Abel Alves e Clemensa Silva se conheceram ainda jovens, no interior do Espírito Santo. Capixaba, ele tinha 20 anos. Baiana, ela acabara de comemorar os 16. Foi amor à primeira vista. O namoro durou pouco. O casamento dura 50 anos. O relacionamento gerou 12 filhos. Sempre juntos, moraram em São Paulo, Paraná, Mato Grosso do Sul e Rondônia. Chegaram ao Acre em 1980. Como muitos naquela década, vieram atraídos pela possibilidade de ter uma vida mais tranqüila e um pedaço de terra para sobreviver.

Casados há meio século, os dois logo perceberam que a vida não seria nada fácil no local que escolheram para morar. Nem tranqüila. Terra havia, mas faltavam a estrutura e o apoio mínimo para trabalharem. Sofrerem com malária e falta de apoio das autoridades aos produtores assentados no Projeto de Assentamento Dirigido Pedro Peixoto, onde hoje estão os municípios de Plácido de Castro e Acrelândia.

“Desses doze filhos que tivemos, quatro nasceram no Acre. Dois morreram – um de afogamento e outra vítima do sarampo quando tinha apenas dez meses”, revela Abel Alves.

Ontem, após 27 anos, Abel e Clemensa nitidamente vestiram a melhor roupa para um evento considerado de gala para as centenas de produtores que moram ao longo ou no entorno da AC-475.

Morador do Projeto Orion, na Linha 3, chegaram à cidade na segunda-feira. Ficaram instalados na casa de uma das filhas. Ela estava com uma blusa azul e saia preta. Um dente de ouro reluzia na boca entre os dentes não tão bem cuidados. Aos 70 anos, Abel trajava uma calça preta, camisa clara e óculos escuros tipo ray-ban. Na cabeça, um boné azul escondia os poucos cabelos.

Ao batizar a BR de Estrada do Produtor, o governo homenageou centenas de pessoas como Abel e Clemensa, que passaram quase três décadas de vida praticamente abandonadas pelo poder público.

O sentimento de gratidão misturado com um pouco de incredulidade era possível ser detectado no semblante dos cidadãos, principalmente nas ruas e janelas de Acrelândia, onde o governador Binho Marques soltou o laço de inauguração junto com o produtor Sebastião de Souza, 63.

“Moro no Ramal Granada há quinze anos. Nunca pensei que um dias iria passar por uma emoção dessas”, revelou o produtor.

Binho Marques entregou a última etapa de uma obra iniciada em 2000, com o ex-governador Jorge Viana. Em 2002, uma nova etapa foi concluída. Ontem foram entregues os 23,8 quilômetros de uma rodovia que tem 59 quilômetros de extensão.

Para executar a obra, o governo investiu R$ 18,4 milhões. O dinheiro foi conseguido por meio de parceira com o governo federal, a Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), o Projeto Calha Norte e o Ministério da Defesa.

Sebastião, Abel e Clemensa fazem parte de um exército de trabalhadores acreanos e de outros Estados – a maioria da Região Sul – que foram assentados no Pedro Peixoto, pensado a partir da lógica dos gabinetes em Brasília em 1977, para acomodar seringueiros expulsos das suas colocações pelos chamados “paulistas” e imigrantes vindos do Centro-Sul – muitos também quase expulsos da sua terra natal após a construção da hidrelétrica de Itaipu.

Era o tempo de um Brasil grande dirigido aos grandes. Os pobres eram retirados do caminho do desenvolvimento pensado pelo regime militar como se fossem obstáculos móveis.

Esses obstáculos móveis eram retirados com facilidade e jogados nos projetos de assentamento na Amazônia, que mais pareciam campos de concentração. Esquecidos por poder público, aqueles que permaneceram produzindo podem ser considerados sobreviventes.

As dificuldades eram tantas que os procedentes de outros Estados trocaram suas glebas por uma passagem para poder regressar ao ponto de partida. Os acreanos foram povoar a periferia das cidades. Muitos morreram.

“Aqui era apenas sofrimento. Ninguém falava em estrada. Era apenas sofrimento para todos nós”, disse Abel, arrancando aplauso das centenas de famílias que foram prestigiar a solenidade de inauguração na localidade chamada Santana, no quilômetro 14 a partir de Plácido de Castro.

No local não estavam apenas convidados ou autoridades. Famílias inteiras largaram as atividades na agricultura para prestigiar uma inauguração esperada durante trinta anos. Havia também os ambulantes, que esperavam faturar um dinheiro a mais com a venda de água, refrigerantes e salgados.

“Sempre que tem festa aqui, meu patrão me traz de carro de Plácido de Castro com o carrinho cheio de água e refrigerante. Sempre vendo bem”, comentou o vendedor Sebastião Maia da Silva, 40.

Mas as pessoas não estavam de olhos nos vendedores de produtos industrializados. Estavam com os olhos pregados nos discursos. Foi assim que ouviram quando Abel Alves falou sobre as dificuldades enfrentadas por todos. Segundo ele, os obstáculos eram tantos que ninguém plantava, nem colhia ou criava porque não tinha para quem vender. Hoje, comentou, o pessoal poder plantar e criar porque tem para quem vender.

“Também temos tudo no campo. Temos luz, geladeira e televisão. Só vai para a cidade quem quiser. Tudo isso graças ao ex-governador Jorge Viana, ao governador Binho Marques e ao presidente Lula, que olham para os pobres”, afirmou, enquanto era observado pela esposa Clemensa, que concordava com a cabeça.

“Como todos os nossos filhos casaram, é ele que ainda vai para a roça cuidar da plantação. Eu vou, mas ajudo muito pouco”, comentou a mulher.