EPIDEMIA NO TRÂNSITO: Ao analisar o comportamento do tráfego no mundo verifica-se que os sinistros vários apresentam dados de uma verdadeira epidemia. Foto: Divulgação

Mais uma vez o Estradas.com.br abre espaço para artigos e estudos de profissionais que atuam na segurança viária e que tem como compromisso a preservação da vida.

André Azevedo é um policial rodoviário federal conhecido pela seriedade, competência e atuação em alto nível. Com Mestrado em Seguridad Vial y Tráfico pela Universidad Carlos III – Madrid, na Espanha, Azevedo faz uma valiosa análise sobre o caso espanhol que serve de inspiração para todos que trabalham prol da redução das mortes no trânsito brasileiro.

Os riscos da velocidade excessiva no trânsito. A vacina espanhola contra a epidemia das mortes no trânsito

Por André Luiz de Azevedo*

O tema da gestão da velocidade é tão importante que a sexta semana das Nações Unidas, realizada entre 17 e 23 de maio de 2021, tem como destaque a campanha: “Streets for life #Love 30”. 2

Ao analisar o comportamento do tráfego no mundo verifica-se que os sinistros vários apresentam dados de uma verdadeira epidemia. Até bem pouco tempo atrás os atualmente conhecidos por sinistros, ainda hoje, em muitos lugares, ainda são chamados de acidentes.

Tal caracterização imprime uma ideia equivocada de que os eventos, que ora são objeto de análise, seriam provenientes do acaso, do encadeamento aleatório de fatores, que não estariam no controle dos condutores.

Segundo estudiosos em um passado recente, seriam os sinistros viários produtos de alea, de puro acaso, ou em um extremo leigo, de azar. Essa percepção vigorou durante muitos anos no mundo e ainda persiste em países menos desenvolvidos, sendo responsável pela baixa audiência do tema entre decisores nos países com maiores registros de mortes e lesões.

Esse equívoco na compreensão do processo também foi responsável pela pouca importância da sociedade em geral, inclusive muitos governantes e formadores de opinião, atribuída ao tema trânsito. As legislações referentes à temática durante muitos anos se mostraram lenientes com condutas lesivas no trânsito, revelando-se pouco eficazes. Um convite à imprudência.

A situação revela-se dramática quando são trazidos dados sobre a mortalidade e a lesividade dos sinistros vários e o impacto gerado nas famílias, na força de trabalho dos diferentes países e até mesmo nos sistemas previdenciários e de pensões, sendo responsáveis pelo severo comprometimento de parte da base produtiva da sociedade.

Durante o Século XX, estimativas sinalizam que o número de mortos em acidentes de trânsito no mundo ultrapassou a cifra de 35 milhões de pessoas. O número de feridos é ainda mais impactante e ultrapassa 1,5 bilhão.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o sinistro viário está entre as cinco causas que mais causam mortes e sequelas no mundo. Dentre as principais causas de sinistros no trânsito, o fator humano responde pela maioria delas. Dentre as condutas mais nocivas está a condução de veículo sob efeito de álcool e drogas, as manobras imprudentes e a velocidade.

Tabela 1 Mudanças na classificação das 10 principais causas da carga global de doenças

Fonte: RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE PREVENÇÃO DE LESÕES CAUSADAS PELO TRÂNSITO

A chamada Década de Ações para a Segurança Viária 2011-20203 foi o primeiro passo importante, fruto da já mencionada Primeira Conferência Ministerial Global sobre Segurança Viária4, realizada em 2009 em Moscou, na Rússia em 2009, como resposta a esse quadro.

No Plano Global da Década o foco foi aperfeiçoar a legislação e fomentar maior rigor na sua aplicação, impondo o uso de capacetes por motociclistas, garantindo o transporte seguro das crianças nos veículos, combatendo os motoristas alcoolizados e punindo o excesso de velocidade.

A relação da velocidade com a sinistralidade, bem como a sua gravidade revela-se um dos principais fatores contribuintes para lesões graves e mortes no trânsito, no presente século. Em um mundo altamente conectado, com boa parte das demandas ligadas aos prazos, a indústria automotiva, impulsionada pela tecnologia, pelas novas necessidades da sociedade, vem transformando toda a logística do transporte, que passou a ter na velocidade um dos fatores de maior relevância, face à necessidade de transportar cada vez mais pessoas e bens, no menor tempo possível.

Acompanhando as transmissões em redes sociais e o desenvolvimento tecnológico, o homem se encanta cada vez mais por velocidade. A combinação velocidade e juventude sempre esteve no imaginário da sociedade e os investimentos em tecnologia vêm acelerando esse processo, na medida em que oferecem veículos cada vez mais rápidos e confortáveis, ampliando o desafio de garantir que esses produtos sejam seguros.

A compreensão de cada um desses fatores e o estudo de suas associações entre si e com outros fatores relacionados são necessários para analisar e melhor intervir no fenômeno do sinistro de trânsito. Isso porque sua combinação pode aumentar a probabilidade de ocorrência de acidentes de forma diferenciada em determinados locais.

Nesse contexto, a presente pesquisa centrou sua análise na relação entre o comportamento do condutor e a evolução dos normativos, especificamente naquilo que se relaciona com a velocidade. É cediço que a conduta objeto da presente análise apresenta elevado grau de risco para a segurança viária dada a sua relação direta com os graus de lesividade e letalidade no trânsito.

Tal recorte será colocado em perspectiva, a fim de que se possa analisar os resultados obtidos no Brasil e na Espanha, na Primeira Década de Ações para o Trânsito Seguro da ONU (2011 – 2020) e relacionar os índices de redução alcançados com a forma como a velocidade excessiva foi tratada pelas respectivas legislações.

(*) André Luiz de Azevedo é policial rodoviário federal desde 6 de julho de 1994.  Bacharel em Ciências Jurídicas, com Especialização em Direito Público e Gestão Pública (UGF).

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