Difícil não se emocionar com a imagem: nove caixões enfileirados envoltos por uma multidão de pessoas. Todos sendo velados dentro da igreja matriz de Santa Cruz, na praça principal, centro de Chapada do Norte, município do Vale do Jequitinhonha com apenas 15 mil habitantes. Os corpos de Terezinha de Jesus Souza, 65, Maria das Dores Amaral, 69, Enestina Carvalho de Souza, 75, José Praxedes Ramos, 72, Vicente Carvalho da Silva, 72, Leni de Matos Pêgo, 40, e seus filhos Carlos Júnior Evangelista Pêgo, 8, Carolaine Evangelista Pêgo, 4, e Soraya do Rosário Pêgo, 12, chegaram à cidade quando a sexta-feira amanhecia.
Ora rezando e cantando, ora em silêncio, uma multidão acompanhou o cortejo coletivo no cemitério da cidade. Crianças, amigas de Carlos Júnior na escola, levaram na frente a faixa de homenagem a ele. Atrás, outros jovens seguiram com as coroas de flores. Os homens se revezaram para segurar os caixões. Durante a madrugada, os moradores praticamente não dormiram. Todos estavam à espera da chegada dos sobreviventes e dos corpos das vítimas do acidente ocorrido na madrugada de quinta-feira entre um ônibus e um caminhão que levava cerâmica.
Às 6h foi rezada a primeira missa na cidade e às 8h os caixões chegaram causando grande comoção. Todos foram colocados dentro da igreja e rapidamente uma fila se formou do lado de fora. Foi necessária a ajuda de policiais para controlar a fila e ainda socorrer aqueles que não conseguiram conter a emoção. Três pessoas desmaiaram ao entrar na igreja. “É, vou te falar, acabou com Chapada”, disse o morador José Aparecido Carvalho, 40. Durante toda a noite de quinta-feira, o comércio estava fechado e os moradores evitaram acender as luzes das varandas em respeito aos mortos e suas famílias.
Faixas foram colocadas em torno da igreja em uma homenagem póstuma. Uma delas, para Soraya, foi estendida pelas amigas da sexta série da Escola Estadual Monsenhor Mendes. Para o irmão dela, Carlos Júnior, 8, que também morreu, palavras de afeto da professora e dos colegas da primeira série do ensino fundamental.
“Carlos Júnior, na terra foi ternura e luz, no céu o anjo que nos conduz”, diz a faixa. Na casa onde Leni de Matos vivia com o marido, os quatro filhos e outros parentes, foi um entra-e-sai durante toda a madrugada. A mãe dela, Ernestina, 70, mal conseguia parar em pé. “Não dá para acreditar”, disse a caminho da igreja. Ela perdeu a filha, três netos e outra neta de 5 anos ainda está internada no hospital de Janaúba com quadro clínico considerado grave.
Recepção
Por volta de 1h de sextafeira, parte das pessoas que ficaram feridas começou a chegar a Chapada do Norte. A praça principal estava lotada desde a tarde para recebê-los. Poucos haviam sido liberados do hospital de Janaúba. Quando o ônibus estacionou ao lado da igreja, uma multidão correu para ver quem estava, enfim, de volta à cidade. Maria Eva Alves de Souza Lemos, 32, era uma delas. Ela sobreviveu junto com os filhos Diwilton, 11, e Diéliton, 9, e o marido – Ademir Geraldo Lemos, 44 – e conseguiu chegar em casa quase 24 horas após passar os piores momentos de sua vida.
“A gente sentou mais atrás e eu bati a cabeça na hora”, diz mostrando o olho esquerdo bem inchado com a pancada. “Não desmaiei, por isso acabei vendo muita coisa. Meus amigos mortos, pessoas sujas de sangue e algumas no meio da cerâmica do caminhão. Foi terrível, muito triste.” Eva e a família não foram a Bom Jesus por uma causa em especial, mas ano que vem o motivo será a vida. “Agora tenho que ir para agradecer”, diz.