Na terra de Pelé, a meio caminho entre Belo Horizonte e São Paulo, na Rodovia Fernão Dias, a logística do transporte foi substituída, na tarde de terça-feira, pela logística necessária para assistir à estreia do Brasil na Copa do Mundo. “Parei num posto ali atrás, mas não tinha TV grande”, explicou o motorista Izaías de Oliveira Souza, de 31 anos, que transportava um trator de Vitória (ES) para Curitiba (PR), na carreta que, minutos antes do início do jogo, ajudou a encher, como num passe de mágica, o pátio do Posto Trevo, a apenas 500 metros da gigantesca estátua do Rei Pelé socando o ar, na comemoração de um gol.
“Parei onde deu o horário. Não posso perder jogo da Seleção na Copa do Mundo”, disse outro motorista, Mateus Evangelista Oliveira, de 25. Ele saiu de São Bernardo do Campo na noite anterior, viajou até Contagem, durante a madrugada, entregou a carga de peças de automóveis e pegou a estrada de novo. “Acelerei firme e estou aqui”, comentou, antes de se juntar aos 60 caminhoneiros que lotaram o restaurante do posto. Um deles, Edélcio Pins, de 33, olhou para a pista da rodovia com pouquíssimo movimento e observou: “Agora que é bom de andar, a estrada está vazia, não tem polícia, não tem nada. Mas eu não vou. Quero ver o jogo”.
Na empresa em que trabalha, Mateus era o quinto na escala para viagens, mas os outros quatro não aceitaram a tarefa em dia de jogo da Seleção. “Falaram, na bucha, que não iam, que podiam até dar ‘gancho’ neles. Eu viajei porque o chefe pediu com muito carinho”, afirmou Mateus. Mas, segundo ele, o patrão compreendeu e não puniu ninguém. “Eu estou sentindo falta da família, da batucada, da cerveja, de um churrasco… A vibração é outra”.
Antes do jogo, cada motorista que parava no posto fazia as contas do tempo que faltava para começar o jogo e de quanto mais ele poderia rodar, para não perder os prazos de entrega da carga. “Vou tocar mais um pouco, mas não vou perder o jogo”, avisou Jailson Pires dos Santos, de 46, que queria aproveitar o tempo. “Estou adiantando para dormir em casa”, disse ele, que conduzia um caminhão-frigorífico entre Belo Horizonte e São Paulo.
Rosalvo Correia, de 59, lamentava que a liberação da carga de polietileno, em Três Corações, tivesse atrasado, o que frustrou seus planos. “Calculei de parar na Estiva (a 110 quilômetros), onde tem telão, mas a nota demorou e não vai dar tempo”, informou. Com o atraso, ele só conseguiria chegar, com folga, até um posto 55 quilômetros adiante. “Não posso arriscar, pode ter algum imprevisto”.
Foi justamente por temer imprevistos que o baiano radicado em São Paulo Antônio Bispo dos Santos, de 35, comprou uma TV de 14 polegadas e instalou uma antena poderosa na carreta, para não perder jogos do Brasil. Um que estava conformado em ouvir o jogo pelo rádio era Paulo César Batista, de 48, de Guapiara (SP). “Tenho hora marcada para descarregar. Passei a noite para carregar cimento em Barroso. Se não tivesse atrasado, ia parar para assistir”, lamentou.
Clima
Durante o jogo, a ansiedade foi dando lugar à apreensão, até a explosão com o gol de Maicon, no início do segundo tempo. A sequência de comentários, aqui e ali, dentro do restaurante, transmite o clima. “Acho que vai ser uma pancada só”; “Vamos ver o que o Dunga vai fazer”.
Um dos comentários que arrancou risadas foi quando Dunga apareceu: “Ele está parecendo um chef de cozinha”. Terminado o jogo, com o alívio da vitória, como em outro passe de mágica, o pátio do posto ficou vazio. Os motoristas voltaram à solidão da estrada nas cabines de seus caminhões.