Dulce Maria não se esquece de Bárbara, morta em um acidente provocado por um motorista que não respeitou o sinal vermelho
Dulce Maria Pereira Cardoso, de 59 anos, acordou no último sábado de julho com uma dúvida: “Vou ou não à formatura da turma de medicina?”. Emocionada, preferiu ficar em casa. O marido, Carlos Pereira, de 58, foi à cerimônia. A filha caçula do casal, Bárbara Pereira, deveria estar lá, já que era uma das aprovadas do difícil vestibular da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 2001. Mas um acidente em outubro de 2002, no cruzamento das avenidas do Contorno e Carandaí, no Bairro São Lucas, na Região Leste de BH, interrompeu o sonho da família e matou a futura médica. Ela é mais uma vítima da violência do trânsito em Minas Gerais.

Entre janeiro de 2000 e julho de 2007, 10.819 pessoas morreram e 115.855 ficaram feridas, de acordo com as ocorrências registradas pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), Polícia Militar Rodoviária Estadual (PRE) e Departamento Estadual de Estradas de Rodagem (DER-MG). A tragédia é ainda maior, uma vez que os números se referem somente aos desastres nas estradas.

Acidentes e mortes nas ruas e avenidas da maioria das 853 cidades mineiras não são somados, pois não há estatística consolidada sobre os casos ocorridos nas vias urbanas. Há outra dificuldade para fechar o quadro: entre 2000 e 2002, a planilha do DER-MG sobre mortos não está completa. Informa apenas a quantidade de acidentes com pelo menos uma morte. Assim, mais de uma pessoa pode ter perdido a vida em cada tragédia, o que não consta no balanço. No que diz respeito à estatística de feridos, o DER-MG trabalha da mesma forma.

É possível, no entanto, somar as estatísticas de mortos da PRF e da PRE, entre 2003 e 2006, por estarem mais completas. Os resultados preocupam: houve aumento de 13,9% no número de acidentes, que passou de 24.004 para 27.357, e de 19,9% no de mortos, que subiu de 1.316 para 1.578. Há várias causas para o aumento, entre elas o tamanho da frota estadual, que cresceu 48% entre 1999 e 2006: de 3,25 milhões de veículos para 4,82 milhões. Defeitos no asfalto e sinalização inadequada também contribuem para os desastres, mas o principal motivo continua sendo a imprudência. Em 2005, a maioria dos acidentes no Brasil (58,7%) ocorreu na reta, 63,9% com tempo bom e 71% durante o dia ou ao amanhecer.

Avanço de sinal

No caso de Bárbara Pereira a história não foi diferente. Depois de jantar com algumas amigas, ela só queria chegar em casa para dar um abraço nos pais. Não deu tempo. A imprudência de um motorista abriu uma ferida que jamais será fechada no coração de Dulce e do marido, Carlos Pereira. “O condutor furou o sinal vermelho e atingiu o carro de minha filha bem na porta. A nós, só restou uma dor que não acaba. Ela deveria se formar em 27 de julho. Os colegas de classe fizeram uma bonita homenagem, mas não consegui assisti-la”, diz, com a voz trêmula.

A mesma dor aflige outra mãe, Eunice Angélica Nascimento, de 56 anos, que perdeu o filho mais velho, Glaysson Cristóvão, vítima de jovens que faziam um “pega” na Avenida Antônio Teixeira Dias, na Região do Barreiro. “Os dois carros que vinham em sentido oposto ao veículo do meu filho corriam muito. Estavam numa velocidade totalmente incompatível para o local”, contou. Todos os dias, ela fica se lembrando do sorriso do garoto, que estava no terceiro ano do ensino médio e era dono de uma loja de autopeças. Seu plano era se formar em administração de empresas, para expandir seu empreendimento. Também não houve tempo: o acidente pôs fim ao sonho.

“Torço para a justiça de Deus, porque até hoje as pessoas que levaram meu filho de mim não foram julgadas. Morreu aos 22 anos, cheio de juventude e futuro pela frente. No dia 25 completaria 29 anos. Nessa data, fico péssima. Tento ser forte, mas, muitas vezes, sinto que a vida não me dá mais prazer”, desabafa Eunice.