PRF inova ao submeter viaturas operacionais a ensaios de dirigibilidade
PIONEIRISMO: PRF inova ao submeter viaturas operacionais a ensaios de dirigibilidade. É o Projeto VTR01. Foto: Divulgação/PRF

Ensaios – preconizados na Norma Técnica SENASP Nº 006/2022 – são aplicados aos veículos adquiridos para as atividades de segurança pública

Pioneirismo. Assim resume a iniciativa da Polícia Rodoviária federal (PRF), primeira instituição de segurança no País, a submeter viaturas operacionais a testes de dirigibilidade.

A iniciativa ocorreu no último dia 21, em Indaiatuba (SP), e foi realizada uma bateria de ensaios técnicos que tinha como propósito avaliar a dirigibilidade, o desempenho e a segurança veicular dos itens adquiridos por meio de licitação para compor a frota da Corporação. Essa é a primeira aquisição de veículos operacionais da PRF após a publicação da Norma Técnica SENASP Nº 006/2022, cujo objeto vencedor do certame foi habilitado no item camioneta/SUV caracterizada de grande porte, adicionando, assim, 184 novas unidades à frota.

Os ensaios técnicos se tornaram etapas obrigatórias dos certames de aquisição de viaturas, e estabelecem requisitos mínimos de qualidade e desempenho aplicáveis ao fornecimento de veículos para segurança pública. O objetivo é garantir a segurança, a qualidade e a confiabilidade do produto adquirido.

Diante disso, o Estradas conversou com o inspetor da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Luiz Fernando Teixeira Salgado, responsável pelo Projeto VTR01, para saber uma pouco mais sobre esse pioneirismo. Acompanhe a entrevista exclusiva:

1 – ESTRADAS O que é o Projeto VTR01?

PRF – O Projeto VTR01 é uma iniciativa da Polícia Rodoviária Federal (PRF) com o objetivo de viabilizar uma viatura que melhor atenda às necessidades dos serviços operacionais da PRF e entendemos que a melhor forma disso acontecer é por intermédio de pesquisa e do estabelecimento de requisitos técnicos básicos para toda viatura operacional a ser adquirida pela PRF.

No contexto do Projeto VTR01, a pesquisa científica será empregada para determinar as necessidades da PRF, como desempenho, ergonomia, segurança e durabilidade, além de estabelecer um protocolo de testes que garanta a adequação das viaturas às exigências operacionais desejadas, observando as possibilidades do mercado.

Para que tudo tenha consistência e lastro científico, estamos buscando estabelecer parcerias com instituições acadêmicas, visando integrar conhecimento científico ao processo de decisão e assegurar conformidade com a legislação vigente. Estamos tomando todos os cuidados para que o processo todo siga as melhores práticas de administração pública internacional, em que o Executivo se une à academia em busca de avanços científicos para solucionar problemas sociais, fomentando o progresso do mercado.

2 – ESTRADAS – O que motivou a PRF a realizar essa iniciativa pioneira?

PRF – Existe uma legítima e crescente demanda da sociedade por uma maior profissionalização do Estado e, claro, se reflete também na área de segurança pública. Este desejo por serviços públicos mais eficientes, tem impulsionado mudanças na forma como as políticas são formuladas e implementadas, particularmente no que diz respeito à adoção de práticas baseadas em evidências. Este contexto, que já é observado pela PRF desde muito tempo, impulsionou a instituição na busca de melhores armamentos, melhores uniformes e, agora, promoveu o lançamento do projeto VTR01.

Atualmente a maior parte das viaturas são veículos fabricados em série que recebem adaptações que aumentam o peso do veículo e modificam sua forma exterior padrão. Essas alterações podem acarretar prejudiciais mudanças de comportamento dinâmico no veículo, na contramão do anseio social de que as viaturas não apenas atendam, mas idealmente superem os padrões de veículos comuns.

Importante frisar que este projeto pioneiro visa não apenas a melhorar a qualidade das viaturas utilizadas pela PRF, mas também estabelecer um padrão de eficiência, inovação e segurança de viaturas policiais. Com isso, a PRF está buscando soluções que atendam as necessidades da atividade policial, inclusive a de transportar custodiados de forma digna e segura para estas pessoas e para os policiais.

3 – ESTRADAS Qual a importância para a segurança dos policiais e usuários das rodovias?

PRF – A PRF tem como missão “Proteger a vida, promovendo segurança pública com cidadania nas rodovias federais e áreas de interesse da União”. Devemos fazer um certo destaque para o termo “promover”, que transcende a mera aplicação da lei; é liderar pelo exemplo, infundindo na sociedade valores de profissionalismo, integridade e respeito. Assumindo essa missão, também assumimos que cabe a nós pavimentar o caminho não apenas com regras, mas com ações que inspirem confiança e promovam um legado de paz e ordem.

Assim, o órgão está empenhado em enfrentar um grave problema: os sinistros de trânsito, que vitimam milhares de pessoas ao ano e também nos atinge diretamente, pois é a principal causa de mortalidade dos agentes da PRF em serviço, os quais estão constantemente expostos ao risco de sinistros. Uma viatura mais segura tende a reduzir a quantidade e gravidade de sinistros e, consequentemente, fatalidades. Além disso, equipamentos aprimorados resultam em maior eficiência operacional, permitindo melhores atuações em prisões, fiscalizações, atendimentos a sinistros etc.

Para alcançar isso, a instituição está comprometida com a segurança e dignidade de todos os ocupantes do veículo, sejam eles policiais, custodiados ou assistidos. Talvez por tal motivo, mais de 97% do efetivo interno julgou o projeto VTR01 como relevante ou muito relevante. Isso reflete o apoio interno para as mudanças propostas e demonstra o compromisso contínuo com a melhoria dos serviços prestados pela PRF.

4 – ESTRADAS De que forma essa iniciativa poderá inspirar as demais forças de segurança do País?

PRF – A grande diferença que este projeto guarda para todos os estudos anteriores realizados na PRF é a mudança de abordagem com relação à especificação das viaturas: nosso olhar é para as necessidades operacionais do órgão antes de definir as especificações técnicas dos veículos. Essa formatação pode ser apropriada e aperfeiçoada por qualquer outra força de segurança pública para “descobrir” as suas reais necessidades no que tange seus veículos e isso tende a proporcionar menos pessoalidades e mais cientificismo. Como tudo deverá ser construído em conjunto com corpo científico, a metodologia e o método poderão ser replicados por demais instituições interessadas, bem como os resultados finais poderão inspirar outras polícias.

Nosso órgão tem em seu DNA a cooperação e no cenário de viaturas é bom que deixemos claro que já percorremos longas jornadas de trabalho e hoje, a título de exemplo, somos responsáveis por fazer a licitação de vários órgãos do Ministério da Justiça e Segurança Pública, devido à expertise advinda de experiências passadas. Assim, sabemos a dificuldade que um órgão singular tem para especificar uma viatura, justificadamente.

Em vista disto, convidamos a Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP) a compartilhar conosco os aprendizados advindos dos estudos e publicação da Norma Técnica SENASP 006 2022 e, deste modo, a SENASP traz significativas contribuições técnicas para o avanço do projeto VTR01, em prol de uma segurança pública mais moderna e eficiente. Acreditamos que essa cooperação, somada à capacidade de articulação da SENASP junto a Estados e Municípios, tende a facilitar o acesso das demais forças de segurança pública, bem como a robustecer a iniciativa como um todo. Com este cenário desenhado e objetivos estabelecidos no projeto, é possível ver que o desafio do VTR01 é, também, oportunidade para inovar e aprimorar a qualidade do serviço prestado.

5 – ESTRADAS – Quais os principais desafios encontrados?

PRF – Por tratar-se de uma iniciativa pioneira no país, enfrentar desafios é uma parte inerente de tudo que é novo. Além da dificuldade de mapear as necessidades operacionais de uma atividade tão complexa como o policiamento rodoviário, acreditamos que um dos principais desafios é superar a percepção de que um projeto de grande escala pode ser realizado rapidamente.

Na prática, fazer o novo requer novas atitudes e, especificamente ao projeto, precisamos de estudos acreditados, métodos de pesquisa, validação de resultados, transparência e vontade, muita vontade de fazer dar certo.

6 – ESTRADAS – Considerando a necessidade do uso de armas pesadas a bordo das viaturas e dos equipamentos de proteção dos policiais, quais as medidas tomadas para minimizar os riscos dos ocupantes?

PRF – Os estudos relacionados à ergonomia estão entre os mais extensos dentro do projeto, e toda a cabine do veículo está sendo estudada para acomodar com segurança pessoas e cargas. São várias as ferramentas disponíveis para revisar e ajustar o projeto da cabine e de porta-malas, e entre elas existe o scanner 3D, a ser operado por especialistas, em apoio à PRF.

Esse equipamento será u lizado para mapear o espaço interno das viaturas, permitindo um design que maximize o uso eficiente do espaço sem comprometer a segurança dos ocupantes e observando a distinção do espaço de pessoas e de cargas. Assim, poderemos organizar de forma otimizada os compartimentos de armazenamento para equipamentos (cargas) ou mesmo verificar o
melhor espaço para fixar suportes no compartimento de pessoas, garantindo que eles estejam seguros e acessíveis sem interferir na mobilidade ou na segurança dos ocupantes do veículo.

7 – ESTRADAS – Como tem sido a interação com as montadoras e/ou importadoras?

PRF – As primeiras impressões que temos é que o mercado entende o protagonismo, pioneirismo e seriedade que a PRF possui em diversas searas da segurança pública, como a temática viaturas. Ademais, é muito relevante a participação da SENASP no projeto, pois esta, recentemente, publicou normativa específica para aquisição de veículo policiais [1] e possui notória articulação com Estados e Municípios.

Entendemos que a PRF é um cliente qualificado e indutor de boas práticas no setor. No entanto, embora possamos definir claramente as necessidades operacionais para nossas viaturas, os aspectos específicos de engenharia e tecnologia são responsabilidades do setor automobilístico. Portanto, nosso papel é especificar “o que precisamos” em uma viatura, deixando para os especialistas do mercado mostrar “como pode ser viabilizado”.

8 – ESTRADAS – Em que estágio se encontra o Brasil em relação aos demais países das América Latina?

PRF – Em nossas pesquisas iniciais sobre o projeto VTR01, não encontramos nenhuma iniciativa significativa entre nossos vizinhos da América La na; isso não significa que tais iniciativas não existam, apenas que não foram localizadas. Uma ressalva ao alegado foi um fato específico ocorrido no Chile, em que os “Carabineros de Chile” importaram, por certo período, veículos policiais diretamente da Dodge, abandonando o processo pouco tempo depois, ainda por causas não conhecidas por nós.

Por outro lado, tem-se bons exemplos a serem estudados e verificados de forma mais acurada quando nos referimos aos Estados Unidos da América, com especial atenção às Polícias de Michigan, Texas e Nova Iorque e ao processo de fabricação e adaptação lá realizados. Pode-se ainda encontrar pretensas soluções no continente Europeu ou Asiático: algo que ainda precisamos investigar.

No mesmo rumo, há excelentes iniciativas realizadas por outras polícias, em âmbito nacional, as quais contribuem em muito com nosso aprendizado.

9 – ESTRADAS – Quais serão os critérios para escolher a próxima viatura?

PRF – O Projeto VTR01 se inicia com a ideia de investigar quais são as necessidades da PRF para uma viatura, iniciando com perguntas; as respostas estão vindo com o estudo e a análise sobre as atividades operacionais do órgão. Em outras palavras, estamos estabelecendo requisitos que a viatura deve alcançar para satisfazer as demandas operacionais e de segurança da PRF. Ainda estamos num momento inicial do projeto, portanto é cedo estabelecer quais serão esses critérios.

PRF inova ao submeter viaturas operacionais a ensaios de dirigibilidade
PIONEIRISMO: Viaturas operacionais foram submetidas a diversos testes em uma pista, em Indaiatuba (SP). Foto: Divulgação/PRF

Como foram feitos os ensaios:

Verificação de características gerais e metrologia

A sequência de ensaios é executada com 1 amostra do veículo, onde são verificadas e avaliadas as características gerais e metrológicas do modelo analisado. Eficiência energética, estabilidade estrutural do veículo, vão livre do solo, ângulo de ataque e saída, aferição de área de custódia utilizando o sistema VDA, testes ergonômicos e funcionais são apenas alguns dos testes aos quais o veículo deve ser submetido, e ter total adequação para ser aceito neste ensaio.

Ensaio de resistência global

A resistência global do veículo é avaliada levando em consideração a eficiência do sistema de arrefecimento com a aferição do calor gerado pelos componentes do motor, temperatura do sistema de frenagem e a compatibilidade com os parâmetros de temperatura de fluídos especificados pelo próprio fabricante, considerando também o conceito obtido em seu crash test e a eficiência de sua suspensão nas medições de transferência de vibração do piso para o habitáculo. Neste ensaio, é observado se o veículo poderá sofrer superaquecimentos ou danos mecânicos advindos de fadiga na atividade operacional.

Ensaio de avaliação e ergonomia

Neste teste, é avaliada a adequação do modelo em análise quanto à oferta de ambiente satisfatório para execução da atividade operacional, considerando a visibilidade dos instrumentos e da área envidraçada, os acessos aos comandos e pedais, dentre outros fatores que proporcionam um embarque e desembarque dentro do adequado para as atividades operacionais.

Ensaio de eficiência energética

Aqui, o objetivo é avaliar o consumo obtido na realização do ensaio, que não deve ter diferença percentual maior que 55% do valor de consumo do ciclo combinado, considerando as ponderações de 55% para o ciclo “cidade” e 45% para o ciclo “estrada”. O cálculo de consumo de ciclo combinado segue metodologia adotada no âmbito do Programa Brasileiro de Etiquetagem (PBE) do Inmetro.

Ensaio de aceleração

Teste importante para a atividade policial, verifica a aptidão do veículo à atividade operacional no tocante a sua capacidade de aceleração de 0 a 100 km/h (em segundos), com um total de até dois ou quatro ocupantes, devidamente lastreado, respeitando os procedimentos de manobra, conforme descrito na norma e utilizando um dispositivo de medição baseado em VBOX GPS ou equipamento/metodologia equivalente.

Ensaio de eficiência de frenagem

Teste imprescindível para segurança, objetiva verificar a eficiência do sistema de frenagem do veículo e sua adequação à atividade operacional, com um total de até dois u quatro ocupantes, devidamente lastreado, garantindo que os freios sejam testados após serem acionados em alta velocidade.

Simulando as condições reais de operação vividas pelo profissional em campo, o veículo deve ser acelerado até a velocidade de 120 km/h para, então, ser freado com o curso total do pedal do freio de forma instantânea até a sua parada, dentro do espaço de 59m, considerando também as medidas de temperaturas de todos os freios no disco ou superficial do tambor, logo após a sequência de frenagens do ensaio.

Teste do alce

Neste ensaio, é verificada a estabilidade do veículo em circunstância de manobra rápida de desvio de obstáculo na pista, mantendo-se a segurança, com um total de até dois ou quatro ocupantes, devidamente lastreado, obrigatoriamente tendo de executar a manobra a 60km/h, no mínimo.

Teste do slalom

A estabilidade do veículo é analisada em circunstância de manobras rápidas de desvios de obstáculos sucessivos na pista, mantendo-se a segurança, com um total de até dois ou quatro ocupantes, devidamente lastreado. A manobra deve ser executada, no mínimo, a 50 km/h, classificando o modelo na velocidade máxima que concluir o teste (em uma tentativa bem-sucedida).

Ensaio de alta velocidade

Acompanhamentos policiais fazem parte da rotina operacional. Em razão disso, este teste objetiva verificar a aptidão do veículo para acompanhamentos em vias de alta velocidade, com um total de até dois ou quatro ocupantes, devidamente lastreado, com o roteiro de ensaio devendo contemplar a distância total de 60 km, sendo calculado o número de voltas no circuito de acordo com essa distância.

Aqui, um dos objetivos será reprovar veículos instáveis ou que, de outro modo, exibirem características inseguras para a atividade e para a segurança dos operadores.

Ensaio em circuito urbano

Um dos testes, é feito para a avaliação da aptidão do veículo para a atividade operacional em vias urbanas, com um total de até dois ou quatro ocupantes, devidamente lastreado, utilizando um circuito que representará o ambiente da maioria das comunidades metropolitanas atendidas pelas instituições de segurança pública.

O circuito deve conter trechos lineares, curvas fechadas de até 45°, esquinas de 90° e de 180° (com esterção total do volante do veículo e em situação regular de via), obstáculos como guia de retenção de velocidade (lombadas ou similares), sonorizadores, guias rebaixadas e depressões para escoamento pluvial (valetas), subidas e descidas acentuadas (acima de 25°), considerando a presença de veículos estacionados e em movimento, bem como velocidades entre 30 km/h e 100 km/h com direção ostensiva.

Serão aplicados cones e obstáculos para definição e simulação do circuito. No caso de ensaio em via de condições controladas, a capacidade de transposição de guia “meio-fio” e outros obstáculos urbanos são considerados.

Ensaio off-road

O veículo também é avaliado em sua aptidão para a atividade operacional em vias rurais com obstáculos naturais de alta exigência, como por exemplo: transposições severas de curso d’água, rampa, declive, desnível lateral, via rural com ondulações de erosão pluvial (costela de vaca e caixa de ovos).

PRF inova ao submeter viaturas operacionais a ensaios de dirigibilidade
MAIS SEGURANÇA: Equipe da PRF que está à frente do Projeto VTR01, comandada pelo inspetor Luiz Salgado (centro), não mediu esforços durante o desenvolvimento nem quando aplicaram os testes em Indaiatuba (SP). Foto: Divulgação/PRF

Projeto VTR01

O Projeto VTR01 vem ganhando destaque no cenário nacional, promovendo pesquisa, ciência e profissionalismo, prometendo proporcionar a melhor viatura da história da PRF. Este projeto nasceu da necessidade de oferecer ao servidor policial e à sociedade uma viatura que atenda, ao máximo, às exigências do trabalho policial, e tem por objetivo viabilizar um veículo para o serviço operacional da PRF, de modo a proporcionar segurança, desempenho, suporte e ergonomia otimizados.

Atualmente, o projeto conta com a parceria da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP) e está em fase de negociação para uma colaboração com a Universidade de Brasília (UnB), tendo já iniciado diálogos estratégicos com representantes do mercado nacional. Sendo a promoção do trânsito seguro uma das prioridades da Instituição, o Projeto é considerado relevante ou muito relevante por mais de 97% do efetivo interno.