Com base em reclamação de uma usuária, a professora de Educação Física Ana Luiza Nonato de Faria, que se viu impedida de entrar em um transporte coletivo em Natal com um cão-guia, a promotora de Justiça Rebecca Monte Nunes Bezerra está recomendando ao poder público e aos sindicatos das empresas de ônibus e alternativos, a adoção de providência para garantir acesso a esse serviço às pessoas portadores de deficiência visual.

Para tanto, a promotora Rebecca Nunes Bezerra estipulou uma multa, no valor mínimo de R$ 1 mil reais e máximo de R$ 30 mil para o caso de descumprimento da Lei nº 11.126/2005, que assegura à pessoa portadora de deficiência visual e usuária de cão-guia, “o direito de ingressar e permanecer com o animal nos veículos e nos estabelecimentos públicos e privados de uso coletivo, desde que observadas as condições impostas pela lei.”

Em caso de reincidência, a promotora Rebecca Bezerra fixou uma multa de R$ 50 mil, sem prejuízo das sanções penais, cíveis e administrativas cabíveis, para o prefeito Carlos Eduardo Alves; o presidente do Sindicato do Sindicato das Empresas de Transportes Urbanos de Passageiro do Município de Natal (Seturn), Agnelo Cândido e ainda para o presidente do Sindicato dos Permissionários de Transporte Opcional Público de Passageiros do Rio Grande do Norte – (Sitoparn), Edileuza de Queiroz.

Edileuza de Queiroz disse que os donos de alternativos devem cumprir a recomendação do Ministério Público Estadual (MPE), mas admite que pelas condições atuais da frota, acha difícil acomodações para esse tipo de usuário. “Qual será a sua segurança?”, indagou ela, considerando que a maioria das vans em circulação só tem uma porta de acesso, e ainda por cima, precisam garantir dois lugares na frente do veículo para os idosos que têm direito à gratuidade no transporte coletivo.

Para ela, o Sitoparn deve aguardar uma orientação da Secretaria Municipal de Trânsito e Transporte (STTU), mas informa que os proprietários de vans vinculados ao sindicato, “já estão trocando a frota” para microônibus, que são mais confortáveis.

A secretaria municipal adjunta de Trânsito e Transporte, Lúcia de Almeida Xavier, informou que a legislação que trata dessa questão é federal “e que vai ser cumprida”, mas a prefeitura está se adequando a ela, tanto que já recebeu dez microônibus, de um total de 20 que chegará até 2009, para implementação do sistema porta-a-porta, que contemplam espaço para o cão-guia. O sistema porta-a-porta, segundo Lúcia Xavier, é gratuito e exclusivo para quem tem dificuldade de locomoção, “vai pegar a pessoa na própria casa”. Por enquanto, os motoristas dos microônibus estão passando por treinamento.

Gastos com cães chegam a R$ 700 mensais

O presidente da Sociedade dos Cegos do Rio Grande do Norte (Socern), Ronaldo Tavares, disse que “são muitos poucos” os deficientes visuais que se utilizam do cão-guia para se locomover pela cidade. Para Tavares, essa ferramenta já é muito comum em regiões onde as pessoas têm melhor poder aquisitivo, por isso acredita que o uso de cão-guia seja restrito por aqui. “Para manter um cão gasta-se R$ 700 por mês”, estimou ele, começando pela aquisição de um cão exclusivo para esse tipo de trabalho, da raça labrador.

Segundo Tavares, a legislação federal “garante esse direito de forma inalienável” aos deficientes visuais, de usarem o transporte coletivo com o cão guia. Se houve esse impedimento a um usuário de ter acesso ao transporte coletivo, aí “já fere o direito constitucional de ir vir das pessoas”.

Professora utiliza cão da raça Labrador

Somente três pessoas na região Nordeste se locomovem com a ajuda de um cão-guia, dois desses deficientes visuais moram em Recife (PE) e a outra reside em Natal, a professora de Educação Física e para-atleta Ana Luíza Nonato de Fari, 32 anos. “Nasci prematura de seis meses e sofri deslocamento de retina”, disse ela, que agora se prepara para fazer uma cirurgia de glaucoma e há dois anos e meio usa um cão da raça Labrador como guia. Filha de um oficial da reserva da Marinha, Ana Luiza foi medalhista de bronze na categoria 48 quilos do judô, no 3º Para-Pan realizado em agosto de 2007 no Rio de Janeiro. Ana Luiza também recebeu da governadora Wilma de Faria a Medalha do Mérito do Estado. Ela explicou que participa do Projeto Cão-Guia de Brasília (DF), que “na realidade trabalha para se expandir no Brasil inteiro”. “Passei 40 dias confinada realizando treinamento”, acrescentou.

Ana Luiza disse ainda que o treinamento é duro para o beneficiário e para o cão, mas não pode ser qualquer um que pode participar do projeto, caso de pessoas de vida sedentária: “Tem de ser uma pessoa que tem dificuldade de se locomover, mas que é ativa, trabalha, estuda”. Por causa desse projeto, Ana Luiza disse que não é proprietária do cão Labrador, que lhe foi cedido como fiel depositária. “Cauã”, como se chama o seu cão, pode ter uma atividade de seis anos como guia de cegos, o seu tem quatro anos de idade, chegou na sua casa com um ano e meio e quando completar oito anos, “e se aposentar”, se ela quiser pode ficar com ele. “Então, eles me dão outro”.

As despesas de alimentação com o “Cauã” são custeadas pela fabricante de comida para cães Premiere, que patrocina o projeto em Brasília. Em Natal, ela conta com o apoio do Hospital Veterinário para realizar exames periódicos no Labrador, para evitar que ele se estresse . Ela lamenta que em Natal ainda “falte conhecimento das pessoas” sobre o seu cão-guia. Ela diz que se tiver sozinha e não aparecer outra pessoa numa parada de ônibus, por exemplo, pedindo para parar, os motoristas seguem em frente.