Alterações na previdência social deixaram PRFs e suas famílias vulneráveis
TRISTEZA: Poucos dias antes do acidente, a família de Huanderson celebrava a chegada do Ano Novo. Foto: Arquivo pessoal

De acordo com o vice-presidente da FenaPRF, Marcelo Azevedo, a Emenda Constitucional 103 (EC-103) coloca os PRFs – que têm atividades de risco – no mesmo nível de atuação de um professor universitário

As mudanças que ocorreram na Previdência Social, em 2019, deixaram muitos trabalhadores brasileiros em situações complicadas. Entre as diversas classes afetadas, está a da Polícia Rodoviária Federal (PRF).

De acordo com o vice-presidente da Federação Nacional dos Policiais Rodoviários Federais (FenaPRF), Marcelo Azevedo, a regra que foi proposta, a partir de 2019 na Emenda Constitucional 103, se aplica a todos os servidores, independentemente da data de ingresso na instituição, sem diferenciar se é um policial mais antigo ou não.

Segundo Azevedo, não tem uma diferenciação também em relação a outras categorias de trabalhadores. “A mesma regra que é aplicável a um professor da Universidade Federal é também aplicável a um servidor do INSS, da Polícia Federal ou da PRF. Aí já é um dos pontos que entendemos que deveria ter um tratamento diferente de acordo com a atividade, principalmente para quem exerce atividade de risco, igual nós, policiais”, frisa.

O vice-presidente faz outra observação, que é sobre a aposentaria por incapacidade permanente. “Há dois tipos, por incapacidade que decorre de um acidente, e por doença fora do serviço. Nesse caso, o cálculo é feito pela média das contribuições, na qual soma-se todas as contribuições do servidor, inclusive àquelas que ele tinha antes de entrar no serviço público”.

Azevedo dá como exemplo, um servidor que teve um tempo de carteira assinada, de INSS e demais contribuições. “Tais contribuições são atualizadas, pela inflação, calcula-se a média delas, e sobre essa média aplica o percentual de 60%, além de 2% a cada ano que excede os 20 anos. Então, para chegar, por exemplo, a ter 100% da média, você teria que ter pelo menos 40 anos de contribuição”, explica.

Ele ainda explica outra situação: “Caso o profissional tenha 20 anos ou menos, são só 60%; se tem acima de 20 anos, acrescenta-se 2% para cada ano, acima dos 20, até chegar no 100% com 40 anos”.

Atualmente, segundo Azevedo, um PRF com 20 anos de carreira que entrou na instituição, em 2004, tem média de salário de contribuição em torno de, muito próximo do salário atual, de R$ 17 mil a R$ 18 mil. “Por exemplo, no caso de incapacidade, eu receberia 60% desse valor. Eu teria uma perda da ordem de 40%.

Acidente em trabalho

Caso a aposentadoria tenha relação com o serviço, um acidente de viatura, uma troca de tiro, uma doença profissional, alguma coisa relacionada ao serviço, o cálculo é pela média, que é 100%. “Não tem esse cálculo de acordo com o tempo de contribuição”, explica.

Diante disso, calcula-se a média, e sobre a média aplica-se 100%. “Para quem tem um período de salário mais baixo, principalmente os policiais mais antigos, também terá uma perda. Mesmo no caso de invalidez em serviço, isso dá perda de 30%, 35%, principalmente para quem é mais antigo na instituição.”

De acordo com Azevedo, essas duas formas de cálculo, tanto fora do serviço quanto em serviço, para os policiais que ingressaram a partir de 2019, são limitadas ao teto do INSS, que hoje está em cerca de R$ 8 mil. “Por exemplo, um policial que ingressou em 2020 na PRF ou na Polícia Federal, ganha em torno de R$ 14 mil, só que todas as contribuições dele, todos os benefícios são calculados limitados ao teto de R$ 8 mil.”

O vice-presidente frisa que se for, por exemplo, invalidez em serviço, esse policial terá 100% da média limitada ao teto de R$ 8 mil. “Se for fora do serviço, é 60% também limitado ao teto. Então você pega lá o teto, se a média dele for igual ao teto. Se todas as contribuições dele sempre foram pelo teto, e não tem contribuições anteriores ou eram também no teto, então ele vai ter 60% do teto”, diz.

Nesse raciocínio, explica Azevedo, daria hoje 60% de R$ 8 mil, cerca de R$ 4,8 mil. “Então, se o servidor ganha atualmente R$ 13 mil ou R$ 14 mil, iria se aposentar com R$ 4,8 mil, se for invalidez fora do serviço; agora, se for em serviço, ganharia 100%, limitado ao teto, que seria os R$ 8 mil. Neste caso, a perda pode ultrapassar os 50%”, completa.

Pensão por morte

Marcelo Azevedo comenta que, no caso da pensão por morte, também há essa distinção quando é fora do serviço ou em serviço. “Quando é em serviço, o relator na época, colocou até uma expressão que entendemos ter sido uma expressão ruim, incorreta, que é: a morte teria que ser por agressão em serviço. Esse tema agressão acaba sendo muito limitado, principalmente na atividade do PRF, porque muitos dos casos de morte em serviço na PRF, decorrem de acidente de trânsito ou durante um atendimento de acidente, quando um policial é atropelado, no acompanhamento tático, na perseguição, que ele acaba muitas vezes batendo a viatura e vem a óbito.

Para o vice-presidente, todos esses casos relacionados a acidentes em serviço, que não necessariamente seria uma agressão, como a troca de tiro ou alguma situação assim, o termo não abrange. Então gera essa insegurança também. “Dessa forma, o policial cairia na regra geral, que é a regra de você calcular o benefício que o servidor teria direito a receber se fosse aposentado por invalidez, o que foi explicado anteriormente; e sobre o valor que ele teria direito de receber, quando se utiliza como base de cálculo da pensão dos seus dependentes (cônjuge e filhos menores de idade).

Azevedo explica que o cônjuge só tem direito a pensão vitalícia se tiver pelo menos 45 anos. “Essa idade inicialmente era de 44 anos, e está sendo aumentada de acordo com o aumento da expectativa de sobrevida. Hoje está em 45 anos. Se o cônjuge tiver menos de 45 anos, essa pensão é temporária. Portanto, o prazo varia, de 3 meses até 20 anos, de acordo com a idade do cônjuge na época da morte do servidor. E para os dependentes, até os 18 anos, se estiver, no caso, estudando, pode estender até os 21 anos.”

O vice-presidente explica que o valor é calculado com 50% dessa base de cálculo, que é aposentadoria por invalidez, acrescido de 10% por dependente. “É um caso prático. O policial hoje com 20 anos de serviço, cuja média de contribuição seja em torno de R$16 mil.  Se vier a falecer fora do serviço, não sendo considerado agressão, ainda que seja relacionado ao serviço, como acidente de viatura, incidente no serviço etc., pega-se a média dele, como ele tem 20 anos de contribuição, aplica-se só 60%. Então, no caso de salário de R$16 mil, aplica-se 60%, o que cairia para R$9,6 mil. Sobre esse valor veria a quantidade de dependentes dele. Então vamos supor que ele é casado e tem dois filhos menores de idade. Então seriam três dependentes, que terão direito a 80%, que são 50% mais 10% para cada um dos três. Então são mais 30% dos dependentes, daria 80%” de R$9,6 mil, que daria um pouco menos de R$8 mil”, pontua.

Azevedo adverte que esse policial teria também uma perda significativa, mais de 50% para os dependentes. “Cada dependente que deixa essa condição, seja no caso dos menores de idade ao atingir os 18 anos ou 21 anos, ou no caso do cônjuge quando não é vitalício, quando ele atinge aquele período de acordo com a idade, esse valor deixa de ser pago. Ele não é redistribuído para os demais dependentes. Aqueles 10% deixam de ser pagos para aquele dependente e os demais continuam recebendo as suas quotas”, frisa.

Finalizando, Azevedo diz que a FenaPRF entende que, principalmente, quem entrou após a Emenda Constitucional 103, que tem essa limitação da FUNPRESP – Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal, do teto, do regime geral, tem perdas que ultrapassam os 50% no caso de invalidez. E no caso de morte, pode chegar até 70%, 75%. “Nós temos casos de colegas que faleceram e deixaram pensões de um salário e meio, um salário mínimo para os seus dependentes, por conta de toda essa legislação que foi aprovada desde 2019.”

A realidade dos familiares de PRFs vítimas de acidentes

No dia 25 de janeiro de 2022, o PRF Huanderson de Araújo dos Santos estava com um colega, trabalhando na região de Cascavel, Paraná, quando atenderam a uma ocorrência na BR-158.

Durante o retorno, o veículo em que estavam foi atingido lateralmente por uma caminhonete em alta velocidade, resultando em ferimentos para ambos. Huanderson ficou gravemente ferido e, hoje, está aposentado por invalidez permanente e sobrevive em sua casa aos cuidados de “home care”, em um estado similar ao do famoso piloto de Fórmula 1, Michael Schumacher.

Elisângela, esposa do PRF, explica que ele não demonstra qualquer sinal de compreensão do que acontece ao seu redor. “É como se fosse um bebê“, comenta. Ela conta que conversa com ele, mas não há sinais de consciência nem mesmo em relação aos dois filhos.

Huanderson ingressou na PRF, em 2012, após vários anos na Força Aérea, e foi morar em Cascavel (PR). Escolheu viver próximo da sua base de trabalho porque dizia à esposa que, muitas vezes, o policial morria a caminho de casa, e não durante o serviço. Por isso, decidiu viver perto da delegacia de Cascavel (PR), para garantir mais segurança no trajeto de volta para casa.

A esposa relata ainda como era a vida antes da tragédia: “Nossa vida era maravilhosa. Ele saía para o trabalho contente e voltava ainda mais feliz, porque adorava ajudar a população. Foram dez anos incríveis na cidade. Ele se dedicava muito à família, e eu pude parar de trabalhar para cuidar dos filhos.”

Segundo Elisângela, Huanderson sempre se preocupou com o futuro da família, caso algo lhe acontecesse. Ele queria garantir que a esposa tivesse uma aposentadoria vitalícia, o que só seria possível quando ela completasse 45 anos. Caso contrário, o benefício seria parcial e limitado a dez anos.

Em setembro de 2021, quatro meses antes do acidente, Elisângela completou 45 anos, e Huanderson comentou que se sentia mais tranquilo, pois ela e os filhos estariam mais protegidos financeiramente, caso algo ocorresse.

Atualmente, Huanderson está aposentado e a família recebe o suporte possível, mas Elisângela preocupa-se muito com outras famílias de PRFs e pessoas que não têm o mesmo amparo.

A lesão de Huanderson é comparada à de Schumacher, e ele pode falecer em um mês ou em dez anos; não há previsões nem sinais de interação, e apenas um milagre pode reverter a situação.

O casal tem dois filhos: Valenthina, que estava prestes a completar 11 anos na época do acidente, e Cristopher, que tinha 18 anos. O “h” no nome Valentina foi uma escolha do pai. Já são dois anos e sete meses que Huanderson está acamado, mas os filhos continuam se despedindo dele todos os dias quando saem de casa. Cristopher, com muito cuidado, ajuda a dar banho no pai. “É a maneira dele de mostrar ao pai que está ali para cuidar dele.”

Para os filhos, o impacto foi devastador, já que eram muito apegados ao pai. Hoje, Cristopher assume o papel de responsável, cuidando da irmã e levando-a onde precisa.

Elisângela recorda que Huanderson gostava de ficar em casa, aproveitando a família, seu bem mais precioso. Ela destaca que “as pessoas precisam entender que, por trás de um policial, há uma família, e que todos precisam ser responsáveis no trânsito“. Ela lembra que o marido sempre foi muito cuidadoso e falava sobre a importância de dirigir com responsabilidade.

Cristopher segue o exemplo do pai e dirige de forma muito consciente. Ele decidiu seguir a carreira do pai e ser policial rodoviário federal, apesar das preocupações da mãe.

Valenthina quer estudar medicina, possivelmente influenciada pela situação que vive em casa. Elisângela apoia os filhos, embora seu coração fique apertado, sabendo que Cristopher correrá os mesmos riscos do pai e que Valenthina estudará longe de casa.

Elisângela destaca que continua vivendo em Cascavel, apesar de ter familiares em São Paulo, porque os colegas da PRF e do sindicato são uma verdadeira família. “Se preciso de qualquer coisa, eles vêm nos ajudar. Só tenho que agradecer por tudo que fazem.”

A solidariedade dos colegas da PRF se manifestou em várias ocasiões, especialmente no início, quando a situação ainda era incerta, através de campanhas de apoio à família.

Elisângela se preocupa com as condições das famílias de policiais que entraram depois das mudanças na previdência. “É muito difícil porque é necessário comprar muitos remédios.”

O portal Estradas.com.br enfatiza que histórias como essa, infelizmente, são comuns no trânsito brasileiro. Os familiares das vítimas, que não aparecem nas estatísticas, sofrem as consequências da imprudência.

Essa admirável família de Cascavel (PR), que segue os passos de Huanderson, continua ajudando a outras pessoas em condições semelhantes, como Elisângela faz. Assim como a família PRF de Cascavel e de outras partes do país. Mas são tragédias evitáveis e precisamos lembra disso todos os dias nas estradas e vias urbanas.

18 COMENTÁRIOS

  1. INFELIZMENTE OS POLICIAIS FEDERAIS (POLICIA FEDERAL, POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL, POLÍCIA PENAL FEDERAL, OUTRAS), APOIARAM UM GOVERNO QUE SÓ TROUXE PREJUÍZOS FINANCEIROS E RETIRADAS DE DIREITOS ADQUIRIDOS PARA NÓS AGENTES PÚBLICOS FEDERAIS !

  2. Meritocracia para cada profissão,…salários justos e diferenciados, conforme se dedicou horas de estudos, sacrificou-se o tempo disponível com familiares, amigos, fesras,…etc, para obter a profissão desejada com o salário adequado e compatível com os seus conhecimentos, cursos, estágios,…etc

  3. A EC103/2019 foi aprovada por bolsonaro, o mesmo bolsonaro que foi apoiado quase endeusado pelos PRF’s! Que tristeza, né? Apoiaram o mito e o mito lascou eles!

  4. Bom dia a todos.
    Isso e uma sacanagem com todas as classes trabalhadoras essa reforma da previdência de 2019.
    Independentemente precisamos reverter essa reforma pelo menos ter uma aposentadoria descente para que possamos usufruírem com pouco dignidade.
    O Governo Lula podia tentar mexer nessa reforma pelo menos aminiza para todas classes trabalhadoras.
    Att;

  5. Eu acho que independente de ser policial ou um industriário, todos trabalhadores deveriam ser tratados iguais em casos semelhantes. Acho muito injusto privilegiar uma categoria e sacrificar milhões de outras. Uma aposentadoria de 4.8 mil é ruim para o policial que tem família, imaginem uma aposentadoria de 1,9 mil para outra família.
    A família de quem não é policial é importante? Ou a pessoa que se aposentar por invalidez por causa de uma doença grave (câncer), não merece ter o direito de ao menos fazer um tratamento digno?
    Essa reforma (anti-reforma) de 2019, prejudicou e muito a maioria de trabalhadores que não tem esse privilégio de receber R$ 18 mil por mês. Quanto seria 60% de um salário mínimo???

    • Não existe esta igualdade em lugar nenhum do mundo. Quem exerce atividade de risco permanente, me benefício de toda sociedade, é sempre tratado de forma diferenciada. Muito mais importante do que focar na aposentadoria dos policiais, seria questionar as aposentadorias de políticos. O fato dos trabalhadores brasileiros serem mal remunerados, não receberem a justa aposentadoria, não é responsabilidade dos policiais rodoviários. O que trouxemos a luz são dificuldades desta categoria, assim como fazemos com as condições de trabalho dos caminhoneiros.

      • Não é verdade, só no Brasil existe privilégios previdenciários, os militares recebem integral único país no mundo é o Brasil que paga ao militar aposentado integral e pensões integrais inclusive para filhas maiores. Quem sustenta toda a mordomia somos nós contribuintes.

    • Aqui se comenta a situação de Policiais Rodoviarios Federais, mas antes de votarem essa reforma patrocinada por quem não escondeu que nunca estava nem aí para toda a classe trabalhadora, muitos dos que agora foram e serão futuramente prejudicados, apoiaram a sua votação e posterior promulgação.

  6. Imagina para nós assalariados com o mínimo. Trabalhamos de sol a sol, agora tem que trabalhar até a beira da morte para aposentar..

  7. Pior situação está os policiais militares de São Paulo, pois há Policiais com até 15 anos fora da corporação, porém o estado só aceita 5 anos, e o salário e bem menor ainda que a PRF.

    • Mas a imensa maioria dos PMs e dos PCs de São Paulo, apoiaram e ainda apoiam quem patrocinou isso e ainda apoiam a criatura que ele intrujou aqui e que nem sabia onde ia votar e mesmo assim foi eleito governador.

  8. Infelizmente essa é a realidade! Faltou falar que essa situação foi imposta durante um governo de Direita, eleito por estes policiais que inclusive tiveram atitudes não provas na região Nordeste do país, dificultando eleitores a chegar às urnas.
    Mas, enfim, tem que se rever esses tratamentos impostos pela lei de 2019, pq logo logo não vamos ter mais interesse pela profissão de policial.
    Aqui em MG temos um filhote de Bolsonaro ( ZEMA) que odeia servidor público ( inclusive policiais) tramita peça estadual que acaba com quinquênio, férias prêmios , ADEs, promoções por tempo de serviço, aumenta o tempo para o policial trabalhar e por aí afora vai…

    • Faço minhas as suas palavras! Óbvio que nem todos os PRFs apoiaram essa maldita reforma, mas no final todos agora sentem na pele o resultado do monstro que se criou.

  9. Pessoal tem que fazer plano de previdência privada e bom seguro de vida para que os dependentes não fiquem a mercê de situação parecida. Aos que entram hoje já sabem das regras.

  10. Pelo que sei policiais rodoviários federais que ingressaram antes da reforma da previdência de 2019 tem direito a aposentadoria com integralidade da remuneração e também paridade.

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