Você, com certeza, já dirigiu cansado por alguma das estradas do País. Mas, talvez, não tenha consciência do perigo que correu. No entanto, se parar para pensar, não será difícil concordar com os especialistas de trânsito quando afirmam que o cansaço mata, e muito mais do que a gente pensa. Pois essa imprudência praticada por muitos motoristas que arriscam diariamente suas vidas, e a daqueles que encontram pelo caminho, foi analisada e traduzida em números após estudo de acidentes ocorridos em 3,5 mil quilômetros da malha viária concedida do Estado de São Paulo entre janeiro e agosto desse ano.
O trabalho realizado pela Agência de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp) tabulou um universo de 16.630 acidentes. As ocorrências foram divididas em seis períodos de quatro horas cada e mostram que a maior parte dos acidentes, 27%, ou seja, 4.421, ocorreram entre as 16h e as 20h, contra 15% no horário das 8h às 12h, em pistas da malha viária dos sistemas Anchieta-Imigrantes, Anhangüera-Bandeirantes e Castelo Branco-Raposo Tavares. Quarenta e oito por cento deles envolveram automóveis, 22%, caminhões, e somente 2%, ônibus.
Embora esse período concentre o maior número de acidentes, não é nele que ocorrem os casos de maior gravidade, concentrados na faixa horária das 20h à 0h. Nesse período, o índice cai para 17% do total, mas detém 29% dos casos de morte, contabilizadas em 123. O segundo horário com mais casos fatais também é das 16h às 20h, com 112 mortes. O período de maior tranqüilidade e menor incidência, conforme a pesquisa, fica entre 0h e 4h, com 1.558 ocorrências, 9% do total, e 14% dos casos de morte.
Para o diretor-geral da Artesp, Ulysses Carraro, as razões estão em três fatores que atuam para que mais acidentes aconteçam nesse horário: o aumento do fluxo de veículos, a redução da visibilidade ao anoitecer e o cansaço do motorista. Essa última causa, experiência pela qual a maioria dos motoristas já passou, está há algum tempo na mira de vários órgãos governamentais como tema de campanhas de prevenção e conscientização. Uma delas, do programa de Concessões Rodoviárias da própria Artesp, já aplicou R$ 9,2 milhões e colheu os primeiros resultados. Desde que foi lançada, o índice de acidentes na malha caiu 9,1% e o de mortes teve redução de 28%.
No âmbito federal, o Programa SOS Estradas desenvolveu a campanha com o lema O Cansaço Mata, por meio da qual especialistas orientam os motoristas a evitarem dirigir nas estradas por mais de duas horas sem parar. O coordenador do programa, Rodolfo Rizzotto, está convencido de que o cansaço é uma das principais causas da maior incidência de acidentes no final da tarde e começo da noite, embora não desconsidere as demais causas.
De acordo com ele, nesse horário, muitos enfrentam os efeitos da jornada de trabalho ou de outras atividades ao longo do dia. “Nesse período, a fadiga já começa a se manifestar e os reflexos diminuem”, avalia. Dados obtidos por estudo de 2004 do SOS Estradas, intitulado Morte no Trânsito – Tragédia Rodoviária, mostraram que o cansaço foi responsável por 20% dos acidentes e 30% das 24 mil mortes registradas naquele ano nas rodovias brasileiras, tanto pela redução ou perda de reflexo como, em muitos casos, pelo cochilo no volante. Rizzotto lembra ainda que, em muitos casos, as equipes de resgate suspeitam de embriaguez quando vão socorrer acidentados, mas acabam descobrindo que a real causa foi o cansaço do motorista.
Há mais de dez anos na estrada, o engenheiro de segurança Eduardo Cecanho mora em Campinas, mas viaja a Jundiaí de segunda a sexta-feira diariamente para trabalhar, num percurso em duas viagens de 100 quilômetros. Apesar de estar trabalhando mais perto de casa há cinco meses, depois de trocar um emprego em Piracicaba, onde permaneceu por dez anos, por outro em Jundiaí, ele já notou que cansa bem menos se for comparar com a rotina que tinha antes, quando percorria 140 quilômetros por dia para ir e voltar do emprego anterior. “Notei que, apesar de ter encurtado a distância em apenas 40 quilômetros, senti uma enorme diferença, me canso menos. Mas nunca sofri qualquer acidente, só um ou outro susto”, acrescentou.
O NÚMERO
318
MORTES
Foram registradas entre janeiro e agosto de 2006 pelos três sistemas de estradas concedidas do Estado
DICAS – Como combater o inimigo
• Antes de viajar procure dormir bem
• Nunca viaje cansado
• Evite dirigir mais que oito horas por dia
• Planeje a viagem para evitar dirigir à noite
• Descanse 15 minutos a cada duas horas de direção
• Em viagem, prefira alimentos leves
• Evite viajar sozinho
• Reveze com outro motorista a condução do veículo
• Não beba nem tome remédios que afetem os sentidos
Fonte: SOS Estradas
Proximidade do destino final diminui a atenção
Parar a cada duas horas de estrada e ficar atento do início ao fim são as principais recomendações de especialistas da área e médicos. O neurocirurgião Alexander Sperlesco, do Hospital Celso Pierro, da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), acrescenta um dado a mais na lista das causas de mortes no trânsito. Pesquisas a que teve acesso mostram que grande parte dos acidentes ocorrem a seis quilômetros do ponto de chegada e dentro da faixa horária de maior incidência de acidentes revelada pela Artesp. “O motorista relaxa ao se aproximar do local de destino e deixa de prestar atenção no trânsito”, disse.
Segundo ele, a adaptação ao Horário de Verão também contribui para engrossar as estatísticas. “Durante as primeiras duas semanas, a mudança do ritmo biológico também interfere e muitas vezes ele pára de prestar atenção”, afirmou.
Comer em excesso é uma das maiores imprudências que um motorista pode cometer, desconsiderando nessa lista a mais grave de todas, a ingestão de bebidas alcoólicas. “Ao comer muito, a circulação sanguínea se concentra no estômago e falta no cérebro, com queda na concentração e aumento do risco de cochilo na direção”, explicou.
Ao anoitecer, na hora do lusco-fusco, dentro da faixa horária mais perigosa, o risco aumenta. Segundo o neurocirurgião, não há o contraste que dá a profundidade no campo visual.