Criada em 1923, pelo presidente Washington Luiz, ainda com o nome de “Polícia de Estradas”, a Polícia Rodoviária Federal (PRF), é uma das instituições públicas bem avaliadas pela população do país. Quase sempre as notícias sobre os agentes de bege são positivas, com o atendimento a acidentes, ou apreensões de drogas ou material de contrabando.

Atualmente a PRF está espalhada por todo o Brasil, com 156 delegacias, 390 pontos de fiscalização, e um efetivo de mais de 8 mil homens, que patrulham 61 mil quilômetros da malha rodoviária federal. No Rio Grande do Norte, existem hoje cerca de 220 policiais rodoviários federais, e o conceito junto à população segue a mesma tendência positiva de todo o país.

Mas nesta última semana, a TRIBUNA DO NORTE recebeu informações de que nem tudo estaria correto na PRF local. As denúncias dizem respeito principalmente a uma indústria de multas surgida e incentivada com a criação de uma lei que estabelece critérios para a avaliação dos agentes. Uma outra denúncia, atinge diretamente o superintendente local, o inspetor Charles Lindemberg Magalhães, cuja nomeação poderia ser irregular, conforme outra lei federal.

A segunda denúncia, caso seja confirmada – já que existe um embate judicial em andamento – pode ser mais significativa que o fato de um cargo estar sendo ocupado de forma ilegal. Se a nomeação irregular for confirmada, pode vir a anular todas as multas aplicadas em rodovias federais no RN, desde 1996, quando o superintendente assumiu a função.

A informação da existência da indústria das multas e da suposta irregularidade da nomeação do inspetor Lindemberg foi corroborada pelo Sindicato dos Policiais Rodoviários Federais do RN, que inclusive já denunciou tudo ao Ministério Público Federal, através de ofícios enviados este ano e em 2007.

Em 1980, o decreto de número 84669 regulamentou a progressão funcional nos quadros da PRF, estabelecendo critérios para a avaliação de desempenho operacional. Através de pontos negativos e positivos, são contabilizados ações como apreensões de armas, ou um bom atendimento ao público tem um valor em pontuação. Um dos critérios é o de aplicação de multas.

Quanto mais pontos o policial tem, maior a probabilidade de progressão na carreira, além de benesses, como escolher o mês das próprias férias. “Claro que é necessário estabelecer critérios para avaliar o policial. O problema é que o único critério que se observa atualmente é o número de multas”, disse Aurélio Rodrigues, diretor jurídico do SindPRF.

Há de se levar em conta o fato de as atitudes de desempenho terem pontos diferenciados. Uma apreensão de arma vale 150 pontos, enquanto aplicar uma multa de infração gravíssima, vale 7. Mesmo assim, alguns policiais têm se destacado por terem se tornado verdadeiros campeões em multas aplicadas, conseguindo as vantagens previstas na norma.

Tal fato já foi denunciado ao MPF, citando inclusive o posto onde o policial “vencedor” atuava. “É isso o que acontece. A tabela acabou criando um incentivo para a aplicação das multas”, ressaltou o agente Aurélio. A bem da verdade, é muito mais fácil encontrar alguma irregularidade na documentação ou na atitude de um condutor, do que drogas ou armas escondidas no veículo.

Multas podem ser contestadas

Quanto à nomeação do superintendente da PRF no Rio Grande do Norte, Francisco Charles Lindemberg Magalhães Pires, esta é alvo de mais um embate de normas e leis. Segundo o diretor jurídico do SindPRF, uma lei federal determina que só pode assumir a superintendência o policial antigo na carreira, que seja inspetor por tempo de serviço.

No caso de Lindemberg (chamado de inspetor por convenção criada há muito tempo, como são chamados também todos os outros agentes), o tempo de carreira é de apenas doze anos, o que o torna agente especial, e não, inspetor. Desta forma, ele não poderia ter assumido a função, no início de 2006.

Ocorre que, enquanto uma lei federal não permite, o regimento interno da PRF prevê que qualquer policial rodoviário pode assumir a função maior de cada regional. “Só que o regimento interno não pode se sobrepôr a uma lei federal. Por isso a permanência dele na superintendência é ilegal”, defendeu Aurélio Rodrigues, do SindPRF.

Aurélio explica ainda que burocrática e juridicamente, é o superintendente que aplica a penalidade da multa e que o policial na pista apenas assina o auto de infração. A conseqüência é que, se o inpetor Lindemberg estiver mesmo exercendo função irregular, conseqüentemente, as multas aplicadas no RN desde sua nomeação, podem não ter validade.

“O que ocorre é isso. Todas essas multas podem ser contestadas judicialmente”, acrescentou Aurélio. Mas segundo o mesmo sindicalista, o próprio regimento interno da PRF permite em um dos seus artigos que qualquer agente assuma a superintendência. A suposta irregularidade sobre a nomeação do inspetor Lindemberg também já foi denunciada ao Ministério Público Federal.

Inspetor nega irregularidades

O ocupante da função maior da PRF no estado, recebeu a reportagem da TRIBUNA DO NORTE bastante tranqüilo. Não se mostrou surpreso com as denúncias, que julgou terem sido motivadas por objetivos menores. “Isto faz parte da minha função. Nós tentamos fazer um bom trabalho, mas nem todo mundo concorda”, disse o superintendente.

O inspetor Lindemberg negou veementemente a existência das duas irregularidades. Alegou que os critérios mais importantes para a progressão na carreira dos policiais são aqueles diretamente ligados ao impedimento de acidentes e ao combate da criminalidade. Quanto à própria nomeação o, superintendente usou a Constituição para defendê-la.

Segundo ele, a DPRF dá mais importância a outros critérios da avaliação de desempenho dos policiais. “Tanto que a aplicação de multas, e para infrações gravíssimas, gera apenas 7 pontos. A apreensão de armas, por exemplo, gera 150”, disse. Um outro argumento do superintendente para comprovar que a multa – por gerar receita à União – não é o principal requisito para a avaliação, foi o número de penalidades aplicadas ao longo dos últimos anos. A quantidade de multas aplicadas vem caindo. Em 2005, os policiais do RN aplicaram 29.291 multas, contra 25.494 em 2006 e 23.462 no ano passado.

“Isso porque estamos fazendo um trabalho mais educativo. Além de termos reforçado a parte de combate à criminalidade”, disse o inspetor Lindemberg. Para corroborar a tese, ele mostrou outros números. Segundo informou, a PRF prendeu em 2005, 167 pessoas. Em 2006 este número subiu para 411, e no ano passado, 673 receberam voz de prisão no Rio Grande do Norte.

No caso da nomeação, o superintendente citou o artigo 37 da Carta Magna, segundo o qual, a entrada no serviço público depende de concurso, com exceção para cargos em comissão, que são livres de nomeação ou exoneração. “? o caso do cargo para superintendente. Em tese, não seria necessário sequer ser policial rodoviário para exercer a função. Claro que é indicado que seja”, disse o superintendente.

Ainda segundo o inspetor Lindemberg, dos 24 superintendentes de todo o país, apenas três ou quatro são inspetores por tempo de carreira. Ele alegou ainda que sua nomeação foi assinada pelo ministro da Justiça, Tarso Genro. Ele mostrou ainda uma ação iniciada por um potiguar que foi multado em uma rodovia federal, e alegou a suposta irregularidade da nomeação do superintendente para derrubar a multa. Na decisão, o magistrado indeferiu a liminar.