Especialista em Regulação da Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT, Carlos Eduardo Véras Neves, escreve sobre o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) do Governo Federal

O Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) foi criado pela Lei nº 13.334 de 2016, com a finalidade de ampliar e fortalecer a interação entre o Estado e a iniciativa privada por meio da celebração de contratos de parceria e de outras medidas de desestatização.

Entre os oito projetos de concessão para exploração da infraestrutura rodoviária qualificados no âmbito do Programa de Parcerias de Investimentos – PPI, está o projeto de concessão das rodovias BR-101/RS, BR-290/RS, BR- 386/RS e BR-448/RS, no Estado do Rio Grande do Sul – conhecido como Rodovia de Integração Sul (RIS). Foi lançado, em julho de 2018, pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), em parceria com o Ministério dos Transportes e o PPI, o edital para concessão da RIS, cujo leilão ocorrerá em 01/11/2018 (ANTT, 2018a).

Várias questões emergem a partir da análise detida das opções regulatórias registradas nos documentos licitatórios publicados, porém, neste conjunto de posts, trataremos de uma opção em específico: a supressão do chamado “Fator X” da minuta contratual (ANTT, 2018b).

De modo simples, o que é o Fator X? É uma medida de desempenho, de eficiência do concessionário. A ideia é que o concessionário busque por ganhos de produtividade durante o longo período de vigência de sua concessão, e que parte desse ganho fique retido com a própria concessionária (que teria, portanto, incentivos pra continuar almejando e buscando incorporar novas técnicas e ampliar, com isso, sua produtividade) enquanto outra parte seja revertida em forma de menor tarifa para o usuário do serviço. Ou seja, os ganhos de produtividade seriam repartidos/compartilhados entre a concessionária e o usuário final.

E por que chamamos a atenção para a supressão da cláusula que trata do Fator-X?

A Lei nº 8.987/1995 (Lei de Concessões) estabelece em seu art. 6º que toda concessão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, sendo que o serviço adequado é que aquele que satisfaz, dentre outras condições, a eficiência. A mesma lei também imputa ao poder concedente o dever de estimular o aumento da produtividade e incentivar a competitividade dos serviços concedidos.

Para cumprir tais preceitos legais, o regulador deve alterar a estrutura de incentivos ou o conjunto de ações possíveis do concessionário de modo que este, ao maximizar o seu retorno sobre o contrato, acabe também maximizando o bem-estar coletivo, fornecendo assim um serviço adequado aos usuários. Nesse sentido, a teoria econômica e a experiência internacional (AGRELL; BOGETOFT, 2013) tem demonstrado que a aplicação de regulação da tarifa por preço-teto (price cap), associada ao Fator-X, tende a incentivar ganhos de produtividade por parte do setor regulado.

Então, por que suprimir o Fator-X da equação tarifária dos novos contratos de concessão rodoviária?

Infelizmente não temos resposta para essa pergunta. Ao contrário, pretendemos sensibilizar o leitor quanto à necessidade de reguladores brasileiros adotarem técnicas de regulação baseadas em incentivos (como o Fator-X) para promover maior ganho de bem-estar aos usuários.

Para tanto, começaremos falando sobre o contexto das concessões rodoviárias federais brasileiras e como que surgiu o “Fator X” nesses contratos. Já na segunda parte, falaremos sobre o que é, de modo mais formal, o Fator X e discutiremos os possíveis impactos da retirada do referido mecanismo regulatório dos contratos de concessão.

O contexto das concessões para exploração da infraestrutura rodoviária federal

O que antecedeu as primeiras concessões para exploração da malha rodoviária federal na década de 1990 contribuiu para a modelagem dos primeiros contratos de concessão para exploração da infraestrutura rodoviária federal.

Após a forte expansão da malha rodoviária nas décadas de 1960 e 1970, já em 1974, se iniciou o processo de crescente escassez de recursos para investimento em obras e manutenção. Fora os choques externos que contribuíram para o endividamento do Estado brasileiro, até a Constituição Federal de 1988 (CF/88), os investimentos na malha rodoviária contavam com financiamento do Fundo Rodoviário Nacional (FRN), formado com recursos do Imposto Único sobre Lubrificantes Líquidos e Gasosos (IULCLG). O FRN tinha como objetivo custear os programas de construção, conservação e melhoria das rodovias compreendidas no Plano Rodoviário Nacional (PNV).

Com o advento da CF/88, de todas as alterações tributárias impostas, a que mais afetou o financiamento do PNV foi a proibição de vinculação de receitas tributárias. Ou seja, a partir daquele momento, os investimentos em infraestrutura rodoviária que, até então, contavam com uma fonte exclusiva de custeio, passaram a ter que disputar com outras políticas públicas os recursos advindos das receitas da União. O resultado de tais mudanças foi o estado deplorável em que se encontrava as rodovias federais na década de 1990.

Por outro lado, a CF/88 também trouxe a possibilidade de empresas privadas prestarem serviço de utilidade pública, sempre precedido de procedimento licitatório. Em 1995, foi sancionada a lei das concessões (Lei no 8.987), a qual regula a concessão de serviços públicos à iniciativa privada. Assim, a transferência de rodovias foi a saída encontrada pelo poder público para tentar resolver parcialmente a impossibilidade de realizar os necessários investimentos na expansão, manutenção e conservação da malha rodoviária federal.

As primeiras concessões ocorreram em 1995 ainda sob a tutela do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER) em conjunto com o Ministério dos Transportes. Vale destacar que não havia à época agência reguladora. Desta forma, os contratos de concessão assemelhavam-se muito mais a contratos de obras públicas de longo prazo (até 25 anos), cujo foco estava no controle (ainda que parcial) de alguns poucos parâmetros de desempenho e na obrigação de execução de algumas obras pelos contratados. Não é possível então afirmar que havia uma preocupação primordial com a produtividade ou a eficiência das concessionárias.

Somente em 2001 foi criada a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), por meio da Lei no 10.233, cuja instalação ocorreu cerca de um ano depois. A ANTT assumiu então a gestão dos contratos em andamento, ao todo 1.315,9 km, denominados Primeira Etapa de Concessões. Posteriormente, em 2008 e 2009, foram licitados e firmados os contratos da Segunda Etapa. Finalmente, em 2013 e 2015, foram firmados os contratos da Terceira Etapa. Ao todo são 9.224 km de rodovias sob responsabilidade da ANTT.

A ANTT, desde o seu início, teve como seu grande desafio na área de concessões rodoviárias, o desenvolvimento de mecanismos regulatórios que incentivassem as concessionárias a entregarem um melhor serviço para os usuários.

É claro que nos contratos da Primeira Etapa a margem de melhoria não era grande, uma vez que os contratos firmados na década de 1990 devem ter o seu equilíbrio econômico-financeiro respeitado. Portanto, restou à ANTT e ao Ministério dos Transportes inserir inovações nos contratos de concessão seguintes.

Nesse contexto, entre uma etapa e outra de concessão, algumas inovações e ajustes foram sendo realizados, no intuito de aprimorar a gestão contratual por parte da ANTT.

Para citarmos um exemplo, em 2007 o Tribunal de Contas da União (TCU) demandou da ANTT ajustes no mecanismo de inclusão de obras então existente nos contratos da Primeira Etapa de Concessões (TCU, 2007). Tal exigência do TCU resultou na Resolução no 3.651/2011, por meio da qual foi estabelecido o chamado Fluxo de Caixa Marginal (FCM). O FCM foi incorporado a todos os contratos de concessão anteriores e posteriores. Hoje, tal mecanismo vem sendo bastante questionado pelo próprio Tribunal de Contas da União, e sua análise pode ser objeto de outro post.

Quanto ao Fator-X, relatório do Banco Mundial de 2010 (Veron e Cellier, 2010) sugeriu “rever custos futuros de manutenção e operação com base num mix de índice de inflação e produtividade, calculado, por exemplo, em função de ganhos de produtividade observados em outras concessões, introduzindo assim um processo semelhante a uma regulação por medição (yardstick regulation). Os ganhos de produtividade esperados poderiam ser estabelecidos para cada período de cinco anos”.

O Fator X nos contratos para exploração da infraestrutura rodoviária federal

Dentre as inovações discutidas com os principais atores envolvidos nos novos projetos de concessão (setor regulado, governo e TCU – este especialmente preocupado quanto aos problemas àquela altura já identificados nos contratos da Primeira Etapa), em 2012, na chamada Terceira Etapa, foi pela primeira vez inserido no contrato de concessão rodoviária o chamado Fator X. De acordo com o contrato da BR-101/BA/ES, o Fator X é o (ANTT, 2012):

(…) redutor do reajuste da Tarifa de Pedágio – calculado na forma da subcláusula 16.3.3, e revisto na forma da subcláusula 16.3.5 – referente ao compartilhamento, com os usuários do Sistema Rodoviário, dos ganhos de produtividade obtidos pela Concessionária.

O Fator X é um redutor no índice de reajustamento para atualização monetária do valor da Tarifa de Pedágio (IRT). No contrato da BR-101/BA/ES, o Fator X é 0 (zero) até o quinto ano da concessão, sendo incrementado de modo pré-definido quinquenalmente, e atingindo no máximo 1% (um porcento) entre o vigésimo primeiro e o vigésimo quinto ano do prazo da concessão. Nos demais contratos da Terceira Etapa, o Fator X foi definido como 0 (zero) até o quinto ano de concessão, sendo revisto quinquenalmente, com base em estudos de mercado realizados pela ANTT, de modo a contemplar a projeção de ganhos de produtividade do setor rodoviário brasileiro.

Ainda, na “Ata de Resposta aos Esclarecimentos (sic)” do processo licitatório da Terceira Etapa (ANTT, 2013), a comissão de outorga assim se pronunciou sobre o Fator X:

O Fator X é o mecanismo que permite o compartilhamento com os usuários dos ganhos de eficiência e produtividade do negócio. Na teoria econômica a Eficiência Econômica é tratada como sendo a associação da eficiência técnica, que é a habilidade da unidade decisória em extrair o maior nível de produto para um dado nível de insumo, com a Eficiência Alocativa, habilidade da unidade decisória em utilizar os insumos na melhor proporção de forma a minimizar os custos. Há também o conceito de Produtividade, que pode ser alterado por quatro fontes de variações: 1) Modificações tecnológicas: alteram a posição da Fronteira da Possibilidade de Produção, isto quer dizer que a produtividade de uma determinada unidade pode melhorar sem que haja aumento em sua eficiência. 2) Modificações na Eficiência: neste caso a unidade se torna mais produtiva por aproveitar melhor os seus insumos. 3) Modificações na escala: a unidade pode ampliar sua produtividade adequando a sua escala de produção de modo a torná-la mais eficiente. 4) Modificações no mix de insumos e produtos: as composições de insumos e/ou produtos podem também afetar a produtividade. Assim, como pode se observar os conceitos de eficiência e produtividade que o Fator X compartilhará com os usuários somente poderão ser mensurados com a operação do negócio e isto somente será compartilhado com o usuário caso haja aumento da produtividade e eficiência (…). (grifos nossos)

Tanto o dispositivo contratual, como a resposta da comissão de outorga deixam bem evidente a intenção dos responsáveis pela elaboração do contrato à época: resumidamente, o Fator X deveria ser um mecanismo que colocaria em evidência a necessidade de considerar eventuais ganhos de produtividade das concessionárias e compartilhá-los com os usuários. Além disso, o Fator X deveria incentivar ganhos de eficiência nas empresas reguladas, pois estas detêm o monopólio na prestação daqueles serviços de expansão, manutenção e conservação da malha rodoviária sob sua responsabilidade e, em regra, os usuários não detêm rotas alternativas.

Então, perguntamos: por que iniciar toda uma discussão a respeito de Fator X no início dessa década, direcionar corpo técnico dentro da agência para formulação de uma proposta metodológica para seu cálculo e, depois de tudo isso, simplesmente suprimir o Fator X do próximo contrato de concessão a ser assinado? É este o melhor caminho?

Na próxima parte deste post exploraremos a teoria econômica e a experiência internacional que justificam a adoção do Fator X como mecanismo de incentivo nos contratos de concessão rodoviária, e quais as possíveis consequências da sua supressão dos contratos que serão licitados daqui para frente.

  • Carlos Eduardo Véras Neves é formado em Engenharia Civil e Mestre em Geotecnia pela Universidade de Brasília. Possui MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas. Atua no setor público federal na área de infraestrutura desde 2009. Atualmente é Especialista em Regulação da Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT. É aluno de Doutorado em Economia Aplicada do Departamento de Economia da Universidade de Brasília.