MAIS PRAZO: Motoristas usuários de drogas, que não realizaram o exame toxicológico periódico obrigatório, ganharam mais tempo para continuarem irregulares, graças à Deliberação 268/23 publicada nesta sexta (30), pelo ministro dos Transportes, Renan Filho (destaque). Foto: Divulgação

Motoristas usuários de drogas, que não realizaram o exame toxicológico periódico obrigatório, ganharam mais um prazo para continuarem irregulares com a publicação da Deliberação Nº 268, nesta sexta-feira (30), pelo ministro dos Transportes, Renan Filho, no Diário Oficial da União.

A lei 14.599, sancionada no dia 20 de junho deste ano, prevê que a multa para quem está com exame toxicológico vencido entre em vigor neste dia 1º de julho. A mesma norma, determina no seu Parágrafo único.

O Conselho Nacional de Trânsito (Contran) estabelecerá o escalonamento, não superior a 180 (cento e oitenta) dias, contados a partir do dia 1º de julho de 2023, da realização dos exames de que trata o art. 148-A da Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 (Código de Trânsito Brasileiro), pelos condutores das categorias C, D e E que tenham a obrigação de realização do exame toxicológico periódico a partir de 3 de setembro de 2017.

Entretanto, sem explicar a fundamentação legal, o ministro Renan Filho determinou, como presidente do Contran, ad referendum, na citada Deliberação 268 que:

Art. 2º Os condutores das categorias C, D e E que tinham obrigação de realizar o exame toxicológico periódico de que trata o § 2º do art. 148-A do CTB, desde 3 de setembro de 2017, deverão realizar o referido exame até 28 dezembro de 2023.

Com isso, o recado que o ministro passa é que motoristas, que até hoje não cumpriram a lei, ganham mais tempo para trafegarem sem o exame obrigatório, que detecta quem usa regularmente drogas nos últimos 90 dias, além de ficarem livres da multa de R$ 1.467,35.

Motorista com exame vencido matou professora de 37 anos e seu filho de 7 anos

No dia 8 de abril, familiares, amigos e alunos da professora Vanessa Maciel, estiveram no seu enterro e de seu filho, Pedro, em Ponta Grossa (PR). Eles morreram na BR-376, em acidente provocado por um caminhoneiro, que colidiu com 19 veículos.

Além do caminhão apresentar numerosos problemas de manutenção, o condutor estava com exame toxicológico vencido havia mais de dois anos e não poderia estar dirigindo.

O pai de Vanessa e avô do Pedro, Lauro Maciel, comentou sobre a decisão do governo: “No Brasil cada vez mais estão beneficiando quem não cumpre a lei. O motorista que matou minha filha e neto estava com exame toxicológico vencido há mais de dois anos. Ele não poderia estar dirigindo e deve ser condenado por isso. Ele tem família e eu também. Estamos sofrendo muito.”

VÍTIMAS: Professora Vanessa, 37 anos, e seu filho Pedro, 7 anos, morreram no acidente, no Paraná, causado por um caminhoneiro que estava com o exame toxicológico vencido há dois anos. Foto: Reprodução/Redes Sociais

Já o coordenador do SOS Estradas, Rodolfo Rizzotto, e fundador de entidade de vítimas, a situação demonstra que os governos mudam mas mantém sempre a impunidade: “O ex-presidente Jair Bolsonaro, responsável pelo aumento de mortes nas rodovias federais, ao longo da sua administração, já tinha adiado a punição para julho de 2025. Agora, este novo governo, que teoricamente tem outra ideologia, segue o mesmo caminho. O que confirma que a garantia da impunidade os iguala.”

Rizzotto ainda questiona saber se o ministro vai conseguir revogar as mortes causadas por condutores com exame toxicológico vencido que estão circulando nas rodovias e ruas deste país. “São mais de 4 milhões de potenciais usuários de drogas, que conduzem máquinas de destruição em massa. Nós vamos continuar nosso trabalho investigando os casos de mortes decorrentes de motoristas drogados e com exame vencido. O ministro agora assume sua parcela de responsabilidade ao permitir, através de medida questionável inclusive juridicamente, que esses irresponsáveis continuem impunes.”

Segundo levantamento do SOS Estradas, um caminhoneiro pode gastar até R$ 8.000,00 para abastecer o tanque de uma carreta. Portanto, não há justificativa para não cumprir a lei e fazer um exame exigido a cada 30 meses, que atualmente custa em torno de R$ 140,00 e ainda pode ser parcelado no cartão.

Motoristas não conseguem saber se estão com o exame em dia

Ao mesmo tempo, vários motoristas das classes C, D e E – caminhoneiros e motoristas de ônibus – entraram em contato com o Estradas porque não conseguem saber se o seu exame está em dia, porque a Senatran (Secretaria Nacional de Trânsito) não disponibiliza nenhuma informação.

José Raimundo Silva, caminhoneiro nordestino, reclamou: “Quero cumprir a lei mas no site do governo não tem nada. Quando preciso verificar multas no meu caminhão é fácil, basta colocar placa e Renavam, mas quanto ao exame não tem nada.” Ele disse ainda que tem a CNH Digital mas não sabe usar muito bem. Entretanto, pediu para o sobrinho checar e não aparece nada sobre o exame.

O Estradas consultou o Ministério da Justiça sobre vária questões envolvendo a Deliberação 248, mas até o momento não recebeu resposta.

Impunidade para quem não cumpre e punição para quem cumpre

A interpretação do governo criou uma situação esdrúxula. Os motoristas que deveriam ter realizado o exame toxicológico mas não o fizeram, terão, segundo a interpretação do ministro, prazo até 28 de dezembro para fazê-lo e não podem ser multados por descumprir a lei até lá.

Por outro lado, quem está com o exame em dia mas deve realizar novamente nos próximos seis meses, caso perca o prazo poderá ser multado em R$ 1.467,35. Isto porque ele não se enquadra na situação dos que estão com o exame vencido. Portanto, não tem direito a prorrogação de seis meses.

É mais uma demonstração do absurdo que são as normas no Brasil. O motorista que cumpriu o exame mas esqueceu perdeu o prazo por alguns dias, pode ser punido e quem evita o exame, exatamente porque pode ser flagrado, e está com o exame vencido há mais de dois anos, como o assassino da Vanessa e do Pedro, é beneficiado”, reforça Rizzotto.

STF decide pela Constitucionalidade do exame toxicológico

Enquanto isso, o Supremo Tribunal Federal confirmou a constitucionalidade do exame, com pelo menos 7 votos (7×0) até a manhã desta sexta-feira (30), quando encerra a votação de Ação de Inconstitucionalidade que envolve vários aspectos da Lei 13.103/15. O exame foi preservado, inclusive destacada sua importância no voto do relator, o ministro Alexandre de Moraes.

Na avaliação do ministro, a medida busca promover a segurança no trânsito, impondo “razoável e legítima restrição ao exercício da profissão de motorista, pois, além de reduzir os riscos sociais inerentes à categoria, atende a um bem maior, que é a incolumidade de todos os usuários de vias públicas”.

Os riscos a incolumidade de dezenas de milhões de brasileiros que são transportados diariamente nos ônibus ou transitam nas vias e rodovias com caminhões, parece não fazer parte do rol das preocupações do ministro Renan Filho.