A ação civil pública explica que o normativo impugnado (artigo 3º, inciso IV, do Decreto) não pode exigir que seja provada a deficiência do candidato já na fase de inscrição. Foto: Divulgação

Ação questiona obrigação imposta por Decreto que regulamentou o Estatuto da Pessoa com Deficiência; concurso da PRF terá retificações

O Ministério Público Federal, no Distrito Federal, acionou a Justiça, na terça-feira (26), para questionar o Decreto 9508/2018, que regulamentou o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015). Com o Decreto regulamentar, os candidatos que concorrem a vagas reservadas a pessoas com deficiência passaram a ser obrigados a provar essa condição ainda no ato da inscrição, por meio de parecer médico multiprofissional e interdisciplinar, financiado às próprias custas.

Tal exigência não está prevista no Estatuto e, para o MPF, representou retrocesso na promoção da igualdade e da inclusão social, resguardadas por lei.

A ação civil pública explica que o normativo impugnado (artigo 3º, inciso IV, do Decreto) não pode exigir que seja provada a deficiência do candidato já na fase de inscrição. Além da referida determinação não encontrar respaldo legal, para o MPF, cabe ao Poder Público, e não ao candidato, proporcionar instrumentos para a avaliação da deficiência.

Nesse contexto, segundo o próprio Estatuto do Servidor Público, a comprovação de aptidão física e mental do candidato só é realizada na fase de investidura do cargo, quando a pessoa já foi aprovada na seleção.

A peça inicial, enviada à 17ª Vara de Justiça Federal, alerta ainda que o novo requisito imposto acaba exigindo um alto custo financeiro da pessoa com deficiência, representando uma barreira para o amplo acesso ao cargo público.

“Trata-se de inquestionável obstáculo socioeconômico repudiado pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, que sabota indisfarçavelmente a plena integração almejada pelo Decreto 3.298/2018 a partir de discriminação do Poder Público revestida de incontornável ilegalidade”.

O documento sustenta que o acesso ao trabalho é um direito fundamental inviolável e que tem como um dos seus fundamentos o valor social que possui. Faz referência a estudos que mostram que o trabalho associado a um emprego tem relevante papel entre grupos historicamente marginalizados e contribui na redução da pobreza, do isolamento social e para o aumento da participação política desses segmentos.

Cita ainda a participação do Brasil na Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que prevê a adoção de todas as medidas necessárias para modificar ou revogar leis que constituam discriminação contra elas.

Concurso da PRF

Nesse sentido, a procuradora da República que assina a ação, Eliana Pires Rocha, ilustra os impactos gerados pelo Decreto 9508/2018. No concurso da Polícia Rodoviária Federal, lançado no final de 2018, segundo informações fornecidas pela banca examinadora do certame – o Cebraspe – 3335 candidatos solicitaram inscrição como pessoas com deficiência.

Diante da exigência imposta pelo normativo, apenas 629 tiveram as suas inscrições deferidas. Ou seja, “por motivos outros estranhos às politicas inclusivas, o Poder Público impediu, nesse caso em concreto, que quase três mil candidatos com deficiência pudessem concorrer a cargo público federal”, explica a procuradora.

Pedidos

O MPF pede, em caráter liminar, a imediata suspensão dos efeitos do inciso IV do artigo 3º do Decreto 9508/2018, que exigiu a comprovação de deficiência do candidato no ato de inscrição dos concursos públicos promovidos pela Administração. Posteriormente, o pedido é pela declaração de ilegalidade da regra e sua exclusão do ordenamento jurídico brasileiro.

A ação solicita também que a comprovação de qualquer deficiência do candidato seja exigida somente previamente à posse, assim como é feito com os demais aprovados nos concursos.

Nesse contexto, o Ministério Público requer que a equipe multiprofissional e interdisciplinar avaliadora dos candidatos com deficiência seja fornecida pelo próprio Poder Público.

Por fim, o MPF requer que sejam reabertos os prazos de inscrição de concursos e processos seletivos federais que ainda não tiveram as primeiras provas aplicadas. Nesse caso, o objetivo da medida é beneficiar especificamente os candidatos a vagas reservadas para pessoas com deficiência.