Há mais de dez anos, o Estradas.com.br acompanha o esforço da Águia Branca em prol da segurança viária, especialmente na área de medicina do sono e seu pioneirismo no controle do uso de drogas por motoristas. Por trás desse trabalho, merece destaque o dr. Sérgio Barros.
Em recente contato com a Toxicologia Pardini para obter dados sobre quais empresas se destacam no controle do uso de drogas, inclusive aplicando mais controles do que a legislação prevê, o nome da Viação Águia Branca veio imediatamente à tona como exemplo a ser seguido pelas empresas de transporte.
A gerente nacional da Toxicologia Pardini/Fleury, Arantxa Tolosa, fez questão de elogiar a postura da empresa: “A Toxicologia Pardini é parceira da empresa Águia Branca há alguns anos. Ao longo da nossa parceria, identificamos uma preocupação constante com a segurança dos seus motoristas e da sociedade, mantendo um alto índice de realização de exames toxicológicos tanto nos motoristas de ônibus quanto de carga.”
O coordenador do SOS Estradas, Rodolfo Rizzotto, compartilha da mesma opinião: “Recordo que, quando o exame toxicológico ainda não era lei, a Águia Branca já estava aplicando. É a postura das empresas que fazem o que chamamos de transporte rodoviário socialmente responsável.”
Rizzotto enfatiza ainda que o dr. Sérgio Barros sempre foi referência nesse trabalho e no combate à fadiga dos motoristas: “Numa das conversas, ele explicou que visitava a casa dos motoristas para verificar em que condições dormiam e orientar as famílias sobre a importância de o condutor ter um sono reparador.”
Para entender melhor o trabalho do Grupo Águia Branca, o Estradas entrevistou o dr. Sérgio Barros, especialista em Medicina do Sono pela Associação Brasileira do Sono, além de possuir certificações pelos hospitais Laennec e Saint-Antoine, em Paris, na França.
O que é exatamente a Medicina do Sono?
Esse programa existe há 24 anos na Viação Águia Branca e começou quando o então diretor da empresa, atual vice-presidente do Grupo Águia Branca Divisão Passageiros, Renan Chieppe convidou-me para criar um programa de prevenção de acidentes e melhorar a segurança da formação dos nossos motoristas.
Percebemos que esse programa só seria possível se tratássemos o homem/ser humano como foco principal do estudo e falar em saúde integral é ressaltar que eu não posso dormir tranquilo, se eu sei que tem um motorista que está trabalhando sem condições físicas e biológicas não adequadas. O programa é pioneiro no segmento e tem como objetivo a promoção da saúde dos motoristas através da educação e prevenção com foco na Medicina do Sono e suas implicações.
Ao ser admitido na VAB, a gente realiza diferentes exames para identificar o cronotipo do motorista e o histórico das últimas três empresas que o candidato trabalhou. Se a gente identifica algum distúrbio do sono, já tratamos e adequamos sua escala para que ele trabalhe no horário que o corpo esteja mais descansado.
Para os motoristas que necessitem de tratamento mecânicos para distúrbios respiratórios do sono, com o uso de aparelhos respiratórios não invasivos (CPAP), a empresa subvenciona 50% do aparelho e o restante, o motorista pode pagar em até dois anos.
Também todos os motoristas são avaliados no início e final de cada viagem, garantindo assim mais segurança aos passageiros transportados. Nós temos a responsabilidade de identificar as inúmeras situações individuais de cada motorista, identificar o ritmo biológico do sono do motorista, a que chamamos de cronobiologia.
Entre os exames está a polissonografia, que o exame de distúrbio do sono, feito dentro da própria empresa que possui a estrutura de 8 leitos laboratoriais de sono. Já o teste de manutenção da vigília avalia a capacidade do motorista trabalhar à noite e o teste da actigrafia, que complementa os exames da Medicina do Sono.
Existem também o mecanismo de estímulo à sonolência noturna, que pode ocorrer devido aos ritmos biológicos, que é a Sala de Estimulação do Alerta. Em nossas 30 salas de alerta, nas paradas dos motoristas, eles fazem um lanche leve e praticam atividade física, sem esforço, em um ambiente com luminoterapia adequada para sincronizar o ritmo biológico do motorista.

Qual a importância do sono para os motoristas?
A importância é para qualquer ser vivo, ninguém consegue viver sem dormir ou vive de maneira muito debilitada se dorme mal. Nosso cérebro coordena 16 sistemas fisiológicos e se a gente não dorme, se o cérebro não descansa, ele vai ter dificuldade para atuar nestes sistemas. Se não dormimos bem ou ficamos em dívida de sono, todo o corpo sente e o prejuízo é geral. Nenhum ser humano é infalível.
Como e quando o senhor iniciou o trabalho com motoristas profissionais?
Nós começamos esse trabalho no ano 2000, na Viação Águia Branca, a convite do então diretor da empresa, Renan Chieppe, e de lá para cá só aperfeiçoamos e tornamos esse programa uma referência de segurança contra acidentes no setor rodoviário do país.

Quais as situações mais graves encontradas?
Como médico do Sono, eu nunca enfrentei algo grave, algum risco, toda situação de risco a gente enfrenta. Na Viação Águia Branca, o programa Medicina do Sono é parceiro constante do Centro de Controle Operacional (CCO), que é responsável pelas escalas dos motoristas, a gente acaba sugerindo as escalas com base nos exames periódicos dos motoristas.
De que maneira o grupo Águia Branca foi importante na evolução da medicina do sono, por meio do seu trabalho?
Eu estou na empresa há 24 anos e eu sou prestador de serviço. Todo prestador que não desenvolve e entrega resultados, não fica no negócio, se eu estou até hoje é porque tenho contribuído com os objetivos da empresa.
Como reagiram os motoristas e suas famílias quando o senhor iniciou o trabalho?
Tudo começou com a Medicina do Sono. Tanto os motoristas quanto suas famílias tem uma relação muito próxima com a empresa e de mim, porque eu sou o médico delas, todos tem a liberdade de ter meu contato pessoal para se sentir seguros e próximos.
A gente entende que ter um contato com a família do motorista é muito importante, porque a família é a base de tudo, se a pessoa não está bem em casa, isso vai repercutir no trabalho e do mesmo jeito, eles precisam apoiar o motorista em suas horas de trabalho e de descanso. O equilíbrio ou desequilíbrio, impacta muito o desempenho do motorista, é algo reacionário. Estar descansado e bem com a família é importante para o nosso equilíbrio enquanto ser integral.

Quais as histórias que o senhor destacaria que mais impressionaram sobre os riscos do sono na direção?
Nós tivemos poucos casos que me impressionaram, lembro de três motoristas que tinham narcolepsia, que é o ataque de sonolência excessiva. Nós tratamos esses motoristas e realocamos o seu horário de trabalho.
Já quanto ao distúrbio de sono, que é mais habitual, a gente quando identifica, logo trata e vê a melhor maneira dele mudar sua escala.
Muitos motoristas são pressionados pela jornada e fazem uso de substâncias psicoativas para se manterem acordados. Quais os efeitos dessas drogas no organismo e os riscos que representam?
O uso de drogas para se manter acordado é absurdo, aqui na Viação Águia Branca não temos esse risco porque fazemos o teste de álcool e outras drogas de maneira rotineira, já faz parte da cultura da empresa. O teste do bafômetro é feito sempre no início e ao final de cada viagem, já o exame de dosagem de drogas varia de acordo com o planejamento do programa Medicina do Trabalho.
Quando a pessoa ingere um comprimido de cafeína ou usa algum tipo de droga para se manter acordada, acaba estimulando o cérebro a não parar, o que por consequência só aumenta a dívida do sono. A conta pelo acúmulo de dias mal dormidos é alta e uma hora ela chega, o que pode resultar em acidentes.
Se a pessoa está com insônia, é preciso tratar e não retardar a situação estimulando, de maneira forçada, o cérebro. Isto é muito perigoso!
O senhor foi pioneiro no uso do exame toxicológico de larga janela no transporte de passageiros. De que forma essa tecnologia laboratorial contribuiu e contribui para a redução das tragédias nas nossas rodovias?
Lá atrás, quando a gente dava os primeiros passos do programa Medicina do Sono, tivemos a prerrogativa que faríamos exames preventivos, antes que qualquer legislação cobrasse. Antigamente, o consumo de anfetaminas era muito grande, por isso, começamos a testar essa substância em nossos motoristas para que a droga não ‘invadisse’ a empresa e depois viesse uma lei regulamentando, por isso sempre fomos na dianteira na redução dos acidentes.
Além do transporte de passageiros, em que outras atividades o senhor tem aplicado a medicina do sono com sucesso?
Já trabalhei com esse programa na área da Mineração, tanto em Minas Gerais com a empresa Vale, quanto no Pará com a empresa Mineração Rio do Norte. No norte do país, nós conseguimos estruturar um laboratório de Medicina do Sono dentro da floresta amazônica, em Porto Trombetas, que é um distrito do município de Oriximiná (PA).

Para as pessoas comuns, independente de dirigirem, o que senhor recomenda para ter um sono tranquilo e de que forma a qualidade do sono afeta às nossas vidas?
Quando você faz uma refeição, você tem um ritual de sentar, comer, mastigar, conversar com alguém próximo, escolher a comida, saborear o prato, mas por quê quando vamos dormir isso não acontece? Precisamos sim ter um ritual do sono e quem melhor nos ensina isso são os bebes, que precisam ser induzidos ao sono, dentro de um ambiente controlado.
Ninguém que está com um estresse absurdo consegue deitar e dormir imediatamente e depois dormir bem. O ritual do sono inclui estar em um ambiente com luz de intensidade baixa, deixar o celular de lado (àquela luz da tela diz para o nosso cérebro que ele precisa continuar agitado), não ingerir estimulantes ou comer comida pesada antes de repousar, deitar em um ambiente confortável. Ter o ritual é dizer para o organismo: agora vamos descansar para amanhã continuar produzindo.
Que matéria extraordinária. Parabéns aos idealizadores deste projeto. Pena que a gestão da maioria das empresas pensam que este tipo de investimento é gosto…