O primeiro passo para diminuir os acidentes de trânsito causados pela sonolência no volante pode ser dado em breve. A Câmara Temática de Saúde e Meio Ambiente do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) elaborou uma proposta de incluir, dentre os exames obrigatórios para se obter, renovar ou alterar a Carteira Nacional de Habilitação (CNH), a avaliação dos distúrbios do sono. Pela proposta, a polissonografia computadorizada seria necessária somente para os condutores das categorias C, D e E, referentes aos veículos pesados.

A proposta está entre as medidas em estudo pelo Contran, que visam alterar as regras referentes aos exames de aptidão física, mental e psicológica para os candidatos à habilitação. Dados da Polícia Rodoviária Federal (PRF) mostram uma evolução no número de mortos nas rodovias que cortam o Estado: até a última segunda-feira, foram 59 vítimas nas BRs, contra 46 no mesmo período do ano passado.

O presidente do departamento de Medicina do Tráfego da Associação Médica de Minas Gerais, José Elísio Corrêa Lima, disse que a nova regra pode contribuir para a diminuição de acidentes. “Dormir ao volante é uma das principais causas de acidentes e perde apenas para as imprudências e embriaguez do condutor. É necessário um médico de trânsito para avaliar os condutores como um todo. Assim, se detectados sinais de distúrbios do sono, o motorista tem que ser encaminhado para um especialista”, explica.

A polissonografia computadorizada monitora o sono do paciente e verifica se a pessoa tem algum distúrbio, que pode aumentar o risco de cochilos ao volante. A medida foi indicada pelo professor de psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Marco Túlio de Mello, após pesquisa e análise do sono de motoristas profissionais. O Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) deverá analisar a proposta a partir de fevereiro. Se aprovada, a medida se transforma em resolução do Código de Trânsito Brasileiro.

Pela proposta, o exame seria custeado pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Em 2007, segundo o inspetor da PRF Matheus Horta Diniz, 34 pessoas morreram nas BRs do Estado, em 700 acidentes causados provavelmente pelo sono.


Motorista dorme 6 dias da semana em boléia


Longe de casa ao menos seis dias por semana, o caminhoneiro Nelsi Bandeira, 47, passa as noites espremido na boléia de seu caminhão. Lá não há espaço suficiente para sequer esticar as pernas. Durante suas viagens pelas estradas do Brasil, não cogita a idéia de dormir em hotel, motel ou pensão. “Prefiro não gastar dinheiro com isso. Meu salário já é pequeno. Se pagar estadia em hotel, vai ser menor ainda”, afirma.

Ele trabalha como motorista há 30 anos e as consequências desse tipo de comportamento são dores nas costas, noites maldormidas e sono durante o dia. “Já cochilei várias vezes dirigindo. Graças a Deus, nunca sofri acidente, mas tive sorte. Já presenciei desastres nas estradas de gente cansada e com sono dirigindo. Quando me pego dormindo, encosto o caminhão em algum posto na estrada, tomo um café e descanso um pouco”, conta.

Bandeira disse também que a jornada de trabalho de um caminhoneiro depende da distância a ser percorrida e da carga transportada. Se for frutas, verduras ou animais, por exemplo, não existe tempo para descansar, pois o produto pode estragar. “Quando é fruta ou verdura, a gente pára menos para descansar. No máximo um cafezinho rápido numa parada. Se o dono da mercadoria estiver com pressa, a gente trabalha até 24 horas por dia para dar tempo de entregar no prazo, mas a média diária de trabalho são de dez horas.”

Geraldo Gilson de Assis, 49, caminhoneiro há 20 anos, não sabe responder se sofre de algum tipo de distúrbio do sono, porém os indicativos são muitos, já que ele também dorme na cabine de seu veículo. “Estou acostumado a dormir pouco”, afirma. Ele trabalhou muito tempo como empregado de transportadora e disse que as empresas não costumam dar dinheiro para hotel. “Eles só custeiam a alimentação. A justificativa é que temos que ficar vigiando a mercadoria e, por isso, é melhor dormir no caminhão.” (CCo)

Médico ressalta importância de avaliação


Apesar de incômodas e gerar consequências graves, os distúrbios do sono passam despercebidos por algumas pessoas portadoras. A importância do exame de polissonografia, segundo o neurologista e médico do sono, Rafael Heringer, é justamente diagnosticar os problemas para que eles possam ser tratados. “Acho que se os motoristas profissionais, principalmente os de caminhão e ônibus de viagem, forem submetidos a esse exame, o número de acidentes em estradas pode diminuir muito. Se detectado o problema, eles serão encaminhados para tratamento e serão orientados a como dormir melhor”, avalia o médico.

Outra novidade prevista pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran) é que o candidato ou condutor poderá requerer a instauração de junta médica ou psicológica aos órgãos ou entidades executivos de trânsito dos Estados para reavaliação do resultado do exame de aptidão física e mental e da avaliação psicológica.