RIO – Uma lacuna nalei que proíbe motoristas de dirigirem sob o efeito do álcool estaria dificultando a punição criminal dos infratores. Especialistas em direito penal questionam se a nova lei permitiria que um motorista que dirige sob efeito do álcool seja punido tanto na esfera administrativa – com multa e suspensão da carteira – quanto na penal. Isso porque, pela Constituição, o infrator tem o direito de não produzir prova contra si e pode se recusar a fazer o teste do etilômetro ou de sangue. Dessa forma, ele não poderia ser condenado criminalmente, já que não há nenhuma prova de que a concentração de álcool por litro de sangue é igual ou superior a seis decigramas, limite previsto pela lei.

– A redação do artigo 306 do Código Brasileiro de Trânsito foi extremamente infeliz. Não sou contra a nova lei, mas foi um erro estabelecer um percentual de álcool. Esta mania do brasileiro de achar que direito penal resolve tudo foi um excesso. Acho que o depoimento do agente público presente no momento da abordagem já seria bastante eficaz, mas, pela nova lei, só o exame de sangue pode dar o percentual de álcool e configurar o crime. Como não há como obrigar a pessoa a fazer o exame nem substituí-lo pelo depoimento do policial, o artigo se choca com a Constituição – afirmou o professor de direito penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) Jorge Câmara, que, no entanto, acredita que as sanções administrativas são válidas e foram reforçadas com o maior rigor na fiscalização durante a operação Pressão Total.

A juíza Margaret de Olivaes, que atuou durante dez anos como juíza criminal, discorda. Para ela, o exame clínico (quando são observadas as condições do motorista, como cor do olho, comportamento, entonação da voz, além do teste do bafômetro) é válido, uma vez que comprova a condução de veículo sob efeito do álcool.

– O exame feito por um exame clínico não vai provar que o motorista estava com mais de seis decigramas de álcool no sangue, mas vai provar que a pessoa estava dirigindo sob o efeito do álcool, o que é proibido por lei e passível de punição – afirmou a juíza, que admitiu, no entanto, que uma pessoa com maior resistência ao álcool, que mesmo tendo bebido aparenta estar normal, pode escapar da prisão caso o laudo clínico não consiga detectar o estado de embriaguez.

O professor de direito penal Francisco Faria também acredita que o laudo médico que atesta o estado de embriaguez do motorista é absolutamente válido para a aplicação de punições penais. Ele ressalta, porém, que será longa a discussão sobre que aferição é realmente legítima para esses fins:

– Vai demorar para pacificar o entendimento se o laudo médico vale para um processo penal ou se só o exame de sangue poderia caracterizar o crime. A meu ver, o auto de embriaguez é válido, mas um juiz pode entender que só o exame comprovando as seis decigramas por litro de sangue serve. Os tribunais superiores é que vão uniformizar isso.

” Como não há como obrigar a pessoa a fazer o exame nem substituí-lo pelo depoimento de um policial, o artigo 306 do Código de Trânsito entra em choque com a Constituição “

O diretor do Instituto Médico-Legal (IML) do Rio, Jefferson Oliveira, diz que apenas o exame de sangue pode atestar com precisão a existência de seis decigramas de álcool por litro de sangue, mas que o exame clínico é mais do que suficiente para comprovar a embriaguez.

– Somente através do exame de sangue é possível constatar os seis decigramas de álcool por litro de sangue. Mas o exame clínico é mais que determinante para comprovar a embriaguez. O perito legista vai descrever o estado de embriaguez da pessoa, mas não pode constatar sem o exame de sangue se ela ultrapassou exatamente o limite de seis decigramas – explica Oliveira.

Segundo Rodrigo Ferreira, diretor jurídico do Detran, se o perito puder certificar por meio do laudo médico que a concentração alcoólica está acima dos seis decigramas por litro de sangue, o motorista pode responder por crime de dirigir sob efeito de álcool:

” Só o exame clínico já prova que o motorista estava dirigindo sob o efeito do álcool, o que é proibido por lei e passível de punição “

– Essa pode ser prova criminal. Quando ele é condenado, a pena é de detenção, mas não significa que ele ficará numa penitenciária.

Na página do Detran da Bahia, o entendimento é de que apenas o exame de sangue pode implicar punição no âmbito penal. Um texto sobre as alterações na legislação de trânsito sobre álcool e direção diz que “na hipótese do condutor se recusar a realizar os exames, o agente de trânsito poderá identificar a infração por meio dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor. Nesse caso, serão aplicadas as sanções administrativas previstas no artigo 165 do Código de Trânsito Brasileiro”.

Sobre o fato de o bafômetro não ser tão preciso quanto o etilômetro, dificultando ainda mais a comprovação do nível de seis decigramas, Rodrigo Ferreira, do Detran, reconhece que os equipamentos apresentam uma margem de erro. Ele garante, contudo, que os equipamentos não deixam de ser eficazes no controle aos motoristas infratores:

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– O bafômetro é insuficiente, não ineficaz. A insuficiência não está ligada à eficiência, pois o aparelho é homologado pelo Inmetro.

Motorista que atropelar e matar uma pessoa não terá mais pena de prisão agravada mesmo se estiver alcoolizado

Pela lei antiga, o motorista que fosse flagrado dirigindo embriagado era punido administrativamente caso fosse comprovado nível igual ou superior a seis decigramas por litro de sangue. Agora, qualquer nível alcoólico no sangue – com a tolerância de dois decigramas de álcool por litro de sangue ou 0,1mg por litro de ar expelido – é considerado infração gravíssima e o estado do motorista pode ser sustentado apenas por depoimentos dos agentes públicos presentes no momento da abordagem ou pelo exame clínico. Nesse caso, o motorista tem a habilitação apreendida, recebe multa de R$ 955 e tem o direito de dirigir suspenso por até um ano.

Além disso, a nova lei diminuiu a punição para aqueles que são processados criminalmente por homicídio culposo. A pena para motoristas que atropelavam e matavam uma pessoa por dirigirem perigosamente era de dois a quatro anos, podendo chegar a seis devido ao agravante de estar sob efeito de álcool. Agora, esse dispositivo de aumento da pena foi revogado.

Estado do Rio vai contar com 160 novos etilômetros

Enquanto se discute a eficácia da lei do ponto de vista criminal, o governo do estado continua empenhado no controle mais rigoroso aos motoristas que desrespeitam as novas regras. O Detro anunciou nesta quarta-feira que vai disponibilizar R$ 1 milhão para a compra de 160 etilômetros. O estado conta atualmente com apenas 15 equipamentos, que são mais eficientes que os bafômetros. A medida visa a colaborar com a operação Pressão Total.

Segundo o presidente do Detro, Rogério Onofre, a previsão é de que, além da capital e da região metropolitana, os outros municípios do Rio recebam os bafômetros em 15 dias.

– Vai ser possível aumentar a fiscalização não só na região metropolitana, mas em todos os municípios do Rio de Janeiro. A Casa Civil vai agilizar a compra e, dentro de 15 dias, os etilômetros já devem ser utilizados. Precisamos dessa ferramenta para impedir que mais pessoas continuem morrendo no trânsito – afirmou Onofre.