MAIS RIGOR: Desde o dia 1º, o recall passou a ter novas regras que vão aumentar a fiscalização sobre montadoras e proprietários de veículos. Foto: Divulgação

Nova portaria do Governo Federal, publicada em julho, obriga montadora a ampliar a divulgação na mídia e proprietário a comparecer ao chamado em até um ano

Uma boa notícia na preservação de vidas humanas. Desde o dia 1º deste mês, está em vigor a nova portaria nº 3, de 1º de julho de 2019, sobre o recall – chamado para repara um produto com defeito – e que traz como principais inovações a punição para os proprietários que não comparecerem ao chamado num prazo de um ano, com o registro no documento do veículo (CRLV); o comunicado do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) ao atual proprietário do veículo envolvido no chamado; e uma maior divulgação por parte das montadoras na mídias, incluindo as redes sociais quando houver uma convocação.

Segundo o coordenador do SOS Estradas, programa de segurança, e autor do livro “Recall – 4 milhões de carros com defeito de fábrica”, Rodolfo Rizzotto, a portaria que entrou em vigor é importante porque estabeleces condições mais rigorosas para que as empresas façam o recall e forneçam uma comprovação da realização do chamado; mas também porque coloca uma responsabilidade no consumidor, que terá um aviso no documento do veículo sobre o recall pendente, quando for o caso.

Rizzotto explica que as novas medidas representam um grande avanço, mas há alguns pontos que precisariam ser aperfeiçoados. “O Projeto de Lei 3267/19, que altera o Código de Trânsito Brasileiro, é outro ganho substancial, pois estabelece a proibição do licenciamento ou venda do veículo com recall pendente”, frisa.

Ainda de acordo com Rizzotto, essa medida vai possibilitar um aumento no comparecimento ao chamado e uma diminuição nos riscos de acidentes. “É preciso ficar claro que o recall não é apenas uma relação de consumo entre o proprietário e a montadora. É uma relação, acima de tudo, de segurança no trânsito. Por exemplo, um caminhão com defeito grave na direção pode matar pessoas inocentes. A relação desse motorista com a montadora é uma relação de consumo, mas os que sofrem as consequências desse acidente não têm nenhuma relação de consumo nem com o motorista nem com a montadora. Então as consequências são os acidentes, são as mortes.

Recall de peças e pneus

Segundo Rizzotto, ainda ficou faltando, tanto na portaria quanto no projeto de lei, a Inclusão do recall de autopeças e de pneus. “O que se vê muito é a propaganda que diz peça original Ford, peça original GM. A peça defeituosa é uma peça original. Às vezes, é uma falha de projeto da montadora, e o fabricante faz de acordo com as especificações da montadora. Entretanto, essa peça se não for feito recall dessa peça, ela vai estar no mercado de reposição. Portanto, deveria ter um recall dessa peça em si. Porque o consumidor que comprou essa peça deveria ser avisado para passar pelo recall, mesmo que o chassi do carro dele não conste no chamado”.

Rizzotto diz ainda que “não pode é esse estoque de peças continuar sendo vendido. Está faltando o recall de autopeças, inclusive de pneus. Já tivemos, historicamente, recall de pneus, como eu citei no livro que escrevi de recall de pneus”.

“Rebimboca da parafuseta”

De acordo com o coordenador, outro detalhe importante a ser observado, como acontece nos EUA, é a especificação e a relação de tudo o que vai ser efetuado no veículo. “É preciso constar no documento, com as respectivas imagens, exatamente como a montadora vai mandar para oficina da concessionária, todo o serviço que tem que ser feito, passo a passo. Isso é importante para que o consumidor e a sociedade saibam exatamente quais são os riscos que envolvidos com aquele defeito de fabricação. Se não fica muito na história da ‘rebimboca da parafuseta’, ninguém sabe exatamente quais são os riscos, só os especialistas”, diz.

Rizzotto diz que tal informação não pode ser omitida, uma vez que, se ficar bem claro o risco, o tipo de intervenção que vai ser feita e as consequências que trarão se isso não for feito, o comparecimento ao recall tende a ser maior. “É importante que isso esteja demonstrado detalhadamente, conforme faz a NHTSA – agência federal do governo americano -, que mostra em detalhes. Isso também permite que oficinas qualificadas realizem o serviço de recall em qualquer parte do país”.

Custo com viagem

E em se tratando de deslocamento, Rizzotto lembra que haverá situações nas quais o consumidor terá que se deslocar até 700 quilômetros para comparecer à convocação. “Nenhuma montadora está presente em mais de 400 cidades brasileiras. Nenhuma tem uma rede desse porte. Então, muitas vezes, o dono do carro tem que viajar centenas de quilômetros para atender ao recall. E aí dizem que essa convocação é gratuita. Nesse sentido, é preciso que o consumidor saiba, já que não é papel do Denatran, que ele tem direito ao ressarcimento das despesas realizadas para atender ao chamado, como alimentação, pedágio, combustível, hospedagem, sem contar o prejuízo do dia de trabalho perdido. Porque essa história de que o recall é de graça, não é, uma vez que ele tenha que viajar para cumprir o chamado da montadora”.

Ressarcimento não está previsto

De acordo com o diretor de Fiscalização do Procon de São Paulo, Carlos César Marera, a nova portaria do recall acertou em vários aspectos, até mesmo na obrigatoriedade de que o proprietário tem que levar o carro para fazer o recall, porque não estava contemplada na portaria anterior. “O objetivo dessa nova medida foi o de aumentar o número de comparecimento aos chamados. Além disso, pelo que entendemos, a portaria obriga as montadoras façam uma divulgação dos recalls de forma mais ampla. Elas são obrigadas e deixar em seus sites e redes socais a chamada de recall por cinco anos”, destaca.

Segundo Marera, infelizmente, nesse aspecto, a nova portaria não contemplou o ressarcimento das despesas pagas pelo proprietário. “Eu entendo que uma vez que o consumidor não deu causa ao problema, então ele deve reivindicar o reembolso das despesas”.

O diretor de Fiscalização informou também que tem outro agravante. “Se o consumidor não tiver condições de arcar com os custos para comparecer ao recall, ele corre o risco de, no ano do licenciamento, por não ter feito o recall depois de um ano, ter inserido no certificado de registro de licenciamento que ele não efetuou o recall, pois não terá o certificado de comprovação”, explica.

De acordo com Marera, o consumidor deve procurar o Procon para formular uma denúncia quanto aos gastos que teve por meio de documentos que comprovem essas despesas. “A Fundação Procon vai entrar em contato com a montadora para viabilizar um acordo. Primeiramente, o consumidor deve entrar em contato com a montadora e tentar um acordo. Se não conseguir, pode procurar o Procon ou a via judicial. Têm esses caminhos. Isso porque a nova portaria do Procon não abarcou o nosso proprietário para lhe dar esse conforto, essa segurança”, frisa.

Marera finalizou dizendo que, embora a portaria tenha sido positiva em vários aspectos, nesse ponto não obrigou as montadoras a arcarem com as custas do proprietário que reside longe de uma concessionária ou àquele que trabalha com o carro e deixa de ganhar porque o carro está na oficina. “Infelizmente, o consumidor vai ter que arcar do próprio bolso. Nesse ponto, a portaria poderia ter inovado para amparar o consumidor, embora, repito, ela (portaria) tem vários aspectos positivos. Inovou, ampliou a capacidade de divulgação. Ela deu um plus em relação ao que existia”.

Livro: Pioneiro no assunto

Há 16 anos, quando a palavra recall era um ‘palavrão’ para muitas pessoas, Rizzotto já lidava com o tema de forma bem singular. Tanto que, em 2003, lançou o livro “Recall – 4 milhões de carros com defeito de fábrica – o que as montadoras não contam”, que revelava os bastidores do recall e alertava para a gravidade do assunto.

“Naquela época, a proposta do livro já era de que ninguém poderia transferir ou licenciar seu veículo se tivesse alguma pendência de recall. Nós sabemos que a média de comparecimento ao recall no Brasil sempre foi muito baixa, isso porque as montadoras omitiam a informação ou fazem a comunicação de forma precária”, diz.

Rizzotto vai além e afirma que ainda hoje, as montadoras trazem à tona as informações de veículos com defeitos graves que elas acham conveniente informar. “Nós não tínhamos um órgão para investigar. Agora, com essa nova mudança, as montadoras passam a ter uma responsabilidade de informar os defeitos, bem como o Governo prepara o caminho para que se possam descobrir esses defeitos através de entidades isentas. É uma mudança muito positiva, uma verdadeira revolução”, diz.

Banco de dados online

A preocupação com a segurança sempre ocupou grande destaque nas ações do coordenador do SOS Estradas. Tanto que logo após o lançamento da publicação, em 2003, era possível baixar o livro, gratuitamente. “O livro Recall foi o primeiro livro sobre o tema disponibilizado gratuitamente online. Apesar de ser vendido na época, ele estava disponível para qualquer pessoa que tivesse interesse”, inclusive com um banco de dados de recall. O primeiro no Brasil”, diz Rizzotto.

De acordo com o coordenador, hoje já existem vários bancos de dados, como o do Procon de São Paulo e agora o do Denatran, que oferecerá um completo. “Esses bancos de dados são importantes de maneira que todo proprietário de veículo saiba se há algum recall pendente, até porque ele terá responsabilidade em caso de acidente”, explica.

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O que diz a Lei

No Brasil, o instituto do recall está previsto no art.10 e parágrafos da Lei Federal 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor, que define:

Artigo 10 – O fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança.

  • 1º – O fornecedor de produtos e serviços que, posteriormente à sua introdução no mercado de consumo, tiver conhecimento da periculosidade que apresentem, deverá comunicar o fato imediatamente às autoridades competentes e aos consumidores, mediante anúncios publicitários.
  • 2º – Os anúncios publicitários a que se refere o parágrafo anterior serão veiculados na imprensa, rádio e televisão, às expensas do fornecedor do produto ou serviço.
  • 3º – Sempre que tiverem conhecimento de periculosidade de produtos ou serviços à saúde ou segurança dos consumidores, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão informá-los a respeito.

Baixa adesão

De acordo com o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, a nova portaria deve aumentar muito a efetividade do recall. “Esse tipo de chamado só é feito quando o problema põe em risco a segurança do consumidor”, diz.

De acordo com dados divulgados pelo Ministério da Justiça, das 701 campanhas de recall realizadas nos últimos 5 anos, 189 encontram-se com níveis abaixo de 10% de atendimento e 103 com níveis entre 10 e 40%.

1 COMENTÁRIO

  1. O mais grave é o consumidor ter que levar o veículo com defeito até a concessionária assumindo o risco de ser envolvido em acidente ou de machucar alguém. Aonde está o direito a proteção do consumidor neste caso? Deveria haver a exigência de levar/devolver o carro com defeito via guincho pago pela montadora evitando assim o envolvimento do consumidor e de terceiros num possível acidente.

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