Estudo se dará por indicação do deputado Fernando Melo
O trânsito brasileiro é um dos mais violentos e perigosos do mundo, com registros de 38 mil mortos por ano, 460 mil feridos e 2 milhões de acidentes. Essas estatísticas, reveladas ontem, na Câmara Federal, pelo deputado federal Fernando Melo (PT-AC), foram a base do principal argumento com o qual o parlamentar acreano justificou a proposta de criação de uma subcomissão dentro da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, da qual é membro titular, para debater o problema de forma permanente durante um período de no mínimo seis meses. A subcomissão especial, segundo a justificativa de Fernando Melo para sua criação, será destinada a “fazer acompanhamento das causas da violência do trânsito no Brasil e a aplicação do Código de Trânsito Brasileiro”.
“Fundamentamos nosso pedido em razão do trânsito brasileiro ser um dos piores e mais perigosos do mundo. São mais de 38 mil mortes todos os anos, cerca de 500 mil feridos em mais de 2 milhões de acidentes, tornando assim, o trânsito uma das principais causas de óbitos no nosso país. Além das perdas de vidas, a violência no trânsito, acarreta custos diretos e indiretos principalmente na saúde”, disse o deputado. Segundo ele, “a fiscalização e a educação para o trânsito previstas no Código de Trânsito Brasileiro, necessitam receber do nosso parlamento, um acompanhamento rigoroso, coisa ainda não efetuada pela Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado”.
A proposta foi aceita por unanimidade e significa que o próprio Fernando Melo deverá ser o presidente da subcomissão, que terá o prazo de seis meses para estudar os graves problemas do trânsito brasileiro e, ao final, apresentar uma solução para um problema que já é tratado no Brasil como uma autêntica epidemia. Pelo menos é assim que trata a professora Yara Gerber Lima Bastos, da Universidade Estadual de Londrina (PR), na tese “Violência no trânsito: uma epidemia do século XX”. Ela diz que os acidentes de trânsito no Brasil são um problema de saúde e social, “podendo ser considerado uma grave epidemia do século XX”.
De acordo com o deputado Fernando Melo, além da professora Yara Gerber, outro estudioso dos problemas no trânsito brasileiro, o ex-diretor do Detran do Distrito Federal, Luis Miura, também será convidado a ajudar a subcomissão. Miura foi o principal responsável pela implantação da campanha pelo respeito à faixa de pedestre nas ruas de Brasília e do restante do Distrito Federal e que contribuiu para a redução significativa das mortes e dos acidentes de trânsito. “Nós temos que fazer alguma coisa. Da forma como o Brasil está caminhando, com a perda de centenas de vidas nas estradas e ruas do Brasil em acidentes de trânsito, não pode continuar. O Estado do Acre, cuja frota de veículos é uma das menores do país, está, proporcionalmente, perfilado entre os estados que detém os recordes da violência no trânsito. Sei que já passa da hora de fazermos alguma coisa e é isso que estamos tentando”, afirmou Fernando Melo.
Professora explica por que acidentes são uma epidemia e caso de saúde pública
Para a professora Yara Gerber Lima Bastos, o desenvolvimento industrial do século XX propiciou aumento considerável da frota de veículos em circulação em todo o mundo. Mesmo assim, os sistemas viários e o planejamento urbano, em geral, não conseguiram acompanhar o aumento do volume do tráfego. “Dessa maneira, a qualidade de vida, principalmente nas grandes cidades, ficou prejudicada, contribuindo para o aumento da agressividade dos motoristas e para o crescimento da violência no trânsito. Os acidentes de trânsito (AT) surgem então como um importante problema de saúde e social, podendo ser considerado uma grave epidemia do século XX”, diz a professora. “Concluiu-se que para solucionar esse grave problema, que são os ATs, faz-se necessária uma abordagem interdisciplinar, através de ações multisetoriais e que a educação é o meio mais efetivo para promover as mudanças de comportamento imprescindíveis para a redução destes eventos.”
De acordo com a professora, um programa de educação para o trânsito para ser eficiente deve transformar o educando em um agente ativo no processo ensino/aprendizagem, com o objetivo de formar cidadãos conscientes. “Para tanto, é necessário, desenvolver o tema nos seus aspectos histórico, social, local, legal e comunitário, entre outros, para que haja uma substituição dos comportamentos de risco por comportamentos adequados, pela consciência da responsabilidade individual e pelo respeito aos outros”, disse.
A origem do problema está relacionada a década de 90, diz a professora. Foi quando, devido ao desemprego e aos problemas sócio-econômicos do país, as motocicletas passaram a servir de instrumento de trabalho, seja para o transporte rápido de mercadorias (motoboys) ou como uma opcão barata de transporte de passageiros (mototáxis), o que representou um aumento do número de vítimas do trânsito, pois na maioria dos acidentes envolvendo motocicletas os ocupantes sofrem ferimentos, muitas vezes graves e fatais, devido à maior exposição e menor proteção destes na via pública.
Segundo Yara Gerber, nos países desenvolvidos a busca por soluções para este problema iniciou-se por volta dos anos 1960, e alguns deles conseguiram, através de altos investimentos no setor, controlá-los. “Nos países em desenvolvimento não ocorreu o mesmo, o trânsito no Brasil, por exemplo, é considerado como um dos piores e mais perigosos do mundo, sendo uma das principais causas de óbito no país, representando um grave problema de saúde pública, não só pelas perdas de vidas e pelas seqüelas, mas também pelos custos diretos e indiretos, que causam um importante ônus para a sociedade”, afirma.
Estudos internacionais, destaca a professora, ressaltam que os programas educativos são fundamentais para a redução dos acidentes de trânsito, mesmo que seus resultados só apareçam a médio ou longo prazo, pois eles são o único meio de aumentar o nível de consciência social e de responsabilidade individual dos cidadãos, fazendo com eles respeitem os direitos alheios. “Se as crianças e adolescentes forem educados neste sentido, estes valores poderão ser desenvolvidos mais facilmente, e assim eles se transformarão, quando adultos, em pedestres e motoristas mais conscientes”, diz. “Infelizmente menos de 10% dos alunos das escolas brasileiras têm acesso à educação para o trânsito, apesar de o atual CTB possuir um capítulo que a torna obrigatória para as escolas públicas e particulares de ensino médio e fundamental em todo o território nacional”, lamenta.