Empresas e produtores estão optando por frota própria para fugir do aumento do custo do frete; medida deve aumentar a ociosidade de caminhões
Para fugir do aumento de custo provocado pelo tabelamento do frete, empresas e produtores estão optando pela compra de caminhões e montando frotas próprias com o objetivo de escoar a produção. O movimento, segundo analistas, tem potencial para pressionar ainda mais o setor de transporte rodoviário num cenário já bastante difícil, de elevada ociosidade de veículos.
Os anúncios de compras das empresas têm desagradado uma parcela dos caminhoneiros, sobretudo os autônomos, que podem ser afetados com uma diminuição da demanda de trabalho como consequência do aumento das frotas próprias.
Nas últimas semanas, por exemplo, a JBS, adquiriu 360 veículos; a Cargill sinalizou que deve seguir pelo mesmo caminho; e os produtores de grãos também começaram a montar suas frotas.
Dados divulgados na quarta-feira (1) pela Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave) mostram que a venda de caminhões acelerou no país no último mês. Foram 6,6 mil veículos comercializados em julho, alta de 16,3% frente a junho e de 47,3% em um ano.
“É preocupante esta situação. Se esse movimento ocorrer numa grande escala, vai ter mais caminhão na praça. O país não precisa de mais caminhões porque a crise já deixou uma ociosidade bastante grande”, diz o presidente da Associação Brasileira de Logística (Abralog), Pedro Francisco Moreira. Atualmente, a ociosidade varia de 20% a 30%, dependendo do setor, segundo a Abralog.
A tabela do frete foi uma das medidas defendidas pelos caminhoneiros para encerrar a greve de maio, que durou 11 dias. Ela estabelece um valor mínimo a ser pago pelo transporte, que varia conforme o tipo de carga, a distância percorrida e o número de eixos dos caminhões. As entidades empresariais sempre se posicionaram contra o tabelamento que, na prática, fez o preço do serviço subir.
“Me parece que essa decisão das empresas [de comprar frota] é mais um blefe, um jogo de palavras”, afirma o presidente do Sindicato dos Transportadores Autônomos de Carga de Ijuí, Carlos Alberto Litti Dahme. “As empresas vão ter um desgaste financeiro muito grande para fazer esse desembolso. Não me parece vantajoso.”
Custos em alta
O frete tabelado provocou aumentos do custo no transporte para diversos setores da economia em todo o país. No Rio Grande do Sul, o setor moveleiro chegou a reportar aumentos de 80%, de acordo com a Abralog. Entre os produtores de soja, a alta foi de 15% a 30%.
“Já tem gente comprando, alugando caminhões, porque não dá mais. São empresários que fazem a conta e sabem que o custo de produção aumenta muito e inviabiliza o negócio”, diz o presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja), Bartolomeu Braz.
“A crise no Brasil deixou a frota ainda mais ociosa e, diante do aumento do preço dos combustíveis e dos custos de manutenção, os caminhoneiros estão sem saber o que fazer. Agora, com as empresas e produtores comprando, vai sobrar mais caminhão, [a situação] vai ficar pior para os autônomos”, acrescentou Braz.
Tabela polêmica
No fim de maio, o governo criou por meio de medida provisória uma tabela de preços mínimos por quilômetro rodado no transporte rodoviário de cargas.
A tabela do frete foi desenhada pela Agência Nacional dos Transportes Terrestres (ANTT) e duramente criticada por representantes do setor, que disseram que ela ficou “fora de padrão” e teria dobrado o valor do frete. A agência alterou os valores e publicou uma nova tabela, mas ela também recebeu críticas de representantes dos caminhoneiros.
“Queremos piso balizador para o frete, para garantir que o nosso custo vai ser coberto”, diz o presidente da Fetrabens (Federação dos Caminhoneiros Autônomos de Carga em Geral do Estado de S. Paulo), Norival de Almeida Silva. “Não existe só o agronegócio caso as empresas e produtores optem por uma frota própria. É um setor que nos interessa muito, mas há outras possibilidades”, afirma.
A ANTT abriu consulta pública para colher sugestões sobre a tabela até 3 de agosto. Somente após esta data ela deve divulgar uma nova tabela.
Ponto de equilíbrio
Na avaliação do professor especialista em transporte Marcio D’Agosto, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) a ociosidade na frota pode ter provocado uma redução artificial do preço do frete. Agora, avalia, o ideal seria o mercado caminhar para um novo ponto de equilíbrio.
“Será que para determinados segmentos o valor do frete não era artificialmente baixo porque havia muita oferta de transporte? Isso não é sustentável, o preço fica menor do que os custos de fato. E aí gera distorções, que levam a greves”, diz.
Fonte: www.g1.com.br