No dia 12 de março deste ano, a Record apresentou um programa intitulado “Vida na Estrada” em que abordava o uso de drogas dos motoristas profissionais. Dentre vários flagras feitos pela reportagem e pela PRF, estava um motorista, cujo veículo estava  identificado como a serviço da Tegma, transportando cerca de R$ 800 mil reais em automóveis. O cegonheiro estava com 150 rebites e admitia o uso eventual e quando questionado sobre o que pode acontecer quando acaba o efeito: ” Se mata, mata alguém…”

A Tegma anuncia no seu site que é a empresa líder no transporte de veículos novos, com  centenas de milhares de veículos transportados por ano.

Entramos em contato com a Tegma no dia 21 de março e através da assessoria de imprensa nos solicitaram alguns dias para responder. Depois de protelar as respostas, finalmente elas chegaram, ironicamente no dia 01 de abril. Embora a suposição é sempre de que as respostas reflitam a verdade da empresa, a coincidência do dia da resposta não era nada animador.

Como na mesma matéria foi entrevistado o representante do Ministério Público do Trabalho, Dr. Paulo Douglas de Moraes, aproveitamos para entrar em contato e ouvir sua opinião sobre a postura de uma empresa como a Tegma e sobre a Lei do Descanso.

Vejam as perguntas enviadas para a assessoria de imprensa da Tegma e as respostas da empresa, além da entrevista com o Procurador,  ao final do texto:

ESTRADAS.COM.BR:

Como as imagens da Record revelaram a empresa e pelo porte da mesma, gostaríamos de saber:

1)      Qual a política da empresa em relação as exigências previstas na Lei 12.619/12 , principalmente quanto as paradas obrigatórias, descanso entre jornadas e condições em que ele ocorre (dentro do caminhão, alojamento, hotel)?

TEGMA: Não respondeu

2)      Qual a frota da empresa e número de motoristas que a atendem?

TEGMA: Não respondeu

3)      Qual a política de redução de acidentes e dados sobre os mesmos?

TEGMA: Não informou nenhum dado sobre os acidentes e prestou alguns esclarecimentos na Nota Oficial da empresa.

4)      Existe alguma política de controle de uso de drogas e, no caso do motorista admitir o vício, o que a empresa faz?

TEGMA: Respondeu parcialmente na nota mas não informou como procede no caso do motorista admitir o vício.

5)      Qual a avaliação da direção quanto a Resolução 460 do Contran que prevê a obrigatoriedade dos exames toxicológicos de larga janela, o chamado ‘hair test” ?

TEGMA: Não respondeu

6)      Que medidas foram tomadas no caso do motorista da empresa flagrado pela Record e PRF?

TEGMA: Informou apenas que não vai se manifestar sobre o motorista que seria de uma empresa terceirizada. Portanto, sem vínculo empregatício com a empresa.

TEGMA

VEJA O QUE DIZ A NOTA DA TEGMA:

Nota de esclarecimento

São Bernardo do Campo, 1.° de abril de 2014 – A Tegma Gestão Logística vem desenvolvendo, ao longo dos anos, ações educacionais para os motoristas. O tema segurança nas estradas e qualidade de vida é um dos pilares de um projeto criado em 2008: o Programa Forte. A iniciativa é voltada exclusivamente para os transportadores e tem cinco áreas prioritárias: qualidade de vida e segurança, atendimento, comunicação, infraestrutura e desenvolvimento.

Todos os motoristas terceirizados da companhia participam de palestras, peças teatrais, treinamentos e atividades de integração com temas que abordam direção defensiva, desempenho, crimes de trânsito, excesso de velocidade, distúrbios do sono, doenças sexualmente transmissíveis, alcoolismo, drogas, tabagismo, obesidade, estresse, ergonomia, comportamento no trânsito, impactos dos acidentes de trânsito na sociedade, lei seca, normas de trânsito e atendimento ao cliente.

Em relação à reportagem da Rede Record, a Tegma não vai se manifestar publicamente, respeitando a individualidade do profissional terceirizado.

Entrevista com o Procurador do MPT e suas considerações sobre a Lei do Descanso, Tegma e movimento no parlamento para revogar essa conquista.

1) A situação do motorista da Tegma, flagrado com 150 rebites, é uma trágica exceção no dia a dia do transporte rodoviário?

Infelizmente a situação do motorista traduz uma regra cada vez mais presente no transporte rodoviário de cargas e de passageiros do Brasil. As pesquisas do Ministério Público do Trabalho apontam que o quadro vem se agravando quantitativa e qualitativamente, pois além dos motoristas estarem se drogando em maior número se comparado os anos de 2007 e 2012, hoje passou-se a usar drogas muito mais pesadas e com grande poder de vício com poucas exposições.

Até então constatamos que a cocaína era e continua sendo a principal droga, mas em razão do baixo custo, o crack está ganhando espaço rapidamente.

Importante destacar, ainda, que a causa eficiente para o uso indiscriminado de drogas entre os motoristas não é outra, senão as longas jornadas de trabalho exigidas desses profissionais. Eles não se drogam porque querem, se drogam porque são obrigados.

2) A empresa Tegma alega que o motorista que foi flagrado é terceirizado, isso retira a responsabilidade dela sobre o ocorrido?

A empresa Tegma se classifica, em termos de logística de transporte, como empresa transportadora, mas com robustez típica de uma embarcadora, uma vez que compõe um grupo econômico poderoso que controla a logística de diversas empresas, em especial do setor automobilístico.

Pois bem, seja na condição de transportadora ou de embarcadora, a empresa está diretamente responsabilizada por fiscalizar o tempo de descanso dos motoristas que lhe prestam serviços, ainda que subcontratados. Isto porque esta é exatamente a obrigação prevista no art. 67-A, § 7º do CTB.

Portanto, neste caso concreto a empresa pode, sem nenhuma dúvida, responder por eventuais danos causados ao motorista flagrado, bem como responder por danos eventualmente causado por ele a terceiros.

3) Qual é, exatamente, a responsabilidade da Tegma e da sua tercerizada num episódio como esse?

Conforme já mencionado, ela pode responder por danos provocados ao motorista e a terceiros, mas também há responsabilidades de cunho preventivo.

Não basta, conforme divulgado pela empresa, que ela faça apenas campanhas educativas. É necessário que ela cumpra a determinação do art. 67-A, § 7º do CTB e fiscalize criteriosamente o efetivo cumprimento dos períodos de descanso previstos pela Lei n. 12.619/12 pelos motoristas próprios ou terceirizados.

4) O que o Ministério Público do Trabalho vem fazendo para que a Lei n. 12.619/12 seja cumprida pelas embarcadoras?

O Ministério Público do Trabalho tem instaurado pelo país mais de trezentos inquéritos civis apurando a responsabilidade e exigindo o cumprimento, principalmente por parte das embarcadoras, do disposto no art. 67-A, § 7º do CTB, dispositivo introduzido pelo Lei n. 12.619/12.

Além disso, estamos totalmente empenhados, juntamente com a Fiscalização do Trabalho, PRF e ANTT, em operações de fiscalização da lei nas estradas.

Mas a maior preocupação hoje vem do Parlamento, pois a bancada ruralista do Congresso Nacional vem fazendo fortes ataques à lei e pretendem, ainda neste mês, aprovar um texto que subverte a essência da lei, uma vez que reduz sensivelmente os períodos de descanso nela previstos, bem como acaba dando uma “moratória” de três anos para que essas regras mais flexíveis passem a valer efetivamente.

5) Como assim, o Parlamento quer destruir a Lei n. 12.619/12?

Na verdade não é o Parlamento, mas setores representados fortemente naquele poder.

Sim, querem desvirtuar uma lei que já salvou mais de 1500 (mil e quinhentas) pessoas e que evita que a sociedade arque com bilhões de reais com tratamento de mortos e feridos.Portanto, querem matar a lei que salva vidas.

Felizmente, existem parlamentares conscientes e comprometidos em defender essa conquista, como Hugo Leal, Jô Moraes, Vanderley Macris, para citar alguns dos mais atuantes.

6) Qual a avaliação do Ministério Público do Trabalho sobre o atual contexto jurídico e político envolvendo a Lei n. 12.619/12?

Juridicamente a Lei n. 12.619/12 já provou, nesses dois anos de vigência, que possui total aplicabilidade e que representa uma grande conquista para os motoristas profissionais e para a sociedade como um todo, pois, a despeito de toda a resistência oposta por setores econômicos e pelo próprio governo ao cumprimento da lei, ela já está sedimentada e produzindo resultados fabulosos.

Na seara política, em contraposição aos ruralistas, os trabalhadores se organizaram no Fórum Nacional em Defesa da Lei, o FNDL, e eles prometem reagir às pretensões da bancada ruralista no Congresso. Portanto, temos ainda a chance para que o bom senso se mostre presente e essa conquista seja preservada.

Numa vertente mista, o Ministério Público do Trabalho está preparado para fazer, por meio da Procuradoria-Geral da República, os questionamentos necessários à eventual nova lei que venha a ser aprovada junto ao Supremo Tribunal Federal.

O Ministério Público avalia que o povo brasileiro está sendo vitimado com esta manobra focada estritamente em interesses econômicos de curto prazo. Por isso, em observância à Constituição Federal, que textualmente informa que o poder emana do povo e por ele será exercido diretamente ou por meio dos seus representantes, quando esses representantes não cumprem a missão de bem representar o interesse desse povo, cabe ao Ministério Público e ao Poder Judiciário resguardar a essência da Constituição e do Estado brasileiro. Cabe a essas instituições defender o povo.

Veja a matéria da Record e o flagrante com o cegonheiro da Tegma que aparece após o minuto 6 da reportagem, clicando AQUI