93% dos municípios paranaenses descumprem a norma estabelecida pelo Código de Trânsito Brasileiro
Sinalizar as ruas, fiscalizar os motoristas e desenvolver programas educativos são uma obrigação das prefeituras. Pelo menos na teoria. Criado há 10 anos, o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) atribui aos municípios sua parcela de responsabilidade sobre o trânsito, mas não impõe penalidade às prefeituras que não cumprem a norma. Com a lei branda e a falta de um fundo específico, somente as prefeituras dos grandes e médios municípios aderiram à mudança. Dos 5.563 municípios brasileiros, só 900 municipalizaram o trânsito, o que representa 77% da frota nacional. No Paraná, 29 administrações municipais, compreendendo 60% da frota do estado, assumiram a gestão do trânsito. Entre elas estão Curitiba, Londrina, Maringá, Cascavel, Foz do Iguaçu e Umuarama.
Antes de formalizar a municipalização, a prefeitura precisa se integrar ao Sistema Nacional de Trânsito. Para chegar lá, deve criar um órgão municipal executivo, com estrutura física e funcionários concursados. Outros passos são a criação da Junta Administrativa de Recursos de Infrações (Jari), para analisar os recursos dos motoristas multados, e a criação de um conselho municipal. Com a municipalização, 95% da arrecadação das multas ficam no município e 5% vão para um fundo nacional. O dinheiro volta para o trânsito, com projetos de planejamento viário e de educação para motoristas e pedestres.
Apesar da promessa de aumento na arrecadação, a municipalização não é atraente para a maioria dos gestores. “Os municípios concentram seus recursos em áreas como a saúde, a educação, a segurança e a assistência social”, opina o presidente da Associação Brasileira de Municípios, José do Carmo Garcia. Para o presidente da Associação dos Municípios do Paraná, Valentim Milléo, a municipalização “é um investimento grande para um retorno muito pequeno”.
“É preciso derrubar o mito dos custos”, rebate o diretor do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), Alfredo Peres da Silva. “Para os municípios se integrarem ao Sistema Nacional de Trânsito não significa que devam ser criadas novas e onerosas estruturas. Será possível o cumprimento de todas as exigências com o mínimo de despesas adicionais.”
Castro, nos Campos Gerais, já está integrado ao Sistema Nacional de Trânsito, mas ainda precisa contratar servidores para implantar a municipalização. “O fato mais importante não é a arrecadação, mas trabalhar educativamente para reduzir os acidentes”, aposta o diretor de Segurança Pública Municipal da Secretaria Municipal de Gestão Pública, Antônio Sérgio de Oliveira.
Em Imbituva, nos Campos Gerais, o trânsito ainda não é responsabilidade da prefeitura. De acordo com o engenheiro civil da prefeitura Luiz Roberto Penteado, a mudança é necessária porque o efetivo da Polícia Militar já não é suficiente. “São dois policiais e uma viatura por turno para atender as ocorrências e ainda cuidar do trânsito”, afirma. Para os moradores da cidade, que tem uma frota de 8.274 carros, a falta de educação dos motoristas é o problema. “Ninguém respeita placa de preferencial”, afirma o gerente industrial Agenor Pagatoli.
Califórnia muda só no papel
Em Califórnia, no Norte do estado, a municipalização só existe no papel. A cidade, que tem quase 8 mil habitantes e 3 mil carros, foi incluída no Sistema Nacional de Trânsito em 2001. Para o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), Califórnia está entre os 29 municípios paranaenses municipalizados.
A cidade sentiu a necessidade de municipalizar o setor por causa do movimento que ganha com a passagem da BR-376, que corta o município. “Mas a idéia não foi adiante e hoje a prefeitura não tem interesse em implantar a mudança”, afirma o secretário de Administração e Finanças, Nivaldo Santos Júnior.
Desde 2006, o Denatran criou o Projeto de Acompanhamento e Monitoramento de Órgãos e Entidades Executivos de Trânsito dos Municípios Integrados ao Sistema Nacional de Trânsito. A comissão faz visitas técnicas aos municípios para identificar problemas e apontar soluções. Mesmo tendo desistido da municipalização, Califórnia foi um dos municípios visitados, em outubro de 2006.
“Acolhendo proposta dos conselhos estaduais de Trânsito, estamos levando ao Conselho Nacional de Trânsito (Contran) proposta de resolução para que a municipalização seja acompanhada pelos conselhos estaduais, garantindo respaldo técnico aos municípios”, adianta o diretor do Denatran, Alfredo Peres da Silva. (MGS)
Municipalização não reduz acidentes em União da Vitória
Um dos objetivos da municipalização no trânsito é a redução de acidentes. Não foi o que aconteceu em União da Vitória, no Sul do Paraná. A prefeitura assumiu a gestão do trânsito no fim de 2006. Naquele ano, o total de acidentes atendidos pela Polícia Militar no perímetro urbano foi de 418. Em 2007, quando se completou o primeiro ano da municipalização, o total chegou a 447, ou seja, um aumento de 6,9%. O número de feridos subiu de 226 para 238 e o de mortos se manteve em três.
Circulam pelas ruas de União da Vitória 20.621 veículos. A frota é parecida com a de Irati, também na Região Sul, que tem 20.301 carros. Embora Irati não tenha o trânsito municipalizado, o número de acidentes é menor que em União da Vitória. Segundo relatório da Polícia Militar, no ano de 2006 houve 366 acidentes em Irati, ou seja, 52 a menos que em União da Vitória, no mesmo período. No ano passado, enquanto em União foram registrados 447 acidentes, em Irati ocorreram 347. A quantidade de feridos e mortos foi a mesma nas duas cidades: 238 pessoas ficaram machucadas nas batidas e três morreram.
Para a diretora de Trânsito de União da Vitória, Juliane Steenzinger, o movimento de carros na cidade aumenta principalmente aos fins de semana devido à proximidade com Santa Catarina. A cidade é dividida apenas por uma linha de trem com Porto União (SC) e, portanto, as frotas se misturam.
Com a municipalização, a prefeitura de União da Vitória pôde investir em programas de educação para o trânsito, sinalização e demarcação de carga e descarga, bem como estacionamento de carros e motos. Apesar dos acidentes, Juliane considera que a municipalização foi benéfica porque aumentaram os recursos para serem investidos no trânsito.
Em Irati, segundo o diretor da Secretaria de Obras, Diógenes Ferreira Dietrich, a municipalização ainda está em fase de estudo. Enquanto isso não acontece, a prefeitura tenta solucionar o crescimento da frota na cidade. “Estamos executando projetos para evitar que os caminhões circulem no centro”, relata.
Para o advogado e professor de Direito de Trânsito Marcelo Araújo, a municipalização é um avanço na legislação de trânsito, mas precisa ser cumprida em todas as suas etapas pelas prefeituras. “As autoridades locais estão mais próximas dos problemas que existem no trânsito de sua própria cidade com relação ao estado ou à União”, considera.