Nos 24 minutos em que recebeu atendimento na Avenida Mauá, no centro de Porto Alegre, a dor do maxilar quebrado ficou pequena diante do medo. Ao ficar consciente depois de bater em um Vectra, o motoboy percebeu que havia escapado com vida de uma guerra que mata em média 10 motoqueiros por mês no Rio Grande do Sul.

Não há estatísticas oficiais sobre as vidas perdidas sobre duas rodas, mas especialistas em trânsito prevêem um ano trágico para os motociclistas. Nos últimos dois finais de semana, 11 pessoas morreram em motocicletas.

– É muito preocupante. Há um crescimento exacerbado da participação das motos no trânsito e pouco treinamento para as pessoas que as usam – afirma a professora Christine Tessele Nodari, do Laboratório dos Sistemas de Transporte da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Em Porto Alegre, as mortes cresceram 36,6% de janeiro a outubro se comparado ao mesmo período de 2005. Cresceu também o número de feridos – metade das vítimas socorridas em acidentes estava em motos. A cada duas horas, um motociclista vai ao chão.

Novas regras tentam frear essa rotina de tragédias. O Departamento Estadual de Trânsito deixou mais rigoroso o exame para tirar a carteira de habilitação “A”. Na sexta, o Conselho Nacional de Trânsito publicou novas regras para o uso de capacetes. As principais alterações são a aplicação de adesivos reflexivos e a obrigatoriedade do uso de óculos protetores nos equipamentos sem viseira. O conselho proíbe o uso de óculos comuns com o capacete.

De 18 motoboys abordados, todos já sofreram acidentes na Capital

Na ofensiva contra a mortandade, tramita na Assembléia um projeto para regulamentar a função de motoboy. A EPTC promete lançar até o final do ano um projeto para tentar reduzir acidentes, e outras prefeituras investem em campanhas educativas.

Zero Hora foi ao centro de Porto Alegre, onde há concentração de motoboys, atrás de motociclistas incólumes.

– Estamos procurando alguém que nunca tenha sofrido um acidente – perguntamos a um grupo de motoqueiros.

– Sem nenhum acidente? Nem um tombinho? Aqui tu não vais achar – disse o homem, que cuida motos há 10 anos.

– Não tem jeito. Quem anda de moto sempre cai. Até os mais cuidadosos – completou Paulo Bittencourt, 41 anos, 20 como motoboy, três acidentes e uma fratura na mão.

Depois de 18 tentativas, a equipe não encontrou nenhum motoboy ileso ao trânsito da Capital. Um motociclista sem histórico de acidentes foi encontrado justamente no Hospital de Pronto Socorro, que recebe o maior número de acidentados em motos no Estado.




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“Tirei a carteira de motoqueiro na sorte, nem sabia pilotar.” A afirmação do eletricista Renato Gomes, da Capital, explica um fenômeno assustador: sem preparo para enfrentar o trânsito, motociclistas ingressam numa rota suicida, com a aprovação das autoridades. Decidido a mudar essa realidade, o Departamento Estadual de Trânsito (Detran) reformulou o processo de habilitação para motoqueiros.

Até 1° de fevereiro, todos os Centros de Formação de Condutores (CFCs) do Estado devem se equipar com uma nova pista para motos, padronizada, onde serão realizadas as aulas práticas e o exame de habilitação. Segundo o Detran, 122 das 177 pistas já estão adequadas à mudança que promete reduzir acidentes como o que quase matou Renato, em 2004:

– Uma semana depois de tirar a carteira, fiz uma barbeiragem e bati num ônibus. A prova foi tão fácil, e as aulas tão ruins, que eu mal sabia trocar de marcha.

Quando Renato fez a prova, que durava pouco mais de um minuto, bastava dar uma única volta na pista, em primeira marcha, e a carteira estava garantida. Isso se os ziguezagues e o contorno dos três cones não fossem desprezados. Agora, o percurso aumentou, ganhou obstáculos e mais duas voltas. A prova passa a durar cerca de três minutos e 20 segundos, e o candidato precisa acionar três marchas da motocicleta.

Legislação não permite aulas e exames de moto nas ruas

Conforme o chefe da Divisão de Habilitação do Detran, Jeferson Fischer Sperb, a nova pista proporciona aulas práticas mais próximas da realidade no trânsito. A inclusão de sonorizadores – uma série de ripas de madeira – simula calçamentos irregulares. Sperb diz que algumas pistas antigas sequer tinham espaço para os alunos desenvolverem as quatro marchas do veículo.

Mas com tanto esforço para simular o trânsito, surge uma dúvida: por que as aulas e os exames para motociclistas não são realizados em vias públicas, como são os de automóveis? Segundo o chefe do Detran, o Conselho Nacional de Trânsito não permite.

– A determinação é de que o processo de habilitação para motoqueiros seja ministrado em áreas fechadas. Isso é ruim, pois o candidato não tem contato com outros veículos, com chuva, com imprevistos – reconhece.

Tanto para Sperb quanto para Renato, que se acidentou uma semana após o exame, a legislação deveria ser mudada. Enquanto isso não ocorre, o Detran acredita que a nova pista será um marco na redução de acidentes com motos.