Para se deslocar ao trabalho, visitar revenda de carros e ir até mesmo ao salão de cabeleireiro, o superintendente do Departamento Nacional de Infra-estrutura de Transportes (Dnit) no Rio Grande do Sul, Marcos Ledermann, usa carro e motorista cedidos por empreiteiras que mantêm contratos com o órgão. Os flagrantes foram registrados durante 10 dias por uma equipe de Zero Hora e da RBS TV, que também constatou a atuação de servidores de empresas privadas dentro do departamento. O Ministério Público Federal (MPF) abriu inquérito para apurar o caso.
Durante dias, o automóvel Vectra alugado pela Mac Engenharia foi visto entrando na garagem do prédio onde o engenheiro reside, na Rua Cabral, no bairro Rio Branco, em Porto Alegre. Por volta de 9h, o veículo deixa o edifício e leva Ledermann até a sede do Dnit, no Centro. Durante os dias em que a reportagem acompanhou a movimentação do automóvel, o superintendente foi visto freqüentando diversos locais alheios à atividade que desempenha no órgão.
Em um salão de cabeleireiro da Rua Andrade Neves, na região central, Ledermann permaneceu por cerca de uma hora, depois de ser trazido pelo motorista particular, que tem salário pago pela construtora Queiroz Galvão, responsável pela duplicação de três dos quatro lotes do trecho gaúcho da BR-101. Em entrevista, Ledermann assegurou que só “usa o carro para o trabalho”.
Além disso, o chefe do órgão declarou que o contrato de duplicação prevê o repasse de um automóvel por lote pela empresa detentora do contrato. Segundo Ledermann, seria para os servidores do órgão “visitarem as obras, fazer todo o trabalho”. Mas a Mac Engenharia não faz parte do grupo de empreiteiras que estão duplicando a estrada.
– Eu não sabia disso, vou pedir para a Bolognesi (responsável por um dos lotes da duplicação e que deveria, por contrato, locar o carro) assumir (a locação) desse veículo – disse o superintendente.
Superintendente não sabe quem paga suas secretárias
Ledermann explicou ainda que o motorista da Queiroz Galvão já “trabalha” para o Dnit há mais de cinco anos, e por isso, foi aproveitado. Depois de dar entrevista, o chefe do órgão anunciou a devolução do motorista à empreiteira. Disse ainda que passará a utilizar o veículo particular, e o carro locado ficará à disposição dos servidores do Dnit em Osório.
Quando não cedem carros, empreiteiras ajudam nas despesas de unidades do Dnit no Interior. Sem saber que estava sendo gravado, um servidor de Vacaria disse que há carência até de combustível.
– A firma bota combustível. As empreiteiras, né? Geralmente é serviço das empreiteiras, às vezes, né? Colocar uma placa, retirar uma placa. Então, aí, elas cooperam (com abastecimento). Às vezes tem que desembolsar do bolso e esperar, né? – afirmou o funcionário.
Outro problema diz respeito à atividade de funcionários de empresas privadas dentro do Dnit. Ledermann afirmou desconhecer quem paga os salários de duas secretárias dele.
– Elas estão ali. Agora, se elas recebem, acredito que recebam (salário), mas de quem, eu não tenho conhecimento. Sério, não tenho – explicou.
A reportagem descobriu que as servidoras Cláudia Godoy e Michele Lima pertencem a dois consórcios, um que gerencia e outro que fiscaliza as obras na BR-101.
Mas os casos não são isolados. Ligada ao Centro de Excelência em Engenharia de Transportes (Centran), que tem contrato de R$ 8,8 milhões com o Dnit, a Fundação Ricardo Franco, do Rio de Janeiro, paga o salário da assessora de imprensa do Dnit no Rio Grande do Sul, Rosane Frigeri. Conforme o contrato, a função do Centran seria prestar “assessoria técnica ambiental para o projeto de duplicação da BR-101”. Funcionária da assessoria de imprensa, a jornalista Josélia Maria Ribeiro Sales até então era paga pelo Consórcio Gerenciador da BR-101. Ambas foram demitidas após a reportagem ter procurado o Dnit em busca de esclarecimentos.
Dnit substituiu DNER após casos de corrupção
Juntas, as empresas citadas pela RBS TV mantêm contratos com o Dnit que somam cerca de R$ 800 milhões. O órgão foi criado em 2002 para substituir o Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER), envolvido, na época, em escândalos de corrupção.
Para o professor de ética Luiz Osvaldo Leite, as denúncias podem ferir a lei de improbidade administrativa, que pune com a perda do cargo funcionários públicos que recebem vantagens de empresas com interesses no órgão onde atuam.
Contraponto
O que disse a Mac Engenharia
A empresa diz que locou o carro pois foi contratada pela Bolognesi para atuar na duplicação da BR-101. Essa locação faria parte do contrato entre as duas empresas.
O que disse a construtora Queiroz Galvão
A empreiteira afirma que o motorista faz parte da operacionalidade do carro cedido, por contrato, ao Dnit.
O que disse o grupo Bolognesi
A Bolognesi confirmou acordo com a Mac Engenharia e disse que não cabe a ela fiscalizar o uso do veículo pelo Dnit.
O que disse a jornalista Rosane Frigeri
A jornalista disse que o trabalho dela estava previsto no contrato entre o Centran e o Dnit.
As funcionárias Cláudia Godoy e Michele Lima e a jornalista Josélia Maria Ribeiro Sales não foram localizadas por Zero Hora e RBS TV.