A adolescente Bruna Corrêa, de 14 anos, evita falar sobre o dia mais assustador de sua curta vida. Um ano depois do incêndio do ônibus 170 da empresa União Cotista, em Rio Grande, no sul do Estado, a principal vítima da tragédia se recupera dos ferimentos, mas prefere tentar esquecer o terrível episódio.

A três meses da esperada festa de 15 anos, Bruna ainda passa pelo tratamento que tenta recuperar os quase 30% de sua pele queimados durante o incêndio ocorrido em 9 de janeiro de 2006. Ao lado da mãe, Nívea Maria, 31 anos, ela aproveita as férias escolares em Arroio Grande, sua terra natal, antes de voltar às aulas.

– Agora estou muito bem. Tento nem lembrar mais aquele dia – diz a adolescente.

Nas semanas seguintes ao acidente, ela passou por sete cirurgias para enxerto de pele. Ficou 42 dias internada em Porto Alegre. Sofreu queimaduras de segundo e terceiro graus espalhadas pelo corpo e deverá passar por nova cirurgia nas próximas semanas.

Desde então, ela vem usando malhas de compressão para firmar as partes enxertadas. E deve utilizá-las por pelo menos mais um ano. Não que o acessório seja embaraçoso para ela, mas a preferência pelas blusas de manga comprida revelam o pequeno desconforto. A mãe, Nívea, orgulha-se do desempenho da filha durante a recuperação.

– Para ela, está tudo normal. Só não pode mais pegar sol como fazia quando passava o verão no balneário Cassino – conta Nívea.

Bruna foi a vítima mais atingida entre os 27 feridos no incêndio do ônibus, tendo sido a última a ser retirada do veículo. Ela estava passeando com uma tia em Rio Grande.

– Sei que houve imprudência, mas considero realmente uma fatalidade – resume a mãe, que preferiu não acionar judicialmente a empresa de ônibus, pois a companhia está ajudando a cobrir as despesas da família com o tratamento da adolescente.

A União Cotista prestou assistência às vítimas da tragédia, segundo o advogado José Aldrovando Machado Rodrigues, que defende junto a outros advogados os três funcionários e o sócio da empresa indiciados no processo:

– Logo após o acidente, que teve em Bruna a única vítima realmente grave, a empresa está ajudando a família com recursos para o tratamento e seu transporte para os médicos.

Segundo Rodrigues, foram indenizadas todas as pessoas que procuraram a empresa em razão de prejuízos provocados pelo incêndio, inclusive proprietários de veículos estacionados nas proximidades. Com relação às ações que tramitam na Justiça contra a empresa, Rodrigues disse que todas estão sendo contestadas.

Processos ainda tramitam na Justiça

Um laudo do Centro de Microscopia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul apontou que um efeito chamado arco de faísca causou o acidente. Foi provocado por um curto-circuito, uma lata de solvente, a chave elétrica geral do ônibus e o assoalho, também de metal. A investigação da polícia de Rio Grande concluiu que houve crime de incêndio culposo por parte da empresa União Cotista. Foram indiciados o motorista Alexandre Hernandes, o fiscal Jorge Alberto Pacheco, a responsável pelo setor de compras da empresa, Cláudia Silveira, e o sócio-gerente, Norli Norberto Camilo. O processo ainda está em primeira instância. Se forem condenados, os indiciados poderão sofrer pena de seis meses a dois anos de prisão.

Pelo menos 35 vítimas entraram com ações. O advogado Iuri dos Santos, que cuida de 28 casos, explica que foram acionados tanto a União Cotista quanto a prefeitura. Por ter concedido o serviço público a uma empresa privada, a administração municipal enquadra-se na chamada responsabilidade solidária.

Ele estima que a partir de junho comecem a ser anunciadas as sentenças para cada um dos casos, que estão sendo analisados individualmente. O valor pleiteado por ele para cada indenização é de R$ 630 mil.

– Não tenho dúvida de que os passageiros ganharão as ações, pois as provas são muito claras. Só nos falta chegar a um acordo sobre valores – diz.

Como foi
– O ônibus 170 da empresa União Cotista sai do centro de Rio Grande com destino aos bairros Castelo Branco I e II, Cohab 4 e Santa Rosa
– A menos de cem metros da Praça Tamandaré, local de partida do coletivo, o motorista Alexandre Hernandes sente o tecido das calças grudando nas pernas e vê o fogo se alastrando
– Uma lata de tíner (composição de solventes, usada em tintas e para limpeza), colocada sob o banco do motorista, entra em combustão
– O motorista abre as portas e grita para que os passageiros saiam
– Os passageiros correm para os fundos do ônibus, tentando evitar as chamas
– Populares quebram as vidraças pelo lado de fora para facilitar a saída dos passageiros
– Ao todo, 27 dos 52 passageiros ficam feridos, sendo quatro em estado grave.