Era para ser uma obra sim­ples. Mas os 17 quilô­me­tros (km) da BR-070, na di­visa entre o Dis­trito Fe­deral e Goiás, de­mo­raram mais de quatro anos para serem du­pli­cados. É que no meio do ca­minho tinha uma bar­ragem, e ela não re­cebeu a atenção ne­ces­sária na ela­bo­ração do pro­jeto bá­sico.

Por de­ter­mi­nação dos ór­gãos am­bi­en­tais, o De­par­ta­mento Na­ci­onal de In­fra­es­tru­tura de Trans­portes (Dnit) teve de criar um pro­jeto adi­ci­onal de dre­nagem, com quilô­me­tros de tu­bu­lação de con­creto, para evitar o es­co­a­mento da água da chuva para o lago da re­presa – uma in­for­mação bá­sica que de­veria constar nos es­tudos ini­ciais do pro­jeto.

A du­pli­cação da ro­dovia foi in­cluída no pri­meiro Pro­grama de Ace­le­ração do Cres­ci­mento (PAC), lan­çado em ja­neiro de 2007. Mas até fazer todos os es­tudos, lançar o edital de li­ci­tação e con­tratar a em­prei­teira que faria a obra foi quase um ano de tra­balho. As in­ter­ven­ções na ro­dovia só foram ini­ci­adas no ano se­guinte e ter­mi­naram em junho do ano pas­sado. Isso sig­ni­fica dizer que, em média, foram du­pli­cados apenas 472 me­tros de ro­dovia por mês, ou 750 me­tros, con­si­de­rando as pistas la­te­rais.

Além das ques­tões am­bi­en­tais e pro­blemas no pro­jeto exe­cu­tivo, a obra teve ou­tras in­tem­pé­ries. Logo após a inau­gu­ração, o vi­a­duto le­van­tado em Águas Lindas de Goiás apre­sentou um afun­da­mento na es­tru­tura por causa do lençol freá­tico e teve uma faixa in­ter­di­tada. Foram mais seis meses para fazer os re­paros. No co­meço deste ano, o mesmo vi­a­duto teve de passar por uma re­cu­pe­ração emer­gen­cial por causa de fis­suras e ra­cha­duras na pista. Tudo pago pela cons­tru­tora res­pon­sável , avisa o Dnit. De­talhe: a obra custou R$ 145 mi­lhões.

O PAC, prin­cipal pro­messa do go­verno para ala­vancar in­ves­ti­mentos e me­lhorar a in­fra­es­tru­tura do País, está re­cheado de casos como o da du­pli­cação dos 17 km da BR-070. Com pro­jetos de má qua­li­dade, ex­cesso de bu­ro­cracia e uma boa dose de im­pro­viso, vá­rias obras lan­çadas no PAC 1 con­ti­nuam es­tam­pando os re­la­tó­rios do PAC 2. Ano após ano, cro­no­gramas são al­te­rados.

Até o úl­timo ba­lanço do PAC, apre­sen­tado em março deste ano, muitos pro­jetos ainda es­tavam em fase de li­ci­tação. É o caso da Adu­tora do Agreste, em Per­nam­buco. O em­pre­en­di­mento, pre­visto para 2010, só deve ficar pronto em ou­tubro de 2014 – sete anos de­pois da de­cisão do go­verno de cons­truir a obra.

A adu­tora será cons­truída em duas etapas: a pri­meira está em pro­cesso de li­ci­tação e a se­gunda, em ela­bo­ração do pro­jeto exe­cu­tivo. O em­pre­en­di­mento vai be­ne­fi­ciar 12 mu­ni­cí­pios de Per­nam­buco e custar R$ 1,2 bi­lhão. Até agora, no en­tanto, foram in­ves­tidos R$ 12,8 mi­lhões (1% do valor total do pro­jeto).

Alerta

Ritmo se­me­lhante se­guem as obras da Trans­po­sição do Rio São Fran­cisco. De acordo com o ba­lanço do PAC, três lotes es­tavam pa­ra­li­sados, aguar­dando res­cisão con­tra­tual. Or­çado em R$ 8,2 bi­lhões, o pro­jeto teve al­guns con­tratos ques­ti­o­nados pelo Tri­bunal de Contas da União (TCU) com sus­peita de so­bre­preço na compra de ma­te­riais e su­pe­ra­va­li­ação dos imó­veis que serão de­sa­pro­pri­ados. Os dois tre­chos da trans­po­sição (eixo leste e norte), que de­ve­riam ser con­cluídos em 2010 e 2012, estão em es­tado de atenção. Não devem ficar prontos antes de 2014 e 2015.

No Brasil, as li­ci­ta­ções são sempre feitas no su­foco, em cima de um es­boço de pro­jeto. Aí, no meio do ca­minho, tudo muda e os preços sobem , afirma o pre­si­dente da As­so­ci­ação Pau­lista de Em­pre­sá­rios de Obras Pú­blicas (Apeop), Lu­ciano Amadio Filho. Após o es­cân­dalo que atingiu o Mi­nis­tério dos Trans­portes e o Dnit, no ano pas­sado, a pre­si­dente Dilma Rous­seff exigiu a ela­bo­ração de pro­jetos exe­cu­tivos antes das li­ci­ta­ções. Por en­quanto, a de­ter­mi­nação não surtiu efeito, ga­rante Amadio.

A falta de pro­jetos exe­cu­tivos (e a má qua­li­dades deles) é a origem de boa parte dos pro­blemas en­fren­tados hoje pelos em­pre­en­di­mentos de in­fra­es­tru­tura. Para es­pe­ci­a­listas, se os es­tudos fossem mais com­pletos, não ha­veria tantas sur­presas e so­bres­saltos du­rante a cons­trução. Além disso, os cro­no­gramas te­riam mais chances de ser cum­pridos. Pre­vistas para 2009, a obra da BR-101, no Nor­deste, é uma das cam­peãs de re­visão de cro­no­grama.

A ro­dovia já en­frentou uma série de en­traves nos três tre­chos em cons­trução no Rio Grande do Norte, Pa­raíba e Per­nam­buco. Os pro­blemas co­meçam, como em ou­tras obras, com a fra­gi­li­dade do pro­jeto exe­cu­tivo. Daí para frente surgem di­fi­cul­dades de de­sa­pro­pri­ação das áreas, li­cen­ci­a­mento am­bi­ental e re­a­lo­cação de po­pu­lação de baixa renda que vive nas mar­gens da ro­dovia. Há ainda ne­go­ci­a­ções com as com­pa­nhias de ele­tri­ci­dade e de gás, que al­gumas vezes se es­tendem por meses. As con­ces­si­o­ná­rias pú­blicas pre­cisam re­tirar os postes de energia, por exemplo. Nos três Es­tados, as obras contam com a par­ti­ci­pação do Exér­cito.

Ou­tros em­pre­en­di­mentos na lista dos mais an­tigos do PAC são os fer­ro­viá­rios. Os pro­jetos da Norte-Sul, em cons­trução pelo go­verno fe­deral, e da Trans­nor­des­tina, da CSN, existem antes mesmo da cri­ação do pro­grama de in­ves­ti­mentos. Lan­çada em 1986, pelo então pre­si­dente da Re­pú­blica José Sarney, a Fer­rovia Norte-Sul sempre es­teve en­vol­vida em acu­sação de fraudes na li­ci­tação das obras. Vá­rios con­tratos foram sus­pensos por ir­re­gu­la­ri­dades, como so­bre­preço na compra de tri­lhos.

A Trans­nor­des­tina é uma fer­rovia pri­vada, que está sendo to­cada pela CSN. No total, terá 1.728 km de ex­tensão, li­gando os Portos de Pecém (CE) e Suape (PE) ao sertão do Piauí. O valor do in­ves­ti­mento da obra, que co­meçou em cerca de R$ 4,5 bi­lhões, pulou para R$ 5,4 bi­lhões e pode au­mentar mais R$ 1,3 bi­lhão. Neste caso, um dos mai­ores obs­tá­culos é a de­sa­pro­pri­ação das áreas, que está sob res­pon­sa­bi­li­dade dos Es­tados en­vol­vidos. O cro­no­grama já foi re­visto três vezes. Se não mudar mais uma vez, a obra es­tará pronta em 2014.