Nada mudou nas ruas de Goiânia, depois que a lei seca endureceu quanto à penalidade para o motorista que for flagrado dirigindo alcoolizado. Os bares continuam lotados e, entre um copo e outro de cerveja, muitos até ensaiam uma discussão sobre o assunto, mas a maioria entrevistada pelo HOJE não acredita na eficiência da lei. Eles sabem que a Superintendência Municipal de Trânsito e Transportes (SMT) não tem equipamentos e agentes suficientes para realizar blitze em Goiânia.
Apesar disso, o estudante de Análise de Sistemas Ronald de Araújo Bandeira, de 22 anos, está repensando suas atitudes ao volante. “Com o risco de punição mais grave, teremos de fazer sorteio com a turma para ver quem vai ficar totalmente sóbrio”, disse o rapaz, já elegendo, no bar onde estava bebendo cerveja, o motorista da noite: o estudante Felipe Cardoso, 21. Ele tirou a carteira de habilitação há duas semanas e não toma qualquer bebida alcoólica. “Cansei de andar com meus amigos embriagados ao volante. Eu me empenhei mais para tirar a CNH exatamente por causa disso”, contou Felipe.
Outro amigo, o estagiário em Informática Paulo Henrique de Sousa Pinheiro, 20, também promete mudar de comportamento. Isso porque, há um mês, ele bateu de raspão em outro veículo, depois de ter ingerido muita bebida alcoólica. “Fiz um acordo com a pessoa do outro carro. A Polícia Militar chegou a me abordar, mas acabou me liberando”, relatou. Na noite de ontem, depois de tomar três garrafas de cerveja na companhia dos amigos Felipe e Ronald, Paulo Henrique disse que voltaria para casa na companhia do pai, que ficou de buscá-lo de carro na faculdade.
SEM REGISTRO
A SMT não registrou qualquer caso de pessoas dirigindo alcoolizadas nas ruas de Goiânia, desde a implantação das mudanças da lei seca, que passaram a vigorar na sexta-feira, dia 20. Segundo o superintendente do órgão, coronel Paulo Afonso Sanches, não haverá, por enquanto, nenhuma mudança na rotina de trabalho. “Não temos número suficiente de agentes de trânsito para fiscalizar motoristas que dirigirem sob efeito de álcool”, afirmou. Hoje, o órgão tem em seu quadro de funcionários apenas 134 profissionais da área, sendo que o ideal seriam 800. “Continuaremos com o mesmo trabalho nas ruas de Goiânia, ou seja, o teste de bafômetro será feito em casos de acidentes. No entanto, vamos comprar bafômetros descartáveis, que são mais baratos, para melhorar esse serviço”, informou o superintendente, destacando que a SMT tem apenas dois bafômetros eletrônicos.
Para melhorar a fiscalização na capital, o coronel Sanches se reuniu, ontem, com representantes do Departamento de Trânsito (Detran) para fechar parceria. No entanto, o órgão também não dispõe de bafômetros para ceder ou emprestar, conforme desejava a SMT. “Estou realizando pesquisa de preços para comprarmos os bafômetros descartáveis que custam, em média, 9 reais”, informou o superintendente.
MAIS FLAGRANTES NAS RODOVIAS
Por volta das 18h15, Osmar Rosa Barcelos, de 43 anos, foi detido na rodovia BR-364 km 198, no município de Jataí, dirigindo alcoolizado. Ele estava em uma motocicleta CG-125 Titan. De acordo com o inspetor Marcus Vinícius Rodrigues, assessor da Polícia Rodoviária Federal (PRF) de Goiás, o homem foi submetido ao exame com o bafômetro, que atestou o estado de embriaguez. “É o sexto motorista que flagramos dirigindo sob efeito de álcool nas rodovias federais que cortam o Estado”, informou Marcus.
Barcelos foi encaminhado para o 1º Distrito Policial de Jataí. Segundo a delegada Paula Daniela Ruza, ele pagou fiança de 500 reais e foi liberado na mesma noite. “O motociclista não quis declarar nada. Disse que faria isso somente em juízo”, contou Paula. Segundo a PRF, todos os 15 postos da corporação contam com um bafômetro eletrônico, de última geração – outros seis ficam na delegacia da Polícia Rodoviária.
Já o estudante de Fisioterapia Carlos Henrique Silva, 18, que se envolveu em um acidente de carro na BR-153, no perímetro urbano de Anápolis, continua internado no Hospital de Urgências da cidade. Até o início da noite de ontem, ele estava sob vigilância de policiais militares. Assim que tiver alta, ele será encaminhado para a 3ª Delegacia Regional de Polícia.
Embora esteja abalado com o episódio, o aposentado João Absair Dias, 62, tio de Carlos Henrique, afirmou ser justo que o caso seja investigado. “Não fui visitá-lo ainda, mas soube que meu sobrinho está algemado na cama. O que não concordo são pessoas quererem se auto-promover em torno dessa tragédia, que também abalou nossa família”, reclamou.
O carro conduzido por Carlos Henrique, que estava sozinho, bateu em outro que se encontrava parado no acostamento, com três pessoas de uma mesma família. Maria de Lurdes Silva, de 26 anos, e o filho Rayan Lincon, 4, morreram no local do acidente. Lois Brenda, filha de Maria, faleceu a caminho do hospital. Dez horas depois do acidente, o rapaz passou por exames no hospital, que constataram teor alcoólico elevado no sangue – 0,26 miligramas por litro, 13 vezes a mais que o permitido.
DÚVIDAS MAIS COMUNS
A médica fisiatra Júlia Greve, do Departamento de Álcool e Drogas da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), esclareceu algumas dúvidas sobre as mudanças da lei, ao Portal G1:
1– Quanto de álcool é permitido beber antes de dirigir com a mudança?
Nada.
2 – Quanto tempo o álcool permanece no sangue após o consumo e depois de quanto tempo o motorista poderá dirigir?
Um copo de cerveja demora cerca de seis horas para ser eliminado pelo organismo. Uma dose de uísque demora mais tempo do que isso. O mais garantido é que o motorista possa dirigir depois de 24 horas.
3 – O teste com o bafômetro é obrigatório?
O exame é obrigatório, mas o motorista pode se recusar a fazê-lo, assim como a coleta de sangue. Em caso de recusa, o processo de defesa do motorista será mais difícil.
4 – O que acontecerá se o motorista se recusar a fazer o exame do bafômetro e depois entrar com um processo na Justiça, alegando que não estava bêbado?
O motorista tem de ter uma comprovação da sobriedade. O policial pode, no momento do flagrante, solicitar o testemunho de duas pessoas e indicar os sinais de embriaguez. O motorista será, então, levado para a delegacia mais próxima. Se o motorista se recusar a fazer o bafômetro, ele perde a presunção de inocência.
5 – Quando não há bafômetros disponíveis no local da fiscalização, o motorista é obrigado a fazer exame de sangue?
Se o policial tiver indícios fortes de embriaguez do motorista, com testemunhas, por exemplo, ele pode exigir, sim, uma amostra do sangue ou a chamada de um médico para diagnosticar a embriaguez. A pessoa pode se recusar, mas o policial também pode exigir que o motorista seja examinado por um médico-perito.
6 – O uso de medicamentos ou alimentos preparados com uso de bebida alcoólica podem alterar o resultado do exame do bafômetro?
Só se o medicamento tiver álcool em sua composição. Depende também da quantidade ingerida e da dosagem do medicamento. No caso da alimentação, a quantidade é menor, mas também será detectada pelo exame de bafômetro e de sangue.