Caminhoneiro drogado na BR-101
Em março caminhoneiro 'drogado' desobedeceu ordem da PRF, fugiu, provocou acidente e na BR-101, em SC. Foto: Divulgação/PRF-SC

Câmara adia para esta quinta-feira (27) votação da MP 1153/22 após decisão do plenário por 204 votos a 202. Inicialmente previsto para esta quarta-feira (26), o adiamento ocorreu por mudanças, ainda não confirmadas, no relatório do Deputado Hugo Motta.

O   relatório do deputado Hugo Motta sobre a MP 1153,  trata de diversos assuntos de interesse de quem controla o transporte no país e a exploração dos motoristas profissionais, mas que não tem respeito pelas vidas dos que circulam nas rodovias e ruas deste país.

A MP 1153/22 publicada no dia 30 de dezembro do ano passado, no apagar das luzes, pelo governo Bolsonaro, deu o primeiro passo para garantir a impunidade dos que fogem do exame toxicológico. Curiosamente, trata-se de governo que dizia ser contra as drogas.

Está no texto da MP 1153 o apoio a quem não cumpre a lei tão importante para a segurança de todos. Veja o que aparece no seu primeiro artigo:

Art. 1º O disposto no art. 165-B da Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 – Código de Trânsito Brasileiro – será aplicado a partir de 1º de julho de 2025.

O artigo 165-B trata exatamente da autuação e suspensão da CNH de quem não realiza o exame toxicológico.

Art. 165-B. Conduzir veículo para o qual seja exigida habilitação nas categorias C, D ou E sem realizar o exame toxicológico previsto no § 2º do art. 148-A deste Código, após 30 (trinta) dias do vencimento do prazo estabelecido: (Incluído pela Lei nº 14.071, de 2020) (Vigência) (Vide Medida Provisória nº 1.153, de 2022)

Infração – gravíssima; (Incluído pela Lei nº 14.071, de 2020) (Vigência)

Penalidade – multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir por 3 (três) meses, condicionado o levantamento da suspensão à inclusão no Renach de resultado negativo em novo exame. (Incluído pela Lei nº 14.071, de 2020) (Vigência)

Parágrafo único. Incorre na mesma penalidade o condutor que exerce atividade remunerada ao veículo e não comprova a realização de exame toxicológico periódico exigido pelo § 2º do art. 148-A deste Código por ocasião da renovação do documento de habilitação nas categorias C, D ou E. (Incluído pela Lei nº 14.071, de 2020) (Vigência)

Qual o efeito prático da MP 1153/20?

Garante a impunidade de motoristas que não cumpriram o exame toxicológico periódico obrigatório, adiando a multa para 01 de julho de 2025. Sem nenhum estudo que justifique.

Quem é beneficiado?

1) Quem explora o motorista profissional, exigindo cumprimento de jornadas absurdas, exequíveis apenas sob efeito de drogas e com enorme potencial de risco.
2) O traficante que vende drogas
3) Crime Organizado que usa motoristas usuários de drogas para a logística do transporte de armas, munição, contrabando e drogas. Tudo escondido em meio a carga legalizada.

Consequências no mundo real:

Professora e filho assassinados

Na quinta-feira (6), véspera do feriado de Páscoa, um caminhoneiro dirigindo um bitrem, colidiu com 18 veículos na BR-376, no Paraná. Como consequência, além de outras vítimas, matou a professora Vanessa Kubaski Maciel, de 37 anos, e seu filho, Pedro, de 7 anos.

No atendimento ao acidente (sinistro), os policiais identificaram diversas irregularidades no veículo que pertence à transportadora Rodoposser, como: problemas de freio, na sinalização, placas, cronotacógrafo (caixa preta do setor) vencido há mais de 1 ano. Todas essas infrações são de responsabilidade do dono do veículo.

A única multa que poderia aplicar ao caminhoneiro assassino seria pelo fato de estar com exame toxicológico vencido há mais de 2 (dois) anos. Mas ele não pôde ser autuado exatamente porque a MP 1153 adiou a multa para 1º de julho de 2025.

Logística do crime organizado

No dia 15 de abril, o motorista de uma carreta foi parado pela PRF na BR-163, também no Paraná, sob efeito de cocaína. Dentro da carga de milho, ele escondia 1.750 kg de maconha.

O crime organizado usa motoristas usuários de drogas, muitas vezes com dívidas, para que transportem dentro de carga legalizada, drogas, armas e munição. Além de participar de outros ilícitos.

No caso da BR-163, o condutor estava sob efeito de cocaína e, naturalmente, baixou o valor do frete para poder esconder a droga. Deixou de ser um caminhoneiro para fazer parte da logística do crime.

Como conseguem fazer o caminhoneiro dirigir sem parar, com apoio da MP 1153?

Está previsto na MP 1153 o seguinte texto, no Art. 67-C:
§ 8º Constituiu situação excepcional de inobservância justificada do tempo de direção e de descanso pelos motoristas profissionais condutores de veículos ou composições de transporte rodoviário de cargas, a indisponibilidade de pontos de parada e de descanso na rota programada para a viagem ou o exaurimento das vagas de estacionamento neles disponíveis, na forma regulada pelo CONTRAN.

Tradução – Basta o motorista alegar que não tinha lugar para efetuar a parada obrigatória após 5 horas e 30 minutos de direção contínua (destacamos – 5 horas e meia dirigindo carreta sem parar) que poderá dirigir por 20, 30, 40 horas e o agente de trânsito nada poderá fazer.

Resultado prático – Motoristas com dezenas de toneladas dirigindo sob fadiga ou efeito de drogas que podem matar dezenas de pessoas numa única colisão.

Levantamento realizado pelo SOS Estradas comprovou que, em363 acidentes envolvendo um caminhão e um automóvel, com vítima fatal, foram registradas as mortes de 622 pessoas, sendo 605 nos automóveis. 

Relator é médico mas não demonstrou preocupação com a jornada dos motoristas

O relator da matéria, deputado Hugo Motta, é médico. Portanto, não pode alegar desconhecimento da necessidade de impedir excesso de jornada, dirigir muitas horas sem parar, além da exploração do profissional do transporte de carga que o leva ao uso de drogas para cumprir a jornada abusiva.

No seu primeiro relatório o deputado foi favorável a manutenção do adiamento da multa o que praticamente inviabiliza a política pública, já que tira a punição de quem não cumpre a lei. Quanto mais no que se refere ao uso de drogas.

Agora, a expectativa é de eventuais alterações que corrijam essa criminosa interpretação.

Psiquiatra alerta sobre o uso de drogas

O Estradas conversou com o médico psiquiatra Pablo Miguel Roig, com 47 anos de experiência, especialista no tratamento de dependências químicas e comorbidades e autor de diversos livros e artigos relacionados ao tratamento de dependentes químicos.

Segundo o dr. Roig, há dois tipos de droga muito utilizada pelos caminhoneiros, que são a maconha e a cocaína. “As duas agem de forma diferente. A maconha modifica a sensação de percepção, principalmente na área do tempo e espaço. Imagine que uma pessoa que tem que ultrapassar um caminhão, por exemplo, tem que saber quanto tempo leva pra ultrapassar e qual é o espaço que esse caminhão ocupa“?

Nos Estados Unidos, a permissão do uso da maconha em alguns estados fez com que aumentasse significativamente a quantidade de acidentes fatais. O uso dessas drogas tiram o sono e dão uma energia, mas é uma energia ‘emprestada’, onde o paciente troca por uma liberação de determinadas substâncias no cérebro que deixam agitado, alerta. Só que depois produz uma queda significativa das distâncias. Vem toda a sensação de cansaço excessivo, de esgotamento, porque foi usadas uma energia que a pessoa não tinha.

Outra coisa, segundo o dr. Roig, é que no caso da cocaína, que um estimulante, há uma distorção da realidade, a percepção de erros. “A pessoa tem mais tendência a errar cálculos e, consequentemente, isso torna muito perigoso, principalmente, se a pessoa fora operar uma máquina ou dirigir um caminhão”.

De acordo com o dr. Roig, a dependência química se evidencia e modifica o equilíbrio biológico da pessoa. “Essas drogas acabam fazendo com que a gente tenha uma modificação da nossa forma de funcionar, principalmente na atuação do cérebro, arruinando a parte mais sofisticada do nosso cérebro que é o pré-frontal, que nos permite pensar antes de agir. Com o uso dessas drogas, essa parte fica totalmente desativada. Por outro lado, o que fica ativado é a parte central do cérebro, que é uma parte que é muito mais animal do que humana.”