Um dia depois do corpo-a-corpo que donos de bares e restaurantes fizeram na Câmara dos Deputados para protestar contra a medida provisória (MP) que restringe a venda de bebidas alcoólicas nas rodovias federais, o ministro Tarso Genro admitiu mudanças nas regras. Segundo ele, o governo estuda liberar a comercialização em estradas federais que atravessam zonas urbanas. A alteração, que atingiria cerca de 16% dos 61 mil quilômetros de rodovias no país, foi motivada pelas queixas de empresários sobre a concorrência. “Eles argumentam que a pessoa pode andar apenas uma quadra e comprar a bebida em outro estabelecimento”, explicou Genro. O ministro afirmou, no entanto, que não vai renunciar ao objetivo central da MP, que é o de “criar dificuldades para que motoristas bebam”.
Para especialistas em trânsito, a alteração pode ser o primeiro passo para uma total descaracterização da lei. Ronaldo Laranjeira, psiquiatra e coordenador da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), considera a mudança “um passo atrás” no combate à violência nas estradas. “Essa alteração vai contra os princípios que norteiam a lei. Acho que o ministro está se curvando à pressão da indústria do álcool”, critica Laranjeira.
O professor na área de transporte da Universidade de Brasília (UnB), Paulo César Marques da Silva, concorda que desestimular a ingestão de álcool traz resultados positivos, mas acredita que o país não está preparado para tornar efetiva a proibição. “Essa lei foi pouco discutida, tanto em relação aos impactos econômicos quanto aos métodos de inspeção. Como a Polícia Rodoviária Federal, que já tem dificuldade de cuidar de suas atribuições, vai atuar na inspeção dos estabelecimentos?”, questiona Silva.
Para os comerciantes, o que tem pesado é a queda no faturamento. Desde que a MP foi editada, mais de 200 liminares expedidas pela Justiça, autorizando a venda de bebidas alcoólicas, beneficiaram estabelecimentos comerciais. Goiás, Santa Catarina, Piauí e Minas Gerais concentram 83% das autorizações judiciais. A mais recente liminar foi dada a um supermercado, San Gerardo, às margens da BR-222, no Ceará.
Investigação
A Polícia Rodoviária Federal (PRF) decidiu investigar a denúncia de que agentes estariam recebendo propina de comerciantes para fazerem vista grossa em relação à venda de bebidas nas rodovias. Paulo Solmucci, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), que falou publicamente sobre o problema na Câmara dos Deputados, foi convocado para depor amanhã. Ele será ouvido por um representante da Corregedoria Nacional da PRF. Segundo a assessoria de imprensa do órgão, se Paulo apresentar indícios concretos de corrupção, um processo interno será instaurado para identificar e punir os policiais envolvidos no esquema.
Em Brasília, o 1º Distrito da PRF considerou constrangedora a afirmação do representante da Abrasel de que policiais recebem propina para não multar estabelecimentos que vendem bebidas alcoólicas às margens das rodovias federais. Na avaliação do inspetor Walter Motta, da PRF-DF, a denúncia tem o interesse de denegrir a imagem da fiscalização e desmerecer o cuidado que tem sido tomado pela corporação na aplicação da medida. “Atende o interesse do setor que luta contra a MP. Em Brasília não há denúncia de corrupção policial. Nem mesmo por parte de veículos fiscalizados”, ressalta.