primeiras semanas de 2012, como demonstrou acidente ocorrido ontem no Norte de Minas, quando uma cegonheira tombou sobre um carro e provocou três mortes. Retrato de uma situação que vem piorando ano a ano. Em 2010, o número de acidentes com veículos de carga foi 28% menor, chegando a 14.442 em todo o estado. “O uso de estimulantes como os rebites está entre os fatores que mais preocupam a polícia com relação aos acidentes. Temos conseguido reduzir a gravidade dos desastres, mas são números ainda muito altos”, afirma a porta-voz da PRF em Minas, inspetora Fabrizia Nicolai.

Relatório da PRF sobre os mortos em acidentes com veículos de carga em 2011 denuncia indícios da influência do consumo dessas substâncias e do extremo cansaço de condutores, que chegam a rodar mais de 24 horas. Do total, foram 60 mortes em saídas de pista, 52 em colisões frontais, que ocorrem geralmente quando se invade a contramão, e 37 em tombamentos. Em suas ocorrências, os policiais rodoviários federais indicaram como prováveis causas para esses acidentes a falta de atenção, em primeiro lugar, a velocidade incompatível com a via ou trecho, em segundo, e a não observância de uma distância segura de outros veículos.

Especialistas acreditam faltar investimentos e mudança de políticas públicas para frear essa carnificina. “O uso do sistema rodoviário para cargas é exagerado no país. Isso precisa mudar. Temos de destinar mais verbas, principalmente para as ferrovias”, aponta o especialista em transporte e trânsito da consultoria Imtraff, Frederico Rodrigues. “Tantos caminhões reduzem a vida útil das estradas, encarecem os produtos e diminuem a capacidade das vias”, diz.

Tramitam no Senado dois projetos que podem reduzir acidentes por meio da melhoria das condições dos trabalhadores do setor: o PLS 271/08, que trata do Estatuto do Motorista Profissional, e o PLC 319/09, que regulamenta a profissão. Para o diretor-executivo da Confederação Nacional do Transporte, Bruno Batista, ações que beneficiem os condutores são decisivas para reduzir acidentes. “Melhorar o fator humano é um caminho para termos menos mortos e feridos, bem como mais investimento nas vias e crédito para máquinas mais novas”, afirma.

O presidente da Associação Mineira de Medicina do Tráfego, Fábio Nascimento, critica a facilidade com que se conseguem carteiras D e E para dirigir carretas que carregam produtos perigosos. “Rapazes com apenas dois anos de carteira já podem ser caminhoneiros, ou seja, basta terem 20 anos. Isso se reflete na imprudência que vemos nas estradas e no uso de drogas e medicamentos.”

Dia a dia na boleia

Domingo

De carona na cabine de carretas conduzidas por motoristas exaustos, que admitem o consumo de estimulantes para rodar horas a fio, a série “Homens-bomba ao volante” teve início no último domingo mostrando cochilos ao volante e manobras perigosas.

Segunda-feira

Carretas enormes, que carregam mais de 50 toneladas, cheias de gambiarras e caminhoneiros em péssimo estado de saúde são como bombas-relógio. Blitz feita com a presença de médicos e mecânicos na BR-381 revelou um cenário alarmante.

Terça-feira

Prostituição de mulheres, travestis e menores de idade ao longo das estradas contribui com o tráfico de estimulantes para caminhoneiros. A terceira reportagem da série mostrou ainda que os programas tomam horas preciosas de descanso dos condutores.

Quarta-feira

Pais de família que hoje vegetam em camas sem qualquer esperança, motoristas vítimas de falta de manutenção e os órfãos das estradas são o lado mais cruel das estatísticas de acidentes com veículos de cargas, tema da quarta reportagem da série.

Quinta-feira

Como num diário de bordo das rodovias, os perfis no Twitter da Polícias Rodoviária Federal comprovam que acidentes com veículos de carga são o principal problema das vias mineiras e causaram, pelo menos, 34 dias de bloqueios nessas estradas
no ano passado.

Sexta-feira

Autoridades tentam, mas mal conseguem identificar motoristas que circulam sob efeito de álcool e drogas. A promessa de rigor veio depois de estatísticas mostrarem identificação de apenas 1,3% de caminhoneiros dopados em 2011.

Sábado

Cercada por mineradoras, vias como a BR-040 se transformaram em pistas de corrida para caminhoneiros que ganham por produção. Com um radar, O EM flagrou 62% deles acima da velocidade permitida.