Passageiros viajam com medo e bandos têm ação facilitada pela falta de equipamentos de segurança e patrulhamento precário. Minas, maior malha rodoviária do país, responde pela metade dos casos registrados.
Viajar de ônibus em Minas Gerais está se tornando uma atividade de risco. Nos últimos seis anos, passageiros das empresas regulares de transporte, que operam linhas intermunicipais, interestaduais e internacionais, foram vítimas de 630 assaltos nas estradas do estado, modalidade de crime que cresce num ritmo impressionante. Dados da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e do Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DER-MG) indicam, com base em notificações feitas pelas empresas, que o número de ataques aumentou 85% de 2001 para 2006. Em algumas rotas, mais visadas pelas quadrilhas, a rotina de motoristas, cobradores e viajantes é de medo. Além dos prejuízos materiais, a ação dos criminosos deixa traumas e prejudica o desenvolvimento do principal meio de deslocamento rodoviário brasileiro.
Os assaltos eram, há pouco mais de 10 anos, um problema restrito a algumas regiões do país, como a fronteira com o Paraguai, onde o vaivém de sacoleiros atraía grupos de salteadores. De lá para cá, graças às dificuldades da polícia na repressão, a prática se disseminou. O estado registrou 63 casos em 2001, número que saltou para 126 em 2006, acompanhando tendência nacional (veja quadro). As estatísticas da ANTT, referentes apenas às linhas interestaduais e internacionais, mostram um aumento de 227 para 466 no número de ocorrências no Brasil (variação de 105%). Em todo o período foram 1.935 ônibus invadidos. Apesar de alarmantes, os dados podem estar subdimensionados, pois nem sempre as empresas comunicam o problema aos órgãos reguladores.
A extensão da malha rodoviária, aliada ao intenso movimento, faz com que, nas estradas federais, Minas seja líder na incidência dos crimes, concentrando metade dos casos. Em geral, as gangues são especializadas e se valem de uma série de vantagens para agir. Entre a noite e a madrugada, período de maior ocorrência, a escuridão e o patrulhamento precário facilitam os roubos. Normalmente, os ônibus param no acostamento para recolher passageiros, o que permite o embarque de criminosos. Em alguns lugares, as más condições das rodovias obrigam os motoristas a trafegarem em baixa velocidade, o que permite interceptações. A falta de sistemas eletrônicos de segurança, como rastreadores, câmeras e detectores de metal, é mais um ponto a favor dos ladrões.
Linhas que transportam passageiros de maior poder aquisitivo são as mais visadas. A Polícia Rodoviária Federal (PRF) aponta as BRs 050, 452, 153 e 365, no Triângulo Mineiro, além da BR-040, no trecho que liga BH a Brasília, como as mais perigosas. Em algumas épocas, a corporação chegou a escoltar coletivos e a sugerir que os motoristas andassem em comboio, mas a farra das quadrilhas persiste. Na Região Central, a rota entre a capital e Divinópolis (que inclui trechos da BR-381, da BR-262 e da MG-050) também virou armadilha.
Bem vestidos, os assaltantes embarcam nas rodoviárias ou em pontos ao longo dos itinerários e, ao chegar em locais ermos, anunciam o roubo. Em outros casos, usam carros furtados ou troncos para cercar os ônibus no meio da estrada. No Triângulo, é comum levarem o veículo para estradas vicinais ou plantações, para ter mais tempo na coleta de dinheiro, produtos eletrônicos, roupas e toda sorte de objetos de valor levados pelos viajantes.
MORTES E TERROR Levantamento da Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros (Abrati), com base em estatísticas de 2005, mostra que em 57% das ocorrências os criminosos usam de violência física contra as vítimas. Naquele ano, em todo o país, 16 pessoas morreram e 80 ficaram feridas nos assaltos. Cerca de 80% deles foram feitos por grupos de três a cinco pessoas. A tranqüilidade é tanta que, em 40%, a fuga é a pé.
De 2004 a 2006, três das maiores empresas do setor – Gontijo, São Geraldo e Nacional – tiveram 106 veículos atacados em Minas, mais da metade (59) no Triângulo, o que as levou a montar um minidepartamento de investigações para auxiliar a polícia. “Ouvimos os passageiros e motoristas, na tentativa de traçar as características físicas e o modus operandi dos assaltantes. Depois, repassamos as informações aos setores de inteligência das corporações, que têm trabalhado com algum sucesso recentemente”, afirma o assessor da diretoria das viações, Walace Soares, citando queda no número de casos de 2005 para 2006. “A repressão e a prevenção têm melhorado, mas os policiais não são onipresentes. Em geral, quando o crime zera em alguma região, os criminosos migram para outra”, acrescenta.
O inspetor Aristides Amaral Júnior, chefe do Núcleo de Comunicação Institucional da PRF, explica que, em função do crescente número de ataques, vem sendo desenvolvido trabalho conjunto com as polícias Militar e Civil, que resultou na prisão de duas quadrilhas desde o ano passado, uma delas no Triângulo. “Com base no depoimento das testemunhas, identificamos suspeitos, fazemos retratos-falados e rastreamos fichas policiais”, explica. “Na maioria das vezes, no entanto, as prisões não são em flagrante, e os criminosos são soltos, beneficiados por habeas corpus”, lamenta o superintendente substituto de Serviços de Transporte de Passageiros da ANTT, Francisco Cavour.