O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) não assusta mais nas cidades e nas estradas. A falta de fiscalização e a acomodação dos motoristas à nova legislação, implantada em 1998, provocaram, nos últimos seis anos, um aumento de 36% nas mortes por acidentes na Região Metropolitana de Belo Horizonte, segundo estudo do Instituto Médico-Legal (IML), que encontrou uma realidade diferente da registrada entre 1998 e 2000. Logo depois da implantação do CTB, houve uma queda de 30% nos óbitos.
O levantamento leva em conta o número de corpos que entra no IML depois de desastres na Grande BH. Para cada morte, entre três e quatro sobreviventes ficam com seqüelas graves. Em todo o estado, também houve redução apenas nos primeiros anos do CTB. Nas BRs, foram 1.211 mortes em 1998. Em 2001, o número caiu para 958 e, no ano passado, voltou a subir – 1.108. Nas estaduais: 448 em 2003 e 470 em 2006.
O médico-legista João Batista Rodrigues Júnior, responsável pelo levantamento, conta que, nos dois primeiros anos do código, a redução da mortalidade no trânsito foi expressiva: 438, na capital e região metropolitana. “É difícil achar uma outra explicação para essa queda que não seja relacionada à entrada em vigor do CTB. Foi uma época em que todo mundo levava muita multa. Isso teve, sim, um efeito, pois, entre 2000 e 2001, havia faixas nas ruas destacando a redução de mortes na cidade”, disse.
A partir de 2000, teve início o crescimento do número de mortes, uma tendência que se mantém até hoje. “Em 2006, já era muito próximo do registrado em 1998. Primeiro, porque está havendo uma acomodação da lei. O CTB vem, o povo fica assustado, mas depois vai se tranqüilizando. Isso é um fato. Tivemos vários radares que foram desativados e questionados legalmente. Criou-se a idéia de que havia uma indústria da multa, como se quem fosse multado estivesse certo”, destaca o médico.
Outro fator que pode ter contribuído para o crescimento do número de acidentes com mortes, segundo ele, é o aumento da frota de veículos (em Minas, passou de 3,08 milhões, em 1999, para os atuais 5,07 milhões). Também são considerados o crescimento da população e a quantidade de motos. “É notório no IML e no Hospital de Pronto-Socorro João XXIII (HPS), onde também trabalho, o aumento dos acidentes envolvendo motociclistas. Temos uma invasão desse tipo de veículo, que é magnífico do ponto de vista do transporte. É ágil, custa pouco, tem manutenção e impostos baratos e gasta pouco combustível. Só que tem um risco grave, muito associado à velocidade, que os radares não registram.”
João Batista é autor de outro estudo que mostra a influência que o CTB teve sobre a perícia nos casos de embriaguez. “Dobramos o número de perícias depois de 1998. Antes eram três por dia e, agora, são seis. A gente não sabe se realmente aumentou o número de motoristas bebendo ou se, simplesmente, as autoridades atentaram mais para o fato depois da nova lei”, completa. Em mais de 90% dos testes, acrescenta, a embriaguez é confirmada. Para tentar reduzir os acidentes, João Batista lembra a importância das campanhas educativas, mas defende novos redutores de velocidade e radares em condições de flagrar também as motocicletas.
IMPRUDÊNCIA Mestre em engenharia e transporte e consultor de trânsito, Paulo Rogério da Silva Monteiro atribui o aumento das mortes à ineficiência da fiscalização. “A maior parte dos acidentes com mortes deve-se à alta velocidade, principalmente em épocas de feriado e de férias, com veículos muitas vezes sem manutenção”, diz. Nas estradas em boas condições, o perigo é maior, pois os motoristas ficam mais “abusados”.
A impunidade é outro fator que alavanca as estatísticas de morte, segundo ele, que considera o bolso como o “órgão” mais sensível do corpo humano. “Se o motorista tem a certeza da impunidade, que pode fazer o que quiser e nada vai lhe acontecer, acaba extrapolando os limites do bom senso, da segurança”, diz.
Os novos motoristas, avalia, também são menos preparados para as situações de risco. “Os jovens são os que mais se envolvem em acidentes, embora tenham reflexo mais apurado. Mas se sentem, muitas vezes, acima da capacidade de erro, achando que dentro do carro eles podem tudo, que nada pode contra eles.”
Um derrame de carteiras de habilitação ilegais em Minas, compradas em cidades do Norte de São Paulo, também pode contribuir para formar o quadro de dor. A maioria é de condutores sem preparo e que não passou pelos exames exigidos pela lei. A indústria automobilística também incentiva as infrações, observa Paulo Monteiro. “Elas vendem liberdade e velocidade, uma série de atributos entre os quais a prudência não é o mais importante. Você não vê um carro sendo valorizado pelo conforto e segurança”, acredita.
De acordo com o Detran-MG, de janeiro de 1998 a junho de 2007, 15.974 motoristas tiveram suas carteiras de habilitação suspensas por um período de um a 12 meses, sendo obrigados a fazer curso de reciclagem. As infrações são as mais diversas, como dirigir embriagado, excesso de velocidade, disputa de corridas, manobras perigosas, falta de capacete, no caso dos motociclistas, e por somar 20 pontos no prontuário. Nos nove anos do CTB, apenas 127 carteiras foram cassadas em Minas, por reincidência nas infrações. De acordo com sua assessoria, o chefe do Detran, delegado Eduardo Betti, precisaria de um levantamento calcado nos números de veículos e motoristas habilitados, ano a ano, desde a entrada em vigor do CTB, para comentar o aumento das mortes no trânsito.