A carga horária excessiva de trabalho e suas conseqüências para os caminhoneiros e outros usuários das rodovias, tema complexo e polêmico que já se transformou numa batalha judicial, ocupou a maior parte do debate no workshop que ontem discutiu a criação do primeiro Estatuto do Motorista.

O procurador chefe do Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso, José Pedro dos Reis, membro da comissão que, a pedido do Senado, elaborou a proposta do estatuto, apresentou dados de uma pesquisa da Polícia Rodoviária Federal que mostra motoristas que trabalham até 20 horas ao dia.

Dados contidos em tacógrafos, equipamentos que limitam a velocidade e monitoram o tempo de rodagem dos veículos, revelaram situações preocupantes, como a do motorista que rodou 19h sem parar a uma velocidade média de 76 quilômetros por hora.

O resultado de longo tempo nas estradas, condições das rodovias, velocidade excessiva, falta de cuidados com a saúde e o consumo de bebidas alcoólicas, medicamentos e energéticos resultam em tragédias, lembrou o inspetor José Clarindo Ferreira, superintendente da PRF no estado.

Além do que há anos testemunha como inspetor, Clarindo Ferreira contou que recentemente, quando retornava de uma viagem com família, sentiu-se na obrigação de parar o caminhão que “dançava” na pista. Na abordagem descobriu que o caminhoneiro estava há mais de 15 horas no volante, sem descansar. “Fizemos com que ele descansasse por quatro ou cinco horas antes de seguir viagem”, observou.

Ontem, na BR-364, dentro da zona urbana de Cuiabá, ao fotografar caminhoneiros para ilustrar esta reportagem, o fotógrafo do Diário encontrou um motorista em visível estado em embriaguês(com olhos avermelhados, movimentos descoordenados e falando enrolado). O caminhoneiro viajava em companhia da mãe e havia parado para almoçar.

A juíza trabalhista e presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho(Amatra), Deizimar Mendonça, observou que provavelmente todos que estavam no evento já haviam sofrido ou conheciam uma história trágica envolvendo acidentes com caminhoneiros. “Eu mesma perdi meu irmão mais velho numa colisão com caminhão”, contou, destacando a importância de mudar esse quadro, começando por definir a carga horária de trabalho dos caminhoneiros.

O secretário-executivo do Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas(Sindmat), Gilvando Alves de Lima, assinalou que a solução para esses problemas dependem de um conjunto de fatores. “Passa também pela situação das rodovias, incluindo sinalização, duplicação e construção de postos de descanso”, citou.

Luiz Gonçalves da Costa, presidente da Federação dos Trabalhadores em Transportes Terrestres, manifestou preocupação com os índices de acidentes, consumo de drogas(álcool, medicamentos) e as doenças ocupacionais como estresse, depressão e ortopédicas. O controle da jornada de trabalho será fundamental para a melhoria da qualidade de vida do motorista e redução de acidentes, segundo Costa.

O workshop foi coordenado pela Procuradoria Regional do Ministério Público do Trabalho e as sugestões para a proposta do estatuto, elaborada pelo senador José Paim, devem ser enviadas à Comissão de Direitos Humanos do Senado.