O combustível paraense é um dos piores do Brasil, aponta a Agência Nacional do Petróleo (ANP). O Ministério Público Estadual (MPE) afirma que isso se deve à máfia dos combustíveis . Impostos abusivos para a entrada legal de combustível no estado propiciam a corrupção dos postos, trazem prejuízos ao erário, a empresários e consumidor, alega o Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do Estado do Pará (Sindepa). A demora no processo entre a análise dos combustíveis e a fiscalização seria uma das razões pelas quais os responsáveis pela baixa qualidade dos combustíveis e irregularidades no abastecimento do estado não são punidos.
Os dados levantados na pesquisa da ANP até junho apontam o álcool paraense como o terceiro pior do País. A média nacional de não conformidade é de 2,9%, enquanto que no Pará a marca chega aos 4,7%, o que já representa uma redução na comparação com os resultados acumulados nos três primeiros meses de 2008. A gasolina do estado também é de baixa qualidade, apontada como a oitava pior do Brasil, com 2,7% de amostras fora dos padrões estabelecidos contra os 2% nacionais. Já o sexto pior óleo diesel brasileiro vem do Pará, com também 2,7% de irregularidades, contra a média brasileira de 2,3%.
Vale esclarecer que um combustível é considerado não conforme pela ANP quando não atende aos limites estabelecidos na especificação definida pela agência para o produto. A adulteração consiste na adição ilegal de qualquer substância a este produto. Assim, produto fora de especificação não é necessariamente adulterado. Outros fatores, como a má-conservação, podem alterar a qualidade do combustível.
O presidente do Sindepa, Mário Luiz Melo, explica que a principal irregularidade do diesel, pro exemplo, é a venda do produto destinado a embarcações como se fosse diesel automotivo. O diesel marítimo apresenta concentrações de enxofre e corante mais alta do que o produto destinado a veículos terrestres. Existem dois tipos de diesel, o marítimo e o metropolitano. Os dois são muito diferentes por causa da quantidade de elementos poluentes, como o enxofre , diz Mário. Ele observa que quando a pausa na pesca inicia, nos períodos de defeso do pescado, entre janeiro e fevereiro, os barcos circulam menos e o diesel marítimo é destinado ilegalmente para revenda nas cidades, onde esse tipo de combustível precisa ter outras características.
Quanto ao álcool, o coordenador do Laboratório de Análise de Combustíveis da Universidade Federal do Pará (UFPA), José Roberto Zamiam, afirma que os dados da ANP representam o que foi constatado nas amostras coletadas. O Pará não é um estado produtor de álcool e se consome pouco esse combustível aqui. Temos 540 postos de abastecimento registrados. Por ano, sorteamos 20% desses postos para fazer a coleta de amostras. Como temos pouco álcool hidratado, algumas amostras com não conformidades geram um percentual muito alto no resultado final , observa o cientista. A temperatura e umidade do clima de Belém também colaboram para que o combustível estrague dentro das bombas, às vezes durante o próprio transporte.
Máfia dos combustíveis comete crimes graves e tem pé no governo
As áreas que mais apresentaram combustível ruim foram Belém, Santarém, Parauapebas, Xinguara, São Félix do Xingu, Abaetetuba, Cametá, Tucuruí, Castanhal, Vigia, São Francisco do Pará, Salinópolis, Capanema e Bragança. Em Santarém, a gasolina apresentou, em junho, 13,8% de alterações nas 29 amostras coletadas e o álcool teve 10% de irregularidades em 10 amostras. Na capital, o diesel chegou a apresentar 18,5% de não conformidades nas 27 amostras.
Mário Melo diz que a baixa qualidade do combustível paraense está associada ao alto Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) cobrado no estado. Nos estados que fazem fronteira com o Pará, o ICMS varia entre 15% e 25%. Aqui temos um dos mais altos, que é de 30%. Isso faz com que alguns empresários comprem combustível em outros estados e o tragam ilegalmente. Esse combustível não vem com nota fiscal e nem garantia de precedência , explica o presidente do Sindepa. Ele diz que para cada litro de gasolina vendido no varejo paraense, os postos ganham, em média, R$ 0,30, enquanto o Estado recolhe R$ 0,80. Com o alto imposto, alguns proprietários de postos adulteram os produtos para compensar e ter mais combustível para vender. Para piorar, moramos num estado continental, cheio de vicinais, estradas e caminhos ilegais. Isso dificulta a fiscalização da Polícia Rodoviária Federal e combustível adulterado entra no Pará.
MÁFIA
O promotor diz ainda que numa operação do MPE encontrou, além de bombas programadas para registrar uma quantidade de combustível maior do que a fornecida ao consumidor, 67 armas pesadas. A máfia dos combustíveis vai longe. Usam o armamento para sabotar postos, roubar caminhões de transporte de combustíveis, fazer tráfico de combustíveis e tudo isso somado a ‘caixa dois’, estelionato, formação de quadrilha e agiotagem , conta.
Gilberto acrescenta que a máfia não age sozinha. A organização da máfia dos combustíveis é assustadora. Estão presentes no governo, na magistratura e até no próprio MP. A corrupção e a impunidade são emblemáticas no Brasil, o que incentiva essas a prática criminosa nos postos , observa.
Consumidor deve desconfiar de promoções e de preços muito baixos
Os crimes aos quais a adulteração de combustíveis, previstos pelo promotor do MPE, podem dar em média seis anos de prisão. Infelizmente é difícil controlar essas atividades ilícitas. Falta mais rigor nas punições e efetivação das penas , critica o promotor. O processo de pedido de fiscalização também é muito longo. O laboratório analisa, manda a mostra para a ANP e de lá mandam uma fiscalização, para só então acionar o Ministério Público. Nesse tempo, o criminoso teve tempo de se livrar do combustível ruim , acrescenta.
O promotor Mário Melo defende a tese de que, ao receber analistas, os postos com combustível adulterado fazem de tudo para se livrar da mercadoria fraudada. As pessoas devem desconfiar na mesma hora de promoções ou de preços muito abaixo do mercado. Isso é indício de combustível irregular. Com certeza o posto está tentando vender logo aquele combustível por medo da fiscalização , diz.
Grande consumidor de combustível, o taxista Cézar Martins, de 42 anos, só compra em postos nos quais confia. Dá medo em usar um combustível e ter problema. Não compro em locais que estejam com preço baixo ou promoções. Desconfio logo , conta. Ele diz ainda que, no início de julho, liberou o táxi para a família viajar e colocaram combustível num posto em que o preço estava baixo. Foi perto de Benevides. Depois que botaram, o carro falhava de vez em quando. Se o motor do meu carro não fosse novo, bom e queimasse combustível rápido, eu poderia ter problemas. Imagine quem tem carros mais antigos , acrescenta.