BOAS PRÁTICAS: Ministério Público do Trabalho abriu espaço para debater o transporte socialmente responsável. Fotos: Divulgação

Evento, realizado pelo SOS Estradas, em Brasília (DF), com apoio do Ministério Público do Trabalho, reuniu diversos representantes do setor público e privado, além de caminhoneiros e colaboradores de entidade de vítimas de trânsito

Difundir boas práticas que possam reduzir os acidentes (sinistros) nas viagens rodoviárias, assim como a exploração de motoristas profissionais e a concorrência desleal na categoria foi tema do seminário sobre “Transporte Rodoviário Socialmente Responsável”, idealizado pelo SOS Estradas  e TrânsitoAmigo com apoio da Procuradoria Geral do Trabalho,  e realizado em Brasília (DF), entre 9h30 e 14h30, na sede do Ministério Público do Trabalho.

O evento teve a participação do Procurador-Geral do Trabalho, dr. José de Lima Ramos Pereira, que fez a abertura. O evento debateu os seguintes temas:

DIFICULDADES ENCONTRADAS PELAS AUTORIDADES

O procurador-geral do Trabalho, José de Lima Ramos Pereira, abriu o seminário e deu todo suporte para sua realização

De acordo com o Procurador-Geral do Trabalho, José de Lima Ramos Pereira, a atuação do Ministério Público do Trabalho sempre foi buscar um transporte rodoviário socialmente responsável. “No âmbito do direito do trabalho, todo homem tem direito ao trabalho e as condições justas e favoráveis ao trabalho. Por isso, o Ministério Público do Trabalho sempre buscou o trabalho decente, combatendo o trabalho escravo, o trabalho infantil, as fraudes e a oportunidade de igualdade de condições, entre outras”.

Para o diretor de Operações da PRF, Djairlon Henrique Moura, o programa Rodovida vem de encontro à proposta do seminário, que é o de transporte rodoviário socialmente responsável, pois reúne várias características da iniciativa. “Com o Rodovida, conseguimos reduzir o número de acidentes, graças à parceria com diversos órgãos”.

O inspetor Moura destacou também o avanço tecnológico da PRF, que contribuiu com diversos acordos de cooperação.

Como representante da Federação Nacional das Entidades de Oficiais Militares Estaduais, o coronel Marcelo Egídio Costa, de Santa Catarina, falou dos desafios que a Polícia Militar Rodoviária do Estado encontra. “Apesar de vários aspectos positivos, social e econômico, de Santa Catarina, o estado tem um dos maiores índices de mortes em acidentes de trânsito no Brasil, devido à característica da malha viária estadual, que tem apenas pouco mais de 100 quilômetros duplicada”.

De acordo com o superintendente de Fiscalização de Serviços de Transporte de Cargas e Passageiros da ANTT, Felipe Ricardo da Costa Freitas, a parceria com os órgãos envolvidos com o transporte de carga e de passageiros é fundamental para a segurança de todos os envolvidos nesses segmentos. “Sabemos da importância do limite de jornada do motorista, bem como da importância do uso do cinto de segurança nas viagens rodoviárias, que vão garantir a segurança dos usuários”.

Freitas salientou o apoio da PRF e das polícias militares rodoviárias estaduais no combate ao transporte clandestino de passageiros e ao excesso de peso e excesso da jornada de trabalho dos condutores. “A ANTT procura atuar em conjunto para garantir a legalidade de todas as operações”.

Na ótica do representante do Ministério Público do Trabalho, Luciano Lima Leivas, a questão específica do trânsito é conceber esse sistema como um meio ambiente. “Há dois pontos de vista da relação de trabalho para refletirmos. São duas grandes vertentes, que estão dentro do sistema de trânsito. O primeiro ponto é a ideia de redução dos riscos inerentes ao trabalho. Portanto, a duração do trabalho é fundamental, e deve ser refletida por todos os segmentos envolvidos, inclusive o econômico.”

OS DESAFIOS DA INICIATIVA PRIVADA NO TRANSPORTE RODOVIÁRIO 

Marlon Maues, da Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA), ressaltou a real situação do profissional autônomo no País. “O caminhoneiro autônomo é hoje um escravo sobre rodas. Se não tomarmos uma atitude, isso não vai mudar. Diante disso, estamos propondo mudanças e tolerância zero”.

Maues falou também sobre a segurança física dos profissionais. “É preciso intensificar a fiscalização nas estradas, seja da ANTT, seja da PRF. Nós defendemos também a exigência do exame toxicológico para todos os condutores, não somente para os caminhoneiros”.

O diretor-executivo da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), José Carlos Cassaniga, salientou que o modal rodoviário é responsável por 65% da movimentação de cargas em todo o Brasil; por isso, é preciso trabalhar em prevenção. “O setor de concessões de rodovias tem investido, por meio dos contratos, de forma expressiva. Há uma carga muito grande na prestação de serviços.”

José Carlos Cassaniga, Diretor-Executivo da ABCR.

Segundo Cassaniga, faz muito sentido olhar para as estatísticas de acidentes para ver quais são as principais causas e quais merecem uma concentração diferenciada. “Vale a pena extrair desses dados uma visão intersetorial, não só do setor de concessão de rodovias. É necessário ampliar a cultura de segurança, por meio de campanhas.”

Diego Hoffmann, representante da Sociedade Internacional de Pesagem em Movimento e da ABEETRANS, destacou que a entidade atua de forma ativa em regulação do setor e apoia todas as iniciativas em prol do trânsito seguro.

“A fiscalização eletrônica de velocidade é fundamental para a redução de acidentes nas estradas brasileiras. Da mesma forma, a tecnologia contribui para a redução de acidentes envolvendo o excesso de peso“.

Gincarlo Pasa, diretor de Postos de Rodovias da Fecombustiveis, contribui com o seminário destacando as iniciativas que a entidade está fazendo em favor do caminhoneiro, e citou a construção de uma estrutura às margens da BR-116, em Registro (SP), que servirá de apoio aos profissionais.

“Atualmente, nós temos a necessidade de um pátio de 30 mil metros para atender a meus clientes. Se tiver muito caminhoneiro, que não tem receita comigo, parando no meu pátio, eu vou acabar inibindo esse meu cliente e aminha venda vai cair. É o nosso dilema”.

BOAS PRÁTICAS PARA EVITAR AS TRAGÉDIAS RODOVIÁRIAS

Gabriel de Lima Salgado, gerente de Transportes da Raízen, iniciou sua exposição falando do encerramento de duas safras (dois anos) com zero acidentes. “O nosso sucesso é acreditar na parceria de longo prazo. A idade média dos nossos parceiros é de 25 anos. Investimos muito na tecnologia e no profissional que está atrás do volante.”

Segundo Salgado, a empresa leva muito a sério o transporte de carga. “Temos um manual a ser seguido, que envolve a jornada de trabalho, condições de trabalho, remuneração do motorista, comportamento e competência, entre outros itens.”

Jacqueline Carrijo, auditora fiscal do trabalho, começou sua participação destacando a falta de fiscalização nas estradas como um todo. “Nós vamos muito além das questões que envolvem fraude fundiária. Fazemos um trabalho muito bem articulado, estrategicamente pensado com um único objetivo: reduzir acidentes e garantir bem-estar a esses trabalhadores, que carregam a riqueza nacional.

Carrijo explicou ainda sobre a importância das operações de saúde e fiscalização em curso em Goiás, com apoio de diversas entidades. Alertou ainda que  a falta da presença do Estado para atuar na fiscalização e apoio ao transporte rodoviário, afeta a vida dos caminhoneiros e contribui para o aumento dos acidentes.

O conselheiro do Sindipeças, Jefferson Oliveira, abordou inicialmente sobre a manutenção do veículo, seja um caminhão ou um ônibus. “A manutenção é, também, prevenção. A empresa ou o autônomo tem que ter uma saúde financeira. Com isso, acabam optando por reduzir o custo.”

Segundo Oliveira, uma das práticas mais comuns é ignorar a depreciação do veículo. A maioria, enquanto empresa ou autônomo, deixa e lado a manutenção. E isso acaba gerando sérios problemas. A falta de manutenção ou a falha dela é o ponto nevrálgico de causas de acidentes“.

Francisco Garonce , especialista em segurança viária, fez sua explanação a respeito das boas práticas das aerovias para as rodovias. “Independente do profissional, todos precisam ter responsabilidade. Tanto na aviação quanto no transporte de cargas, a carência é enormemente afetada. Ambos ficam muito tempo longe de seus familiares. Todos precisam estar harmonizados para que a segurança se instale.”

O CUSTO DOS “ACIDENTES” (SINISTROS) 

O presidente da presidente da Associação Brasileira de Toxicologia (ABTOX), Renato Dias, iniciou sua apresentação frisando que atualmente os jovens estão as principais vítimas fatais dos sinistros de trânsito, assim como, entre os condutores profissionais, os caminhoneiros estão no topo do ranking.

Renato Dias, presidente da Associação Brasileira de Toxicologia (ABTOX)

Dias destacou a importância da obrigatoriedade do exame toxicológico, desde 2016, para os condutores de categorias C, D e E. “A entrada em vigor da obrigatoriedade do exame toxicológico trouxe bons resultados. O número de sinistros caiu a partir de 2017. A medida só tem contribuído para inibir os possíveis infratores”.

O médico Antônio Meira, presidente da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), abordou os custos dos sinistros de trânsito. “A maioria das lesões provocadas durante um sinistro se dá por conta do aumento da velocidade.”

Segundo Meira, a falta de atenção, condutor dormindo ou alcoolizado são as principais causas dos sinistros. “O uso de drogas, lícitas ou ilícitas, contribui de maneira expressiva para o aumento da mortalidade nos sinistros de trânsito.”

Rodolfo Rizzotto, coordenador do SOS Estradas e cofundador da Trânsito Amigo, iniciou sua palestra alertando sobre a falta do transporte rodoviário socialmente responsável. “Sabemos que 47% das mortes nas rodovias federais tem envolvimento de caminhão. Ora por culpa do caminhoneiro ou quem o explora, ora por responsabilidade dos demais condutores. Portanto, é evidente que nosso foco deve ser o transporte rodoviário de cargas.”

Rizzotto também frisou sobre o grave caso envolvendo caminhoneiros infratores contumazes, que trafegam com a CNH vencida, possivelmente por não fazerem o exame toxicológico. “O problema começa na origem da carga. O embarcador precisa fiscalizar o motorista não entregando carga para quem não está habilitado ao mesmo tempo não podem explorar o caminhoneiro, obrigando a viajar em condições precárias que, muitas vezes, levam até o uso de drogas para aguentar a jornada”.

Claudio Contador, ex-diretor da Escola Nacional de Seguros, abordou os dados do custo dos sinistros de trânsito no país, que representam em torno de R$ 350 bilhões por ano. ” A perda do capital humano pode ser evitada, basta que haja respeito às normas e boas políticas públicas”, disse.

Segundo Contador, há importantes políticas públicas importantes no trânsito, que deram bons resultados. “O Código de Trânsito Brasileiro, que conseguiu evitar 14 mil mortes, a Lei Seca, que evitou a morte de 40.800 mortes, entre 2008 e 2016 e o exame toxicológico para motoristas profissionais.”

O caminhoneiro capixaba Cajau Antonelli fechou o ciclo de apresentações dando exemplos do seu dia a dia na boleia.

Segundo Antonelli, não há um padrão de regras aplicadas a todos, por conta da própria cultura de cada um. “No meu caso, quando me apresento para carregar, já tenho checado todos os documentos necessários para a viagem. Há empresas que verificam rotineiramente tais documentos. Mas, nem todas são assim.

Antonelli diz a maioria dos lugares onde ele vai carregar não faz essa checagem. “Acho importante esse verificação dos documentos para a própria segurança do dono da carga. Um dos problemas que eu vejo é a falta de fiscalização nas estradas. Desde que estou nessa profissão, nunca fui parado.”

Ele diz que existem iniciativas boas entre algumas empresas, mas infelizmente, a maioria não está nem aí com o motoristas. “O resultado dessa exploração por parte desse tipo de empresa, é o uso contínuo de drogas para cumprir a entrega. Eles se submetem a qualquer tipo de condição de trabalho, trabalham por qualquer preço. É a concorrência desleal. Tudo isso se dá por conta da falta de fiscalização.”

Grupo de trabalho em prol do transporte rodoviário socialmente responsável

Ao final do evento, o coordenador do SOS Estradas, Rodolfo Rizzotto, confirmou que o evento tem um propósito maior que é criar um grupo de trabalho para garantir o transporte seguro e combater a concorrência desleal.

Da esquerda para a direita, Dr. Paulo Douglas (MPT), Marlon Maues (CNTA), Rizzotto (SOS Estradas), Jacqueline Carrijo (auditora do trabalho) , Jefferson Oliveira (Sindipeças), Antônio Meira (Abramet) e Francisco Garonce. Foto: Divulgação

O Grupo será composto de representantes da sociedade, autoridades, motoristas profissionais e vítimas de trânsito. “Nós buscamos resultados práticos para o transporte rodoviário socialmente responsável, combatendo a exploração do trabalhador e  a concorrência desleal com as empresas que respeitam as normas. Para isso, os participantes do seminário, e outras pessoas relevantes do setor, vão contribuir com seu conhecimento e experiências.”

O diferencial do Grupo de Trabalho será sua independência dos governos, embora com a participação de autoridades. Com isso evitará as questões políticas e terá legitimidade de cobrar boas práticas, em prol da preservação da vida.

Todas as palestras do seminário estarão disponíveis separadamente no canal do SOS Estradas no YouTube  a partir desta segunda-feira (23). Mas já estão na íntegra na TV MPT