Mas ninguém paga multa ou sofre qualquer punição. Em 2009, resolução do Contran dará fim à farra da imunidade

Apesar de não ser alvo de fiscalização por parte dos agentes policiais, todos os dias pelo menos um carro diplomático é flagrado no DF desrespeitando as leis de trânsito. O Departamento de Trânsito (Detran) faz, em média, 30 autuações por mês. O número, no entanto, está longe de refletir a realidade do comportamento imprudente dos condutores de carros com placas azuis e brancas. Simplesmente porque os agentes se vêem obrigados a ignorar as infrações cometidas por eles. “Não vale a pena abordá-los. É grande o risco de criarmos um incidente diplomático grave. Esses carros são como uma nação: invioláveis. Então, não há o que fazer”, lamentou o diretor-geral do Detran, Jair Tedeschi.

Mas a farra pode diminuir. O descontrole do governo brasileiro sobre os veículos de representantes diplomáticos, de repartições consulares e de organismos internacionais chegará ao fim em 1º de janeiro de 2009. É quando entra em vigor a Resolução nº 286, do Conselho Nacional de Trânsito (Contran). O texto torna obrigatório o registro, o emplacamento e o licenciamento dos carros oficiais pelos órgãos de trânsito em conformidade com o Registro Nacional de Veículos Automotores (Renavam).

Registrados
Pelas novas regras, a cor da placa será mantida. Mas, assim como os outros veículos, os carros diplomáticos terão três letras e quatro números. No lugar do município, será colocado o código correspondente ao órgão de origem. Por exemplo, CMD para os chefes de missão diplomática, CD para missão diplomática, delegações especiais e agentes diplomáticos, e assim por diante. Segundo o diretor do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), Alfredo Peres da Silva, a medida tornará obrigatório o pagamento das multas. “Imunidade diplomática não livra ninguém de pagar multa”, esclareceu.

A Comissão de Relações Exteriores do Senado aprovou ontem um requerimento pedindo explicações ao Itamaraty sobre a imunidade diplomática e os critérios de registro de veículos, além de querer saber por que o estudante Sebastian González Ayala, filho do embaixador do Paraguai, Luis González Arias, não foi punido após ser flagrado dirigindo alcoolizado na última terça-feira.

O rapaz admitiu ter ingerido bebida alcoólica antes de pegar o volante. Ele estava sem a carteira de habilitação e conduzia o carro pertencente ao corpo diplomático de seu país. Como é filho de diplomata, Sebastian é amparado pela imunidade plena prevista na Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas (1965), da qual o Brasil é signatário. Por isso, saiu impune.

Sem controle
Atualmente, nenhum órgão de trânsito do governo — seja federal ou local — tem o controle sobre quantos veículos com placas azuis e brancas circulam pelo país. Segundo o Itamaraty são 1.289 só no DF. A falta de informações e a imunidade diplomática são entraves para a repressão às irregularidades cometidas nas vias. Dos 30 flagrantes registrados por mês no DF, 90% são por equipamentos eletrônicos. Ou seja, o motorista trafegava em alta velocidade ou avançou o sinal. O auto de infração é o primeiro ato para multar um infrator de trânsito. Mas para os representantes de países estrangeiros no Brasil, é um papel sem qualquer valor.

Os poucos autos emitidos pelo Detran chegam ao Ministério das Relações Exteriores com um ofício. E a história acaba aí. Segundo Tedeschi, às vezes o Itamaraty redige um documento “formal e com cuidado” e entrega para o embaixador ou cônsul informando sobre a infração e recomendando que se evitem novos casos, além de ressaltar a necessidade de respeito à lei brasileira. “Mas nunca recebemos retorno ou pagamento referente às infrações cometidas. Cai tudo na 6ª seção”, afirmou Tedeschi. A expressão 6ª seção quer dizer arquivo.

Senado quer explicações
O Senado reagiu ontem ao abuso dos carros diplomáticos em Brasília. A Comissão de Relações Exteriores aprovou um requerimento pedindo explicações ao Itamaraty sobre a imunidade das embaixadas no trânsito. A solicitação é feita diretamente ao ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim.

O requerimento foi apresentado pelo senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG). O documento pede informações “sobre a imunidade dos diplomatas em serviço no Brasil e seus familiares, sobretudo em relação ao cumprimento das leis de trânsito brasileiras e à falta de registro de seus veículos pelo Departamento de Trânsito dos respectivos estados da Federação e Distrito Federal”.

O senador usou como justificativa o episódio envolvendo o estudante de medicina Sebastian González Ayala, 19 anos, filho do embaixador do Paraguai no Brasil, Luis González Arias. “A minha idéia é para o Senado entrar e provocar o Itamaraty a tomar uma posição oficial”, explicou Azeredo. “Porque a Convenção de Viena assegura a imunidade, mas não fala em desacordo às leis do país”, ressaltou.
A aprovação do requerimento ganhou o apoio do senador Cristovam Buarque (PDT-DF). Para o parlamentar, não se pode abusar da imunidade diplomática. “A imunidade virou impunidade. Não pode proteger ilícitos que sejam cometidos. Isso não é possível, é um absurdo”, afirmou Cristovam.