Rodrigo Kleinübing

Por Rodrigo Kleinübing*

Kleinübing é um dos mais respeitados peritos de sinistros de trânsito do país. É coautor do livro “Dinâmica dos Acidentes de Trânsito – Análises, Reconstruções e Prevenção” e responsável por vários estudos importantes. Colabora pro bono com o SOS Estradas há mais de 10 anos. Neste artigo, ele analisa o impacto mortal do desligamento dos radares em 2019.

Negacionismo no trânsito

A malfadada “política antirradar” adotada no extinto governo Bolsonaro, baseada no intrínseco negacionismo técnico-científico do então mandatário da nação, acabou por alimentar a sensação de impunidade por parte dos maus condutores, resultando, infelizmente, em um aumento significativo dos índices de sinistralidade no trânsito em nossas rodovias federais.

Consistiu a obscura medida, totalmente desvinculada do conceito de prevenção, no desligamento dos radares e lombadas eletrônicas em toda a malha federal, no período aproximado de abril a dezembro de 2019 (com cerca de 25% dos equipamentos reativados pela Justiça Federal), seguido da suspensão da utilização dos radares portáteis e estáticos nos meses seguintes, tendo sido esta situação absurda revertida judicialmente ao final daquele ano.

Oportuno lembrar que já tínhamos denunciado a equivocada medida no artigo sugestivamente denominado “O CANETAÇO QUE MATA”, publicado em 16/04/2019 no portal Estradas, ocasião em que alertamos que “a velocidade se constitui na maior causa dos acidentes de trânsito com vítimas fatais no mundo”, bem como que “existe uma relação direta entre o excesso de velocidade e a gravidade das lesões e consequentemente as fatalidades no trânsito”, concluindo que “a desastrosa medida” assinava “por antecipação o atestado de óbito de um grande número de vítimas do já sangrento trânsito brasileiro”.

Segundo minucioso levantamento realizado pelo SOS Estradas, baseado em estatísticas oficiais da PRF, a nefasta medida presidencial reverteu uma tendência de redução e ainda elevou sobremaneira o número de mortos e feridos nas estradas federais a partir do segundo trimestre de 2019, alcançando a partir daí, naquele ano, uma preocupante média de 460 óbitos mensais.

Comparando-se o período de janeiro a março de 2018 com 2019, houve uma redução da média mensal de 428 para 398 óbitos, enquanto que de abril a dezembro de 2017 com 2018, considerada a sazonalidade do período, a redução da média mensal foi de 520 para 438 óbitos.

Significando em números absolutos, segundo a primeira comparação, na estimativa do incremento de um mínimo de 450 óbitos no período de abril a dezembro de 2019.

O que supera a soma do número de mortes registrados nas tragédias da boate Kiss e na queda da aeronave da TAM em Congonhas, chegando esta estarrecedora estimativa, de acordo com a segunda comparação, mais provável inclusive, a cerca de 792 óbitos a mais neste período, isso sem se falar no aumento da legião de feridos e incapacitados por sinistros de trânsito.

Por último, importante ressaltar que a desastrosa medida presidencial que escreveu este triste capítulo do trânsito brasileiro, de picos de mortes e feridos nas estradas federais em 2019, partiu do senso comum do próprio mandatário, não encontrando respaldo em nenhum estudo, muito menos no DENATRAN, sendo nitidamente motivado por um populismo raso e pelo significativo histórico familiar de multas, predominantemente por excesso de velocidade, sendo tal medida classificada pela OAB como inconstitucional e de desrespeito ao Código de Trânsito Brasileiro.

(*) Rodrigo Kleinubing é engenheiro e especialista em Sinistros de Trânsito

2 COMENTÁRIOS

  1. Parabéns, Rodrigo um real retrato das medidas descabidas, Muito bem explicitado e ótimo conteúdo

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