Aos 40 anos, o capixaba Cajau Antonelli, resolveu dar uma guinada em sua vida profissional; largou o emprego público para se aventurar nas estradas brasileiras
Você já se imaginou pedindo demissão de seu emprego público e estável para trabalhar como caminhoneiro? Pois é, o portal Estradas traz hoje uma entrevista com o capixaba Cajau Antonelli, que resolveu, aos 40 anos, abandonar sua função na Secretaria de Justiça do Espírito Santo para ser mais um caminhoneiro, entre os cerca de dois milhões de profissionais que existem no país?
Atualmente, com 45 anos, ele diz que não se arrepende da mudança profissional que tomou e está feliz com seus ganhos. Formado em Direito, em 2012, Cajau preferiu a vida na boleia aos casos em fóruns e delegacias. Optou pelo traje informal – bermuda e camiseta – ao formal – terno e gravata.
Além disso, Cajau tem uma legião de fãs que o seguem – são mais de 100 mil pessoas – no seu canal no Youtube para saber como é o dia a dia dele na boleia de sua carreta Mercedes-Benz Actros. “Ser caminhoneiro é muito legal, é muito bacana mesmo. Agora, ser um influenciador digital é gratificante. Tenho me envolvido a cada dia com meus seguidores, mesmo que virtualmente”.
Mesmo diante das dificuldades pelas quais Cajau passa em suas viagens, uma coisa compensa: é saber que seu trabalho é muito importante e é essencial para a economia do país. “Pelas nossas janelas, a gente vê paisagens diferentes todos os dias. Lugares muitos bonitos, lugares diferentes, lugares que a gente nunca imaginou passar. E a gente sabe que as cargas que transportamos são muito importantes pra quem envia e pra quem recebe”.
Veja um pouco mais sobre a vida de Cajau Antonelli:
1 – Quando e como iniciou na vida de caminhoneiro?
Eu comecei na minha vida como motorista de caminhão meio que por acaso. Foi quando tive que trocar minha categoria da CNH. Eu trabalhava como inspetor penitenciário e precisava da categoria D para dirigir uma van. Fui e tirei. Depois, num outro momento, resolvi mudar para a categoria E. Foi mais um passo na minha vida profissional. Já de posse da carteira nova, tirei férias e meu primo me convidou para viajar com ele, de caminhão! No meio do caminho, ele parou a carreta Scania e falou assim pra mim: “Senta aqui agora, você é quem vai dirigir”. Eu até assustei e não quis; mas acabei pegando o volante. A gente estava indo carregar no norte do Espírito Santo. Eu fui pegando o gosto e conversamos muito a respeito da profissão.
Eu já tenho na família vários caminhoneiros. Meu pai era, meu avô era e meus tios e alguns primos são carreteiros. Enfim, eu até disse que não ia largar meu emprego pra trabalhar como caminhoneiro, mas aconteceu. E eu gostei muito. Eu era servidor do Estado, me desliguei e agora, estou na estrada. Pretendo ainda comprar meu caminhão. Não sei quando vai acontecer, mas estou empenhado nisso.
E tudo isso aconteceu em 2014, quando eu tinha 40 anos de idade. Eu troquei a CNH em março daquele ano, e, em maio já estava empregado na empresa onde estou até hoje. Ela abriu as portas para mim, me deu a oportunidade de trabalho. Agradeço a ela.
2 – Qual é a melhor parte de ser caminhoneiro?
Para mim é renda. Tem gente que fala que a melhor parte é por causa da liberdade. Não é o meu caso. Esse trabalho me proporciona uma renda melhor do que eu ganhava. Afinal, no fim do mês, a gente tem que fechar as contas, não é? Então, aqui me dá um retorno financeiro bom.
3 – E a pior?
São as privações. A gente perde muitas datas comemorativa em família. Felizmente, eu não fico mais que uma semana longe de casa. Eu não consigo me ver numa situação dessa. Sinceramente eu vou fazer de tudo para evitar isso. Eu já fico uma semana fora de casa e fico doido. Eu vejo muitos colegas que não têm vida social nenhuma. Então, o cara fica escravo da profissão, do caminhão. Ele vive livre, mas mora no caminhão. E, com isso, adquire hábitos estranhos demais. Eu acho que ninguém devia passar por isso.
4 – Por que iniciou seu canal no YouTube e como tem sido a experiência?
Eu comecei como usuário comum em 2009, e como usuário mais dedicado, a partir de 2012. Eu estava com 37 anos e comprei a primeira moto; eu queria fazer algo inspirado por alguns youtubers que já existiam na época, uns dois ou três, que eu seguia, que me inspiraram. Eu tinha umas ideias legais, na época. Eu dou muito valor ao conteúdo. Eu sei que têm alguns moleques que ficam fazendo bobagens. Então, prefiro nem assistir. Quando eu comecei, comprei minha câmera e a moto, e consegui juntar 12 mil pessoas que me seguiam. Na época, trocava umas ideias bacanas. Eu era conhecido como polêmico; o Cajau polêmico. Realmente já tomei alguns puxões de orelha do próprio Youtube, por causa de alguns temas que eu abordava. Mas, eu estou na área.
Quando eu fui trabalhar com caminhão, só troquei o cenário da moto para o caminhão. E fiz mais sucesso. Está sendo uma experiência boa pra mim. Eu procuro focar mais na construção moral das pessoas. Eu posso não ter uma produção cinematográfica aqui, mas eu estou mais preocupado em oferecer um conteúdo que vai ajudar alguém. Eu penso assim.
Fico pensando: como será que eu vou estar no futuro? Eu vou sentir orgulho do que eu estou fazendo hoje? Como será que eu vou estar daqui a dez anos? Vou sentir orgulho do que eu sou hoje? Eu tenho sempre essa preocupação. Procuro dar o melhor exemplo, fazer hoje algo que eu não vá sentir vergonha lá na frente. Tenho 45 anos nas costas e não tenho que esperar mais dez anos para saber. Quero fazer o que é certo hoje, não é? Sou uma pessoa de bom caráter. Eu nunca posso perder esse policiamento sobre o que estou fazendo. Sou muito crítico comigo mesmo e pego muito no pé da galera.
5 – O que aconteceu de mais gratificante como youtuber?
Quando eu comecei a fazer uma leitura do que eu estava fazendo, a ficha caiu. Conversei com a minha esposa e disse: eu estou sendo chamado de influenciador digital. Com isso, um monte de empresa tem investido muita grana no meu trabalho; estão me convidando para fazer viagens, tudo bancado por essas empresas. Então, para mim, é um reconhecimento, uma satisfação pessoal muito grande. Meu trabalho está sendo reconhecido. Estou formando opinião, não é? Estou dando um recado ao pessoal, um bom exemplo, sem querer ser melhor do que ninguém.
Mas, às vezes, vejo uns canais que têm 280 mil seguidores, 300 e poucos mil seguidores, e o meu só tem 100 mil. Então, começo a assistir e me dá nojo, porque esses canais estão formando futuros porcarias. Como vão ser motorista de caminhão no futuro desse jeito? Fico muito triste de ver que tem muita gente que segue essas pessoas. Eu acho que esses canais deveriam ser fechados, porque promovem um verdadeiro desserviço para a sociedade. Isso, sim, é apologia ao crime. Enfim, meu sentimento como youtuber é de gratidão. Participar disso tudo, ser considerado um influenciador digital, tendo só 100 mil seguidores e ser reconhecido desse jeito, me deixa muito satisfeito.
6 – Qual sua prioridade no canal?
É dar bom exemplo. Quando eu comecei a criar os conteúdos, eu queria criar lembranças do meu presente. Eu chamava assim: são lembranças do meu presente. Então, era coisa para mim mesmo. Pensava em fazer um portfólio para eu ver daqui a dez anos; rever e lembrar desse tempo. Só que tomou uma roupagem legal. Quando eu percebi, já estava envolvido nisso. Estava trilhando por um caminho que não tinha mais volta. Me sinto responsável por isso. É como tipo o “Homem-Aranha”, que adquiriu poderes. Eu tenho poderes, mas tenho também muitas responsabilidades. Tenho que dar bom exemplo sempre. Se eu consegui mudar o comportamento de ruim pra bom de dez, 15, 20 jovens que vão começar na nossa profissão no futuro, então já estou me sentindo realizado. Esse é meu objetivo. É servir realmente como uma influência boa.
7 – Como é a relação com os seguidores?
Eu sempre falo isso. Estou sempre batendo nessa tecla e procuro ser o mais transparente possível no meu canal. Eu não criei um personagem. Porque quando você cria um personagem, você tem que dar uma vida ao personagem para agradar às pessoas. Tem que estar sempre alimentando o personagem, independentemente de como você esteja se sentindo no momento. Porque as pessoas seguem o personagem. Se você não fizer o que as pessoas esperam, elas te reprovam. Mas quando você é você mesmo, não precisa fingir nada. Você pode estar zangado, alegre, não importa. Então, eu sou desse jeito. Quem me conhece pessoalmente, sabe disso.
8 – Quais suas três dicas de segurança mais importantes para os usuários das estradas, não importa o tipo de veículo que dirijam?
Atenção total no trânsito e respeitar a legislação. Todo mundo tem que respeitar os limites. Sei que o que estou falando é chover no molhado, é algo que todo mundo já sabe, mas precisamos colocar em prática. Mas, uma coisa mais importante, além da responsabilidade do condutor, é a fiscalização. Eu acho que é muito precária. Sei de alguns casos que passam na cara da fiscalização e ela não faz nada. Os caras continuam praticando irregularidades, modificam os caminhões do jeito que querem e mostram para a sociedade que podem fazer que não dá em nada. Basta não deixar a PRF pegar. Às vezes, eles (PRF) estão lá fazendo uma fiscalização e não tem como fazer vista grossa. Aí eles pegam. Mas, quanto mais eles puderem fazer vista grossa, eles vão fazer, infelizmente.
9 – Como é ver companheiros de estrada morrendo por irresponsabilidade de outros motoristas?
Então, a gente trafega na mesma estrada e acaba tendo essa preocupação. Deus me livre. Lembro do acidente que a mulher perdeu o controle do carro dela numa reta e ela veio pra cima do meu caminhão. Não tive tempo de nada. A minha sorte, vamos dizer assim por questões jurídicas, é que atrás do carro dela tinha uma kombi e mais atrás uma viatura da Polícia Militar do Espírito Santo. Eu estava a uns 80 Km/h e o PRF viu no tacógrafo. Ela bateu de frente e morreram ela, a mãe dela e a neta dela. Isso aconteceu em 21 de dezembro de 2017. Vai fazer dois anos. Foi muito triste mesmo. Acho que ela teve um mal súbito. Parece que autópsia depois revelou isso. Falei com minha esposa: já pensou se fosse um caminhão? Eu penso muito nisso. Se fosse um outro caminhão e o motorista tivesse um mal súbito, não é? É complicado. É algo que não tem resposta. Eu procuro não pensar nisso, porque senão não trabalho sossegado.
Ainda com relação a resposta, a gente que é do bem quer descobrir uma fórmula mágica para acabar com isso tudo. Porque a gente quer ver as coisas boas acontecendo e não somente as ruins. Então eu tenho certeza absoluta que a gente tem que continuar a falar em conscientização, tem sempre que chover no molhado, ou seja, ficar lembrando o pessoal sobre a segurança. Outra coisa, é a reciclagem. A pessoa que já tirou habilitação tem que passar por uma reciclagem. Ela tem que receber um ‘choque’, para se conscientizar sobre o que está fazendo errado. A turma do bem tem que estar sempre empenhada para tentar diminuir ao máximo esses acidentes.
10 – Na hora de carregar e descarregar você acha que os caminhoneiros são respeitados e oferecem condições dignas para esperar?
Eu vivi recentemente uma situação parecida. Rodei praticamente a noite toda, estava com sono e cheguei no local de madrugada. Parei para descansar, dormi só três horas e acordei para carregar o caminhão para não furar o agendamento que eu tinha. Às vezes, a gente carrega, mas a nota fiscal demora para sair. Não depende deles ali, mas sim do lugar que gerou a nota, na receita. Outra situação é quando você precisa usar o banheiro. Eu já carreguei na Votorantim Cimentos de Cantagalo, no Rio. Olha só, nem banheiro de boteco, daqueles botecos de quinta categoria é sujo igual o banheiro da Votorantim. Não tem ninguém para limpar. Você tem que botar uma camisa no nariz pra não vomitar de tanto mal cheiro. É horrível. É uma imundice. Eu não sei como uma empresa como a Votorantim Cimentos oferece um trem desse pra gente. É um descaso mesmo. Parece que a gente não existe, que não temos importância nenhuma. Eles estão pouco se lixando, entende? Então, assim é o Brasil inteiro praticamente aonde você tem uma condição melhor digna. é onde você paga. Agora, nas empresas são muito poucas as que oferecem uma condição digna.
11 – Depois da exigência do exame toxicológico você acredita que muita gente deixou de usar drogas?
Sim e tornou as estradas mais seguras. O objetivo principal da lei foi tirar de circulação possíveis condutores usuários de substâncias psicoativas; o secundário é mais humanitário; é você deixar de usar droga. Segundo eu fiquei sabendo quase um milhão e quinhentos mil motoristas profissionais, deixaram de renovar a CNH nos últimos anos. São pessoas que, ou foram reprovadas ou sabendo que não passariam preferiram rebaixar sua categoria de profissional para amador. Então eu acredito que isso seja realmente reflexo da exigência do exame toxicológico. Com relação às empresas, muitas delas estão mais bem organizadas e exigem dos motoristas o exame toxicológico. O motorista tem que fazer para conseguir o emprego.
Nesse sentido, eu acredito que tenha diminuído bastante o uso de drogas, porque a pessoa para conseguir o emprego, vai ter que escolher: ou para de usar drogas ou fica sem trabalho. Quem conhece de perto, sabe que não é fácil deixar o vício, então o exame estimula o motorista a deixar as drogas. Mas também acho que é preciso o Governo fiscalizar a qualidade dos laboratórios. Para não ficar como os exames médicos para motoristas profissionais que deixam muito a desejar.
12 – Como é a relação com a família ficando tanto tempo fora de casa?
Algumas vezes, eu precisei ficar oito dias fora de casa. Certa vez, minha mulher me perguntou assim: “Tem como você mandar sua localização pra mim?” Eu mandei por meio do WhatsApp. Ela pegou a minha localização, traçou uma rota de casa até onde eu estava, tirou a print e mandou pra mim, dizendo. “Estou te mandando isso, caso tenha esquecido o caminho de casa”. Graças a Deus, eu não fico mais que uma semana fora de casa.
13 – Em que mídias as pessoas podem ver seus vídeos e entrar em contato?
São três: no YouTube, onde eu coloco meus vídeos; no Facebook, onde falo sobre vários assuntos, brinco com algumas coisas, gosto de usar de ironia em algumas coisas pra dar graça. Acho que dessa forma chama a atenção de alguém pra alguma coisa. Tem a minha cara. Também falo sobre política. Sou bastante politizado, sou de direita. Mas, não passo pano para ninguém. Se eu vir algo errado, serei contra. Já fui de esquerda, mas hoje sou de direita. Uso o Facebook para conversar com as pessoas; já, no Youtube não posso fazer isso por causa das regras da comunidade. Eu uso também o Instagram como minha vitrine profissional, mesmo porque a maioria das agências que entra em contato comigo é por meio do Instagram. Então ali, tenho que ser bonitinho. É meu portfólio. Tenho que mostrar os trabalhos mais sérios, fazer uma média com meu patrocinador. Meus perfis são abertos. Basta a pessoa me seguir para ver meu conteúdo.
14 – Qual a situação mais inusitada que já presenciou ou vivenciou nas estradas?
Uma coisa que eu me lembro, não é uma situação inusitada, mas alguma coisa que eu me lembro com orgulho foi numa noite que estava chovendo demais da conta. Era por volta de onze e pouco da noite e estava na estrada, difícil de enxergar e me deparei com uma moça numa ‘motinha’, dessas Bis. Ela parecia ter uns 14 anos de idade por causa da estatura. Parecia uma criança. E não estava conseguindo se manter reta na estrada. Acho que a pista estava escorregadia demais. A gente que tá acostumado com a estrada, sabe que quando começa a chover, a pista fica escorregadia porque tem muita sujeira, muito óleo derramado.
Pois bem, eu segurei a velocidade na BR-101 a 30 Km/h como era pista simples, naquela época, então não dava para ultrapassar. Ela ficava indo na faixa branca e na faixa do meio. Atrás de mim, tinha um monte caminhão e começaram a questionar pelo rádio o que que estava acontecendo. Eu falei que tinha uma menina numa moto e que não dava para ultrapassar. Eles me disseram que não tinham nada a ver com isso e que estavam com o horário atrasado. Eu resolvi ficar atrás dela, dando proteção. A próxima cidade era uns 20 quilômetros mais ou menos; era Rio Novo do Sul.
Então, fiquei lá, até chegar em Rio Novo, quando ela entrou no acesso da cidade. Depois acelerei e disse aos colegas: “Agora vocês podem ficar sossegados, a menina já entrou para a cidade”. Eles não gostaram muito do que eu fiz, mas eu achei que eu tinha cumprido com o meu dever naquele momento ali de proteger aquela pessoa. Me senti no dever cumprido naquele momento. Como diz a lei: “os maiores zelam pela incolumidade física dos menores na estrada”. Trabalho com um caminhão pesado, então sou responsável pela segurança de todos os outros.
15 – As estradas são bem sinalizadas em sua maioria?
Eu trabalho na região Sudeste, que é bem privilegiada com relação a isso? Aqui, no Espírito Santo, todas as estradas são muito bem sinalizadas, tanto nas sinalizações verticais, quanto nas horizontais. No Rio de Janeiro eu também não tenho do que reclamar. Assim, como em Minas Gerais, onde a sinalização é farta e suficiente. Eu sei que não é a realidade do restante do país.
16 – Em termos de conservação, onde estão as piores estradas?
Eu sei que a maioria das estradas aqui no Rio de Janeiro é péssima. Mas eu não trafego por elas. Sei que Minas Gerais também tem muita estrada ruim, mas nas que eu preciso rodar, não são.
17 – Como o senhor vê a PRF, atualmente?
Eu não vejo (risadas). Eu passo todos os dias em frente aos postos de fiscalização da PRF, mas nunca fui parado, mas gostaria de ser. Sou inscrito de um canal de vídeos da PRF. Vejo as ações que eles gravam naqueles filmes. Eu sei que a PRF trabalha, faz o que tem que fazer. Sei que faz grandes apreensões. Mas, não sei responder como eu vejo a PRF. Não vou criticar a instituição. Eu sou amigo da instituição, sou a favor. Mas, volto a dizer que nunca fui parado numa fiscalização. Isso não significa que a PRF não faz nada. Eu sei que faz. Mas eu acho que não faz com a quantidade de vezes que eu gostaria que fizesse.
Acho que a cada dez caminhões que param, nove vão ter um problema. Por isso, eu acho que a PRF tem evitado esse desgaste. Acho que a Polícia Rodoviária sabe dos problemas que existem no país e só pega os casos que são complicados. Eu acho que eles (policiais) tinham que sair da casinha (posto policial). Eles ficam muito na casinha. Eu tenho essa reclamação para fazer. Já liguei algumas vezes para denunciar algum veículo que estava cometendo besteiras e depois percebi que o tal veículo passou em frente ao posto e não foi parado. Infelizmente, é assim que acontece
18 – Por que ocorre tantos acidentes nas estradas brasileiras?
Antigamente, falavam que as estradas eram precárias, ruins, sem sinalização, sem acostamento. Agora, você pega uma rodovia duplicada, cheia de defensas, sinalização, radar, mas os acidentes continuam acontecendo. Então, a culpa é das estradas? Não. Quem está dirigindo os veículos é quem provoca os acidentes. Essas pessoas ignoram as leis de trânsito e, com isso, os acidentes acontecem.
19 – O Poder Público tem ajudado os caminhoneiros?
Eu acho que o poder público quer acabar com os caminhoneiros. Acho que só a iniciativa privada tenta ajudar. Lógico que existe a preocupação do poder público, como a Polícia Rodoviária Federal. Eu tenho certeza que eles promovem debates. Mas, eu acho que deviam colocar um pouco mais em prática. Porque ficar lá discutindo no microfone não resolve nada. Só lembrando que eu tenho cinco ano e meio de estrada e nunca fui fiscalizado.
Enfim, não quero ficar repetindo, mas o poder público não está fazendo nada. Colocar na cartilha e apresentar em power point para ganhar prêmio não vai resolver. A gente reclama das mesmas coisas: não temos segurança, não temos ambiente legal para pernoitar. Nós dependemos da iniciativa privada, do posto de gasolina, não é? Tem uns que cobram; outros, não.
Acho que o poder público quer acabar com esse modal; quer acabar com o caminhão. Acho que é isso que quer pelo que tenho assistido algumas coisas. Eu não penso num futuro bom. Acho que só as grandes empresas vão sobreviver. A cada dia, está pior para o autônomo. Acho que isso é o fim do caminhoneiro autônomo.
20 – Boa parte da população ainda não vê os caminhoneiros com ‘bons olhos’, por que?
Eu não sou maltratado, inclusive esses dias dei carona para uns alunos do Instituto Federal do Espírito Santo, que é uma escola técnica, onde meu filho estudou. Então, eram dez da noite, e eu vi alguns alunos na beira da estrada, próximo à entrada do campus Rive, pedindo carona. Então, eu parei e eles entraram. Durante a conversa, eu falei que era formado em Direito; e eles acharam interessante. Enfim, trocamos ideias e falei do meu canal no Youtube. Sou uma pessoa diferenciada. Eu falei justamente sobre isso. Só que eu conversei muito com eles. Eu sei que as pessoas têm preconceitos com os caminhoneiros, mas é porque a maioria é de baixa escolaridade, não sabe se expressar. Sei que tem gente boa, mas pelo fato de não saber se expressar, acaba provocando uma reação negativa de quem nos vê. Enfim, muita gente sofre com o preconceito. A falta de convívio social se dá porque a pessoa fica o tempo todo dentro dum caminhão; ela acaba não tendo acesso à informação, aos jornais. E aí acaba ficando tão restrito àquele mundinho dentro da boleia. Ele tão restrito às mensagens rápidas de WhatsApp, que só desinforma. O cara não sabe se expressar. Eu vejo muito isso nos grupos. Eu busco informações verdadeiras. Então, não é só caminhoneiro que passa por isso, várias outras categorias também passam. Infelizmente, tem muitos caminhoneiros que vivem no seu mundinho, onde só pensam em carregar e descarregar… carregar, descarregar…e não pensa em outra coisa.
Eu gostaria de acrescentar uma coisa. Toda vez que o jornal, a rádio ou a TV fala de motorista de caminhão é para falar mal; é para criticar que são os monstros que usam drogas etc. Agora, porque quando bate um carro no outro, a notícia não tem tanta repercussão? Quando é um acidente envolvendo caminhão, parece que caiu um avião. Mas quando o avião cai, não falam se o piloto estava drogado, se estava bêbado ou aquilo outro, se o piloto estava em excesso de velocidade ou se fez uma curva fechada. Isso, eles não falam. Mas, no caso de acidentes com caminhão, vão logo em cima do motorista. Isso vai formando uma sociedade preconceituosa com relação a nós.
21 – O que é preciso ter para se manter na estrada sem grandes estresses?
Você tem que estar conectado com a sua família. Você tem que ter uma família. Eu tenho graças a Deus, a minha família, meu convívio familiar. Eu tenho esse privilégio de estar em casa de três em três dias. Então, tenho esse privilégio de trabalhar perto de casa; de ter esse contato, de participar das coisas lá de casa, de me programar para fazer alguma coisa em família. Eu consigo trabalhar tranquilo com relação a isso aí sem preocupação. Agora, vou fazer uma viagem mais longa. Para descansar um pouco, porque quando fazemos uma viagem longa, a gente não mexe na carga, mas, sim o pessoal que carrega e descarrega. Então, eu tenho essa conexão com a família e esse convívio social que me ajuda no dia a dia. Diferente de quem fica um mês fora de casa. Esse cara fica até perigoso. É complicado.
22 – Ainda compensa ser caminhoneiro no Brasil?
Compensa, sim. A não ser que você tenha outra opção e o mercado estiver a seu favor. Mas se não tiver outra opção, então, você terá que ser motorista de caminhão, desde que esteja qualificado pra isso. Se fizer aquilo que você gosta, tudo bem. Mas tem que compensar financeiramente. Eu estou aqui por causa do retorno financeiro. Quando eu trabalhava no Estado, eu tinha um salário fixo, estava todo os dias em casa e tal.
Mas, no caminhão, estou conquistando muito mais com relação ao que eu conseguia. Trabalho muito mais, porque é um serviço praticamente braçal. E não tenho os mesmos privilégios. Mas, eu estou ganhando melhor. Eu quero ter meu próprio caminhão e estou planejando isso. Quero poder trabalhar mais tranquilo.
23 – Qual a dica para quem quer iniciar na carreira?
Eu tenho alguns vídeos no meu canal dando orientações sobre isso. As pessoas perguntam sempre: como eu vou começar a carreira numa empresa que pede experiência? Sempre existe uma maneira. Eu comecei por meio de uma indicação. O meu primo foi meu padrinho, no caso. Então, pra você começar do zero, você tem que ter alguém que te indica. Depois que me deram a oportunidade, eu fiquei dez dias treinando com outros motoristas, andando junto, até a empresa me dar um caminhão para eu trabalhar sozinho.
Agora, um outro conselho mais amplo: você tem que proceder direito, obedecer às normas da empresa, do cliente, do fornecedor da empresa. Além disso, você tem que zelar pelo pela boa manutenção do veículo, estar sempre de olho na legislação.
Além disso, e tão importante, é você ficar atento no trânsito, obedecer às autoridades e aquilo que se exige de um bom profissional.
24 – O que poderia ser feito para melhorar a vida dos caminhoneiros?
Então é difícil. Eu queria que algo fosse feito realmente para proteger a gente. Que a gente não precisasse gritar, que cumprissem a lei, e a empresa que não cumprisse fosse penalizada com multas, como acontece na Europa. Já que o Brasil gosta de copiar as coisas da Europa, porque não copia a Legislação de lá?
Outra coisa é a lei do motorista, que precisava funcionar realmente, ou seja, rodar no horário certo, descansar no horário certo.
Eu acredito que se o motorista tiver seu horário certo, ele vai trabalhar menos fadigado; vai ter mais descanso; vai ter uma remuneração melhor. A gente tem que trabalhar muito para ganhar um pouco mais, porque ganhamos por comissão. Se não trabalhar, não ganha. O empresário não sabe que ele tem a obrigação de pagar o mínimo para o motorista? Ele finge que não sabe.
Aliás, motorista profissional não existe nenhuma definição do que é motorista profissional. O que existe é motorista. Motorista pode ser qualquer um. O que está é motorista, mas não diz se ele é profissional ou não. Enfim, parece que não existe uma regulamentação para nós, os caminhoneiros. Se tivesse uma lei que realmente protegesse nossa classe, como existe na Europa, nos Estados Unidos, já começaria a andar melhor as coisas pelo menos. Eu sei que não resolveria muito para o autônomo. Mas o autônomo teria a lei do descanso que ele seria obrigado a submeter-se para trabalhar; ele trabalharia menos fadigado. Eu acredito que os fretes seriam melhores.
Penso que tinha de ser algo bem estudado, bem feito e bem elaborado, e sei que essas coisas não acontecem de hoje pra amanhã. Então, eu acho que é por aí. Eu não consigo vislumbrar coisa melhor que pudesse ser feito para nossa classe.
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