Os números da Associação Brasileira de Estudos de Álcool e Outras Drogas (Abead) não deixam dúvidas: álcool e direção não combinam. Em 61% dos acidentes de trânsito registrados no Brasil, o condutor havia ingerido bebida alcoólica. Entre os casos fatais, o índice sobe para 75%. A substância prejudica uma capacidade indispensável ao motorista: a percepção. Sem ela, ocorre a dimunição dos reflexos e aumentam as chances de ocorrer um desastre. Dependendo de fatores como idade, sexo, massa corporal, sensibilidade ao álcool e estado emocional, os efeitos podem ser ainda piores.
Com especialidade em dependência química e prática terapêutica, a assistente social Elis Uchôa integra a Coordenação Estadual de Saúde Mental, Álcool e Outra Drogas. Ela afirma que, assim como a estrutura física, é necessário levar em conta outras características do motorista quando se fala da relação álcool/direção. É preciso considerar fatores como o contexto sociocultural e econômico do motorista, sua personalidade e sua relação com a bebida , analisa.
Especialistas do mundo inteiro já comprovaram que o uso habital de bebidas alcoólicas pode resultar não apenas em prejuízos físicos, mas também mentais e psicológicos. O excesso de álcool leva à perda da censura, dos laços sociais e afetivos, além de provocar desorganização mental com manifestação de sintomas clínicos , complementa Elis Uchôa.
Sobre a Lei 11.705, que altera o Código de Trânsito Brasileiro e proíbe o consumo de qualquer quantidade de bebidas alcoólicas por condutores de veículos, ela acredita que a restrição pode diminuir o número de acidentes, mas precisa ser mais abrangente. A nova lei pode contribuir para a redução da violência no trânsito, mas é preciso pensar também na condição de vida do condutor, nos apelos da mídia para o consumo de álcool e na importância da educação para a formação de uma mentalidade responsável. Além disso, é necessário até mesmo rever as relações de trabalho, como a carga horária dos caminhoneiros , acrescenta.
ALTERAÇÕES
Do ponto de vista físico e mental, o clínico geral Carlos Alberto Santos afirma que o álcool provoca três tipos de comportamento bastante distintos: a euforia, a confusão e a depressão. É comum, após os primeiros copos, o motorista se sentir mais eufórico e corajoso, perder o medo e o bom senso. A pessoa fica excessivamente confiante, abusa da velocidade e faz manobras ousadas , descreve.
A fase seguinte é marcada pela confusão mental, que reduz o raciocínio, e conseqüentemente, os reflexos. E por último, a pessoa embriagada entra em estado depressivo, fica desatento e sonolento, sem capacidade de reação. É nessa fase que ocorre a maioria dos acidentes, explica.
Esses efeitos são observados a partir do consumo de três latas de cerveja ou três doses de uísque, considerando-se uma pessoa com 70 quilos – o equivalente a 0,6 mg de álcool por litro de sangue. Esse é um exemplo médio, porque isso tudo vai depender de outros fatores, como idade, massa corporal, estado físico e mental , avisa o médico.
Nas mulheres, por exemplo, a metade dessa quantidade de álcool pode produzir os mesmos efeitos. Por terem normalmente menor peso e menor quantidade de água no organismo, elas acabam absorvendo o álcool por um período mais longo, o que causa a potencialização dos efeitos .
O tempo que o álcool permance no organismo também pode variar bastante. Há casos em que apenas algumas horas de sono já provocam uma melhora no quadro geral. Mas há situações em que, na fase da ressaca, a substância se faz fortemente presente, sendo inclusive possível detectá-la pelo bafômetro. Por isso, o recomendável mesmo é não beber se for dirigir , aconselha.
Acidentes já caíram 70%, diz polícia rodoviária
A nova regulamentação prevê punição para quem dirigir sob influência do álcool, expor terceiros a riscos ou provocar acidentes de trânsito. A pena varia de seis meses a três anos de prisão. Dirigir embriagado dá multa e é infração de natureza gravíssima. O infrator terá que desembolsar R$ 820,00 e ainda corre o risco de ter suspenso o direito de dirigir e sofrer detenção de seis meses a um ano.
De acordo com o balanço parcial feito pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), de 27 de junho a 25 de julho, 28 pessoas foram flagradas pelo bafômetro dirigindo alcoolizadas. O inspetor da PRF Max Souza diz que ainda não é possível afirmar se a lei ajudou a diminuir o número de acidentes nas estradas federais, mas garante que já resultou numa mudança de comportamento por parte dos condutores.
Já a Polícia Rodoviária Estadual (PRE) apontou uma queda de 70% no número de acidentes envolvendo veículos nas rodovias estaduais do Pará. Os dados, divulgados esta semana, mostram que foram registrados apenas três acidentes nesse período, em relação a 28 no ano passado.
Para o capitão da PRF Luiz Otávio Rayol a lei seca tem contribuído para essa redução e para a mudança de comportamento dos condutores. Eles têm reagido muito educadamente às abordagens feitas pela polícia. Vemos o aumento de senhoras ao volante, com o marido no banco do passageiro, por ter consumido bebida alcoólica , disse.
Efeitos no organismo:
Digestivos – gastrite, vômitos, hemorragia gástrica ou intestinal
Hepáticos – hepatite alcóolica, figado gorduroso, pele amarela, cirrose hepática
Respiratórios – laringinte, bronquite, efisema pulmonar, falta de ar ao falar ou subir escadas
Cardíacos – doença do miocárdio com alterações circulatórias. Sob os efeitos tóxicos do álcool, aumenta o trabalho cardíaco, o que provoca aumento dos batimentos.
Neurológicos – lesão etílica cerebral, diminuição da coordenação motora, delírios e confusão mental, inflamações dos nervos, doenças dos músculos, demência progressiva, falta de apetite, diminuição da glicose sanguínea, inflamação do pâncreas.
Perguntas mais comuns
Com a nova lei, quanto de álcool é permitido beber antes de dirigir?
Nada.
Quanto tempo o álcool permanece no sangue após o consumo?
Um copo de cerveja demora cerca de seis horas para ser eliminado pelo organismo. Uma dose de uísque, que é bem mais forte do que a cerveja, demora mais tempo do que isso. O mais garantido é que o motorista possa dirigir depois de 24 horas. Se estiver de ressaca, o melhor é ficar em casa.
Como o índice de álcool no organismo do motorista vai ser verificado?
De três maneiras: O bafômetro e o exame de sangue são mais sensíveis para detectar dosagens alcoólicas. O exame clínico é menos sensível para a dosagem, mas serve para indicar sinais de embriaguez como olho vermelho, alegria excessiva e falta de coordenação motora, por exemplo.
Quando não há bafômetros, o motorista é obrigado a fazer exame de sangue?
Se o policial tiver indícios fortes de embriaguez do motorista, com testemunhas, por exemplo, ele pode exigir, sim, uma amostra do sangue ou a chamada de um médico para diagnosticar a embriaguez.